segunda-feira, 1 de julho de 2013

Séneca- Medeia

E tu, estrela, que anuncias dois momentos do dia e que regressas sempre tarde para os que se amam: por ti anseiam as mães, ardentemente por ti anseiam as noivas que difundas quanto antes os teus raios de luz.



Ama
Cala-te, peço-te, e enterra os queixumes bem fundo na tua dor. Todo aquele que suportou feridas profundas em silêncio e com um espírito paciente e resignado está apto a restituí-las: o que é malfazejo é a ira dissimulada; o ódio que se declara não encontra ocasião para a vingança.

Medeia
Ligeira é a dor que consegue agir racionalmente e esconder-se em si. Os grandes males não ficam na sombra. Quero atacar!

Ama
Contém esse ímpeto desenfreado, filha. Mesmo a quietude do silêncio dificilmente te protege.

Medeia
A fortuna tem medo dos fortes; aos cobardes, oprime-os.

Ama
A coragem só merece louvor, quando se lhe oferece ocasião.


Medeia
Nunca pode faltar ocasião para a coragem.

Ama
Não há esperança alguma então que aponte uma saída para a tua aflição.

Medeia
Quem já perdeu a esperança não tem por que desesperar.

Ama
Está longe a o teu país, a fidelidade do teu marido é nenhuma, e nada te resta de tão grandes riquezas.

Medeia
Resta Medeia; nela vês mar e terra e ferro e fogo e deuses e relâmpagos!



Uma realeza injusta nunca dura muito tempo.


Quem decide o que quer que seja sem ouvir a outra parte, mesmo que decida com justiça, não é justo.

Quão difícil é desviar da cólera um espírito já por ela inflamado e quão próprio de todo o rei que empunha um ceptro com mãos arrogantes é continuar a caminhar pela via que encetou.


Para quem é pérfido nenhum tempo é curto para prejudicar.


Os nossos pais viveram em tempos magníficos dos quais o embuste estava bem arredado. Cada um ficava tranquilamente nos seus litorais e chegava à velhice nos campos ancestrais, rico com pouco; não conhecia senão as riquezas que o solo pátrio produzia.


Se procuras saber que limite hás-de impor ao teu ódio, ó desditosa, copia o teu amor.


Um amor verdadeiro não há-de temer ninguém.


Só terei descanso quando vir o universo desabar em ruínas juntamente comigo: que tudo desapareça comigo. É agradável arrastar outrem, quando se perece.



Jasão
Não é grata a vida daquele que se envergonha de a ter aceitado.

Medeia
Não a deve conservar quem se envergonha de a ter aceitado.



Jasão
Apavoram-me os altivos ceptros.

Medeia
Zela por não os ambicionares.



A serenidade modera o infortúnio.


Ataca onde não há a possibilidade de alguém ter medo seja do que for.


Nem a violência da chama nem a do vento intumescido nem a do dardo lançado ameaçadoramente é tão grande como quando uma esposa desapossada dos fachos nupciais se inflama e manifesta ódio…


É cego o fogo atiçado pela ira: não procura controlar-se, não suporta freios e não receia a morte; anseia por enfrentar as próprias espadas.


Caminho já trilhado não se paga caro.


Coro
Por que embuste foram apanhados?

Mensageiro
Por aquele que costuma vencer os reis: as dádivas.

Coro
E que traição nelas podia existir? (…)


Entrega-te à ira, desperta desse torpor e, selvática, das profundezas do teu coração exaure por completo os antigos impulsos. Todo o mal que cometeste até hoje chame-se piedade. Vamos!


A ira rechaça a piedade, e a piedade, a ira: cede ao afecto, angústia.




Terêncio- O Eunuco

Fédria:
Que devo fazer, então? Nao ir a casa dela, nem mesmo agora quando ela me mandou chamar, por sua livre vontade? Ela me expulsou e agora me chama de volta: devo voltar? Não, a menos que ela me implore.
Mas, se eu começar e não persistir com empenho… se vier a casa dela, mesmo sem ter feito as pazes, mostrando-lhe que a amo e que não lhe posso resistir, a coisa está feita, está tudo acabado, fico perdido. Ela zombara de mim quando perceber que fui vencido.
Assim, eu reflita mais e mais enquanto é tempo.

Parmenão:
Patrão, uma coisa que não tem em si nem prudência nem moderação, você não pode governá-la pela prudência. No amor estão presentes todos estes vícios: injúrias, suspeitas, inimizades, tréguas, guerra e paz novamente. Se você pretende tornar certas pela razão essas coisas incertas não faça mais nada a não ser que você se esforce para enlouquecer com a razão. E é isto que agora seguramente você está pensando, irado consigo mesmo: “Eu a... ela que o... que me... que não! Sem dúvida, porém, prefiro morrer! Ela perceberá que homem sou eu!”
Por Hércules, uma única lagriminha falsa, que ela terá extraído com muito custo esfregando os olhos com força, destruirá estas palavras e, além disso, ela te acusará, e mais, você vai se oferecer ao suplício!

Fédria:
Oh! Crime indigno! Agora percebo que ela é uma criminosa e eu um infeliz. Isto me aborrece, mas, ao mesmo tempo, ardo de amor, estou morrendo consciente, vivo e vendo, e não sei o que fazer.

Parmenão:
O que fazer? Nada a não ser resgatar-se da escravidão pelo menor preço que puder. Se você não puder por pouquinho, pelo quanto puder. E não se aflija.

Fédria:
É assim que você me aconselha?

Parmenão:
Se você for sensato, não acrescente desgostos além dos que o próprio amor já tem, e mesmo aqueles que já tem, suporte-os bem. Mas ei-la em pessoa saindo, a ruína de nossos fundos. Pois o que nos cabe conservar, ela nos subtrai.



As coisas verdadeiras que ouvi, calo e guardo em segredo muito bem. Se são falsas, infundadas ou inventadas, de imediato elas se tornam evidentes: sou cheio de fendas, deixo escapar aqui e ali. Portanto, se você quer que me cale, deve dizer a verdade.


Há uma espécie de homens que querem ser os melhores em tudo e não são. Procuro esses. Não me ofereço a eles como alvo de chacotas, mas, ao contrário, rio com eles e ao mesmo tempo admiro a inteligência deles. Louvo o que quer que digam; se, ao invés, negam isso, louvo também. O que negam nego, o que afirmam, afirmo. Enfim eu impus a mim mesmo concordar com tudo. Esta profissão agora é muitíssimo vantajosa.




Parmenão:
Estamos cometendo um crime.
Quérea:
Acaso é um crime se eu for levado para a casa de uma cortesã e àquelas cruzes, que tomam posse de nós e de nossa juventude da qual não fazem caso e que sempre nos torturam de todas as maneiras, e agora mostre minha gratidão e as engane do mesmo modo que somos enganados por elas? …
Parmenão:
Se está decidido a fazer, faça. Mas depois não coloque a culpa em mim.



Muitas vezes, quem tem sal toma para si por suas palavras a glória obtida com grande esforço pelos outros. Isso você tem.


Parmenão:
O que você diz, Gnatão? Acaso você tem alguma coisa para desdenhar? E você, Trasão? Calaram-se: muito o elogiam.


Eu um covarde? Nenhum homem que viva é menos.

É burrice aceitar o que você pode evitar.

Conheço o génio das mulheres: quando você quer, elas não querem, quando você não quer, é aí que elas se interessam.

(…) eu ter descoberto como um rapazinho pode a bom tempo tomar conhecimento do caráter e dos costumes das meretrizes, para que, ao ser informado, tome ódio pelo resto da vida.
Elas que enquanto estão fora de casa, nada parece mais asseado, mais afeiçoado a quem quer que seja, nem mais elegante, que quando ceiam com seu amante beliscam a comida.
Ver a imundície, a falta de classe e a pobreza delas, o quanto são desprezíveis e esfomeadas quando estão sós em casa, como devoram pão preto à sopa amanhecida, saber tudo isso é a salvação do rapazinho.








Plauto. Aululari ( A Comédia da Panela)

Irmã, se tu queres que eu me case, estou disposto também a fazê-lo, com esta condição: ela chega amanhã e no dia seguinte levam-na para fora de casa. Se é com estas condições que tu achas bem, então podes vir e preparar o casamento.


Quem depois de certa idade um homem casa com mulher de meia-idade, e já velho emprenha a velha, só pode ter um nome para a criança. Sabes qual é? Póstumo.

Não me importo nada com os grandes luxos, as honras, os dotes faustosos, as aclamações, o poder, os carros de grande pompa, o vestuário, a púrpura, que levam os outros homens à servidão por aquilo que custam.


(…)Isto parece promessa, mas é pedido. Está ardendo por me devorar o dinheiro. Dum lado trás a pedra e do outro lado me mostra pão. Não creio em nenhum rico que venha com tanta generosidade e tanta delicadeza para um pobre. Quando estende a mão com bondade é porque nela traz alguma rede. Eu bem conheço estes polvos que prendem tudo aquilo que tocam.


Não há ninguém que a pobreza tenha feito mais avarento do que a ele.

(…) tu és um homem rico e poderoso e eu sou um homem pobre, paupérrimo. Se eu casasse contigo minha filha, estou eu cá a pensar que tu ficarias como boi e eu como burro; andaríamos jungidos um ao outro e como eu não poderia suportar a mesma carga, lá ficaria eu deitado como um burro no meio da lama. Tu, como boi, tratar-me-ias com desprezo, como se eu não fosse gente. Irias ser duro comigo e não me havia de faltar a troça dos da minha igualha. Depois, se houver qualquer diferença entre nós, não terei estábulo estável a que me acolher. Os burros vão-me despedaçar à dentada e os bois vão-me atacar à cornada. É muito perigoso para eu passar da classe dos burros para a dos bois.


Homens são assim! Se um rico pede alguma coisa a um pobre, o pobre tem medo de se comprometer e, por medo, procede mal. E só depois de perder a oportunidade é que ele se arrepende.


É uma estupidez e não tem graça nenhuma proceder bem quando é inútil o que se faz.


Contei a muitos amigos esta minha resolução de casamento; todos louvam a filha de Euclião e dizem que foi uma resolução avisada e de boa cabeça. Ora, se os outros ricos fizessem o mesmo com as filhas dos pobres e, mesmo sem dote, se casassem com elas, não só a cidade viveria em maior paz, como haveria à nossa volta muito menos inveja do que há. Elas ter-nos-iam mais respeito do que nos têm e nós faríamos menos despesas do que as que fazemos. Seria ótimo para a maior parte do povo e só prejudicaria alguns que são ávidos e insaciáveis e que nem leis, nem magistrados seriam capazes de reter. Naturalmente, dirá alguém, com quem se casariam então as que são ricas e têm dote, se se estabelece tal direito para os pobres? Que se casem com quem quiserem, contanto que o dote não vá com elas. Se isto fosse assim elas levariam, em lugar do dote de agora, melhores costumes.


Aquela que não tem dote está sob o domínio do marido. As que têm dote dão cabo dos maridos com danos e perdas.


Sou eu o mais desgraçado de todos quantos vivem na terra! Para que preciso eu agora de vida, em que perdi um tesouro que guardei com tanto cuidado. Roubei-me a mim próprio, roubei a minha alma, roubei o meu espírito! Agora outros gozam com ele, para meu mal e prejuízo! Não posso suportá-lo!


Todo o homem que confessa a sua culpa tem sempre o valor suficiente para se envergonhar e se desculpar.


A todos a natureza jurou livres e todos por natureza pensam na liberdade. O pior de todos os males, a pior de todas as desgraças é a servidão.


O nosso tempo produziu donos demasiado avarentos… pobres no meio das maiores riquezas e sedentos no seio do vasto oceano. Não lhes chegam bens nenhuns…

…a nossa época não é muito de boa fé. Escrevem-se documentos, vêm dez testemunhas, o notário aponta a data e o lugar. No entanto há sempre um advogado pronto a negar o que se fez.


Sempre pensei que não ter dinheiro era péssimo para todos, moços, homens e velhos. A indigência obriga os moços a prostituir-se, os homens a roubar, e os velhos a pedir esmola. Mas é muito pior o que vejo agora: ter muito mais dinheiro do que aquilo que é necessário.




Plauto- Anfitrião

(…)E não convém impetrar injustiça por parte dos justos. Impetrar dos injustos justiça, por sua vez, é falta de juízo, uma vez que os injustos ignoram a justiça e nem se atêm a ela.

(…)Este faz uma coisa que as pessoas geralmente não costumam fazer: ele sabe o que merece.

(…) ele vai receber-me, que estou a chegar, com uma hospitalidade de punhos!

Quando o supremo general não está junto de seu exército, faz-se mais rapidamente o que não tem utilidade ser feito do que o que é necessário ser feito

Na vida e no passar dos anos, não é coisa bem pequena o prazer em comparação com o que é desagradável? Assim foi programado cada aspecto da vida humana, assim é a vontade dos deuses: que a tristeza, tal como uma companheira, acompanhe o prazer;  se algo de bom cabe a alguém, isso não acontece sem que haja ali inconvenientes e mais males. Pois agora eu experimento isso pessoalmente e o sei por mim própria, a quem o prazer foi dado por pouco tempo; somente durante uma noite tive a possibilidade de ver meu marido. Mas repentinamente ele partiu daqui, para longe de mim, antes de amanhecer. Agora parece que estou sozinha aqui, porque ele, que eu amo acima de todos, está ausente daqui.  Obtive mais infelicidade com a partida de meu marido que prazer com sua chegada.

A virtude é uma excelente recompensa; a virtude é realmente superior a todas as coisas. Liberdade, segurança, vida, bens e antepassados, pátria e filhos são por ela protegidos, bem guardados. A virtude tem tudo em si; quem tem o controle de sua virtude tem todos os bens perto de si.

Com as palavras é que você é virtuosa!

Com o passar dos anos, muitas coisas acontecem para os homens deste modo: conseguem-se prazeres, conseguem-se depois misérias; sobrevêm discórdias, fazem depois as pazes.
Na verdade, tendo tais discórdias por acaso ocorrido, se as pessoas depois fazem as pazes, há entre elas duas vezes mais amor que antes!

 tradução do Anfitrião plautino Lilian Nunes da Costa
 Editora Mercado de Letras quanto a 
agência de fomento FAPESP 


Plauto- O Mercador

Todos estes vícios juntos costumam acompanhar o amor: cuidado, inquietação e excessiva elegância; essa, não atinge só quem ama, mas qualquer pessoa  e a castiga com sólida e duradoura preocupação; sem dúvida, ninguém se entregou à elegância sem grandes sofrimentos, além daqueles que já padece.
Mas, ao amor juntam-se também estes males, de que ainda não falei: a insónia, a atribulação, a indecisão e junto com isso, o terror e a fuga; a loucura, até a estupidez e o despropósito, a louca irreflexão, o excesso, a petulância e o desejo, a malevolência; ligam-se a isso, ainda, a cobiça, a desídia, a injustiça, a privação, a ofensa e a perda, o muito falar e o pouco falar: isto acontece porque o que não diz respeito a isso, ou sequer tem utilidade, o amante manifesta, às vezes, na hora inadequada.
Falo com poucas palavras por esta razão: porque nenhum amante é tão habilmente  eloquente, que possa falar o que existe em sua situação.


(…)o pai assim dizia:
“É para você que você ara, para você revolve a terra, para você semeia, da mesma forma é para você que você colherá, é para você enfim, que este trabalho gerará alegria”


Diga-me, por acaso em algum lugar, existe algum bem que se possa ou se  queira gozar, sem que venha acompanhado de um mal, ou que não dê trabalho?


Você castiga com carinho.


(…) meu pobre coração, que se consome gota a gota, como se dissolvesse o sal em água (…)


Depois que a vi morri de amores por ela, não como costumam amar os homens sensatos, mas como costumam amar os insensatos (…) na verdade, uma coisa eu já sei: estou perdido!


Quando se é velho, já não se sente nem se sabe; dizem que se costuma voltar a ser criança.


De.
(…)Mas será que eu ousaria falar com você com sinceridade?
Li.
Sim, com ousadia.
De.
Preste atenção!
 Li.
Estou a prestar.
De.
Hoje comecei a ir à escola primária. Já aprendi três letras, Lisímaco.
Li.
Que três letras?
De.
A-M-O.
Li.
Você ama com a cabeça branca, velho imprestável?
 De.
Se é branca, vermelha ou preta, eu amo.


Se vocês nunca viram, um dia, pintada, a figura de um apaixonado, ei-la aqui. Pois, na minha opinião, um velhinho, um ancião decrépito é igual a um quadro pintado numa parede.


Quando a dor vence a volúpia, o que é agradável?


É necessário que todos os sábios se ocupem primeiro com a coisa solicitada.


Ao calado, você ordena.


Está decidido, retomarei os costumes de antes e servirei a mim. Já é breve o tempo restante de vida: pois, eu me deleitarei com prazer, vinho e amor. Na verdade, é bastante justo alguém ter o bem nesta idade. Quando se é jovem, enquanto o sangue está novo, convém preocupar-se; com as coisas desejadas. Pois, enfim, quando se está já velho, então no ócio se assentar, enquanto é possível amar; isso já é lucro quando se está vivo.


(…) Acho que agora você fala de maneira sábia e não amorosamente.


Não sou eu, por acaso, um homem miserável, que em nenhum lugar pode ficar bem? Se estou em casa, meu espírito está fora, se estou fora, meu espírito está em casa. Pois o amor cria um incêndio no meu peito e no meu coração. Se as lágrimas dos olhos não a defendessem, minha cabeça já estaria ardendo em brasa. Conservo a esperança, perdi a saúde, se voltará ou não, não sei.


Falar muito é odioso, quando a coisa certa é agir.


Ca.
Que aparência diziam ter, Eutico?
Eu.
Eu direi a você: envelhecido, corcunda, barrigudo, com boca grande, pequeno, com olhos denegridos, mandíbulas oblongas, com pernas um pouco abertas.
 Ca.
Não é um homem, mas um tesouro de males que você menciona.



Está a mentir. Prontamente justifica.


 As pobres mulheres vivem sob uma lei dura e muito mais injusta do que os homens. Pois, se um marido, às escondidas de sua esposa, mantém uma prostituta, se a esposa descobre isso, o homem fica impune; uma esposa, se sai fora do lar às escondidas do marido, torna-se para o marido motivo para terminar o casamento.
Oxalá que a lei fosse a mesma para a esposa e o marido, pois a esposa que é boa contenta-se com um único marido; por que um homem não se contentaria com uma só esposa?
Se os homens fossem castigados da mesma forma, se algum mantivesse uma prostituta, às escondidas da esposa, da mesma forma que elas são repudiadas se cometem a falta, mais maridos estariam sem cônjuge do que as esposas agora.


Aqueles que são de boa família, se têm má índole, por sua própria culpa colhem o dano, e por sua índole desmentem a família.


Da mesma forma, como as estações do ano, em cada idade convém uma atitude.







Plauto- O Truculento (O Brutamontes)

Aqui mora uma mulher chamada Fronésio. Ela possui em si os costumes deste nosso tempo: nunca reclama aos seus amantes o que estes já lhe deram, mas, quanto ao que lhes resta, esforça-se por que nada lhes reste, pedindo e arrebanhando, como é costume das mulheres. Na verdade todas procedem assim, quando sentem que são amadas.


Uma vida inteira não é suficiente para um amante aprender satisfatoriamente, se é que o aprende, de quantos modos pode arruinar-se. E nunca a própria Vénus, sob cujo poder estão os mais importantes assuntos dos amantes, fará essa conta: de quantas formas o amante pode ser enganado, de quantos modos pode ser arruinado, com quantas súplicas pode ser amaciado.
Quantas lisonjas aí há, quantas birras aí há! Quanta sobranceria!  Ó deuses, a vossa bondade, ai! 
Quanto tem que se perder, já sem contar com as prendas. Em primeiro lugar, o sustento de um ano: esse é o primeiro golpe. Em troca dele, concedem-se três noites ao amante. De permeio,  fala-se ou num altar, ou em vinho, ou em azeite, ou em trigo. Está a sondar se és generoso ou agarrado aos teus bens. Tal como o pescador que lança a rede para o viveiro — logo que a rede vai ao fundo, puxa a linha e, se o peixe tiver entrado na rede, trata de não o deixar escapar cercando o peixe com a rede por todos os lados até o tirar para fora —, assim sucede com o amante. Se ele dá o que lhe é pedido e é mais generoso do que agarrado aos seus bens, concedem-se-lhe mais algumas noites; durante esse tempo ele morde o isco. Mal ele experimentou uma taça de amor puro e essa bebida penetrou até às suas entranhas, imediatamente se arruinou a si próprio, aos seus bens e à sua reputação.
Se acaso uma puta se irrita com o amante, o amante arruína-se duplamente: nos seus bens e ao mesmo tempo no coração.
Se, pelo contrário, um se entrega ao outro, também fica arruinado: se obtém poucas noites, sofre no seu coração; se se torna mais assíduo, sente-se feliz por si próprio, mas os bens arruínam-se.
É assim nas casas de lenocínio. Ainda lhe não deste um único presente, ela já está a pedir-te um cento: ou foi uma jóia de ouro que desapareceu, ou uma mantilha que se rasgou, ou comprou uma serva ou algum vaso de prata, ou um vaso de bronze, ou algum leito de pedra, ou uns pequenos armários gregos ou ... há sempre qualquer coisa,  de perda que o amante deve à sua puta.
E, enquanto arruinamos os nossos bens, a nossa reputação e a nós próprios, nós ocultamos isso, em segredo, com o maior cuidado, não venham os nossos pais e os nossos familiares a sabê-lo.
Se, em vez de nos escondermos, nos confiássemos a eles, para que a tempo refreassem a nossa juventude, a fim de entregarmos a herdeiros futuros os bens herdados dos nossos antepassados, eu suponho que haveria, aqui muito menos, chulos e putas e menos homens gastadores do que existem presentemente.
De facto, hoje em dia há quase mais chulos e putas do que moscas em plena canícula. Com efeito, como se não houvesse outro lugar, o número de putas e chulos que acampam todos os dias em volta das mesas dos banqueiros é incalculável. Pois estou seguro de que há lá, agora, mais putas do que pesos de balanças. Eu não sei dizer com que finalidade eles permanecem junto dos banqueiros, a não ser para servir de tabuinhas onde se fazem os registos dos dinheiros relativos a juros — refiro-me aos dinheiros recebidos, não vá alguém pensar em dinheiros gastos.


(…) num grande povo implica distinções: meretrix ‘meretriz, cortesã, puta fina’, scortum ‘rameira, puta’ ...

Quanto a mim, (mostrando a casa de Fronésio) aqui esta meretriz que tem Fronésio como nome próprio, expulsou do meu espírito, por completo, a querida Sabedoria.
É que phronesis em grego significa “sabedoria”. Na verdade, eu confesso que fui o seu amante favorito e íntimo, o que é muitíssimo mau para a fortuna de um amante. Ela, depois que encontrou um outro que lhe dava mais, mais gastador, logo me tirou daí e colocou nesse lugar aquele que ela, anteriormente, na sua malvadez, dizia que lhe era odioso: um soldado de Babilónia!


Astáfio (criada)
Parece-me que és um homem desocupado demais.
Diniarco
Porque tens essa impressão?
Astáfio
Porque, vestido e alimentado à tua custa, te ocupas de assuntos alheios.
Diniarco
Vocês meretrizes é que me causaram a desocupação.
Astáfio
Como é isso, por favor?!
Diniarco
Eu vou explicar. Arruinei os meus bens em vossa casa. Vocês afastaram-me da minha ocupação. Se eu tivesse conservado os meus bens, tinha em que estar ocupado.
Astáfio
Acaso pretendes tu poder arrematar o domínio público de Vénus ou do Amor com outra condição que não a de ficares desocupado?
(…)
Astáfio
Quem acusa outrem de desonra, deve ele mesmo estar livre de mancha. Tu, que és espertalhão, de nosso nada tens! Nós, umas nulidades, temos tudo de ti.
(…)
Astáfio
Conhece-se um homem enquanto ele está vivo. Logo que morre, paz à sua alma! Quando tu estavas vivo, eu conhecia-te.
Diniarco
Julgas, porventura, que eu estou morto?
Astáfio
Diz-me, acaso poderia estar mais claro? Tu que anteriormente eras considerado como o amante mais importante, agora não tens para oferecer à tua querida mais do que lamentos.
Diniarco
Aconteceu por culpa vossa, que tanta pressa tínheis então! Deviam ter-me depenado lentamente, para eu continuar em bom estado para vós, durante muito tempo.
Astáfio
Um amante é tal e qual uma fortaleza inimiga.
Diniarco
Em que argumento te baseias?
Astáfio
Quanto mais depressa puder ser conquistado, tanto melhor isso é para a amante.
Diniarco
Tenho de concordar. Mas um amigo é muito diferente de um amante. Por Hércules, quanto mais antigo é um amigo, tanto melhor ele é, certamente! Por Hércules, eu ainda não estou completamente morto! Ainda tenho terras e uma casa.
Astáfio (mudando repentinamente de tom)
Então, diz lá, porque é que estás especado diante da porta como um desconhecido e um estrangeiro? Vá, entra! Na verdade tu não és um estranho! Com efeito, ela hoje não vai amar ninguém mais do que a ti, no seu coração e na sua alma, se realmente tu possuis terras e uma casa!
Diniarco
As vossas línguas e palavras estão encharcadas de mel, mas os vossos actos e corações estão encharcados de fel e de vinagre azedo. Assim, com a língua pronunciais palavras doces, mas com o coração tornai-las amargas.
 Astáfio
 [Se os amantes não escorregam com alguma coisa, é porque eu não aprendi a arte de falar.] Não é a ti que convém falar assim, ó meu bem, mas sim àqueles que, por serem sovinas, estão em guerra com as suas próprias inclinações.
Diniarco
 Tu és manhosa e a mesma sedutora do costume.
Astáfio
Finalmente chegaste do estrangeiro, ó tão desejado! Na verdade, ó céus, a minha ama ansiava tanto ver-te.
Diniarco
Então porquê?
Astáfio
Dentre todos, és o único a quem ela ama.
Diniarco
Bravo, minhas terras e minha casa, vós viestes em meu socorro no momento oportuno! Mas dizes-me uma coisa, Astáfio?
Astáfio
Que queres saber?
Diniarco
Fronésio (puta) está agora aí dentro?
Astáfio
Para os outros não sei, seguramente que para ti está lá dentro.
Diniarco
Ela tem passado bem?
Astáfio
Espero que venha a passar ainda melhor quando te vir!
Diniarco
Este é o nosso maior defeito: quando nos apaixonamos, logo nos perdemos. Se dizem o que nós desejamos ouvir, ainda que mintam abertamente, nós, estúpidos, acreditamos que é verdade, em vez de nos irritarmos <com toda a razão>.
Astáfio
Ei! Isso não é verdade.
Diniarco
Então dizes tu que ela me ama?
Astáfio
Tu és mesmo o seu único amor.
(…)
Astáfio
(só e estalando a rir) Ah! Ah! Ah! Estou descansada, pois o meu pegamasso já foi lá para dentro. Finalmente estou sozinha. Agora de facto posso dizer livremente, à minha vontade, o que quiser e o que me der na real gana. (indicando a porta da casa da sua ama, pela qual acaba de entrar Diniarco)
Em honra deste amante, entoou a minha ama em nossa casa um canto fúnebre pelos seus bens. De facto, as suas terras e a sua casa foram hipotecadas pela possessão do Amor. Entretanto a minha ama revela-lhe à vontade os seus planos mais importantes e este é, para ela, muito mais um amigo conselheiro do que fornecedor de dinheiro.
Enquanto ele teve, deu! Agora não tem nada, mesmo! O que ele tinha, temo-lo nós e ele tem o que nós tivemos. Ocorreu um acontecimento tipicamente humano. A fortuna costuma mudar-se rapidamente. A vida é um mar de vicissitudes. Nós lembramo-nos de que este foi rico e ele lembra-se de que nós fomos pobres. As lembranças inverteram-se.
Estúpido seja quem se admirar com isso! Se ele está necessitado, é forçoso que o consintamos. Ele apaixonou-se, aconteceu-lhe o que é justo. É um sacrilégio compadecermo-nos dos homens que administram mal os seus bens.
É mister que uma alcoviteira de gema tenha bons dentes, que sorria e fale meigamente a quem quer que lhe apareça, que rumine o mal no seu coração, que fale por palavras agradáveis.
Convém que uma meretriz seja semelhante às silvas: a qualquer homem que ela tocar, deve causarlhe mal ou dano total. Convém que uma meretriz nunca conheça as razões do seu amante. Que, quando ele nada pagar, o mande para casa como um soldado pouco aplicado.
Nunca ninguém será um bom amante a não ser aquele que é inimigo dos seus próprios bens2. Enquanto tiver, então ame. Quando não tiver nada, inicie outra profissão. Se ele nada tiver, dê com resignação o seu lugar aos outros que têm.
É perda de tempo, se depois de ter dado, não tiver prazer em dar de novo. Aqui em nossa casa ama-se aquele que, depois de ter dado, se esqueceu que deu. Bom amante é aquele que, desprezando tudo o resto, arruína os seus bens.
Todavia os homens proclamam que nós costumamos proceder mal com eles e que somos avarentas! E porque o somos? Afinal, o que é que nós fazemos de mal? Na verdade, nunca nenhum amante deu o bastante à sua querida, e nem nós recebemos o suficiente! E também nunca nenhuma pediu o suficiente! De facto, quando um amante vem de mãos a abanar, se ele diz que não tem nada para nos dar, nós acreditamos piamente nele e não cobramos demasiado, uma vez que ele não tem bastante para dar.
A nossa obrigação é procurar continuamente clientes frescos que tenham realmente as suas arcas a abarrotar de presentes…



É mesmo uma vergonha esta caterva de macacas. Vieste aqui para te pavoneares com o teu esqueleto aperaltado, por teres o teu manto da cor da lama, ó desavergonhada? Ou julgas que és uma beldade, assim, com os braceletes de bronze que te ofereceram?!


Tocar-te, eu?! Pela minha enxada, eu preferiria abraçar-me no campo a uma vaca de longos cornos e passar com ela a noite inteira na sua cama de palha, a serem-me dadas de presente cem noites contigo, mesmo com uma jantarada! Tu lanças-me à cara a parvónia. (com ironia) Pois encontraste um homem que se envergonha dessa desfeita!


Se tu me parecesses estar em teu juízo, sempre te diria: “Estás a injuriar-me” (ironia)


O mal que uma mulher começou a fazer, se não o acaba de fazer, isso causa-lhe doença, isso causa-lhe mal-estar, essa desgraça causa-lhe desgraça. Se uma começou a fazer o bem, a verdade é que rapidamente se enche de aversão contra isso. Demasiado poucas são as mulheres que se cansam do mal que começaram a fazer e excessivamente poucas são aquelas que acabam de fazer o bem que começaram a fazer. Para uma mulher, fazer o mal é uma acção extraordinariamente melhor do que fazer o bem.



Não espereis, ó espectadores, que eu venha proclamar as minhas façanhas! Costumo proclamar as minhas proezas com os braços, não com palavreado.
Eu sei que muitos soldados contaram patranhas e é possível recordar não só o imitador de Homero como até mil outros depois dele, que foram refutados e condenados por contarem falsas batalhas.
[Não se deve elogiar aquele no qual acredita mais o que o ouve do que  o que o vê]. Não me agrada aquele a quem mais louvam os que o ouvem do que os que o vêem. Uma só testemunha ocular vale mais do que dez testemunhas de ouvido. Os que ouvem, contam o que ouviram; os que vêem, sabem com certeza. Não me agrada aquele a quem os papalvos elogiam, mas de quem os soldados do manípulo falam entre dentes, nem aqueles cuja língua torna rombo o gume das espadas, quando estão em casa.
Os corajosos são muito mais úteis ao povo do que os hábeis em parlapatice.
A bravura encontra facilmente uma eloquência parlapatona: pela minha parte, considero palrador, mas sem bravura, como uma carpideira, o cidadão que é capaz de fazer grandes elogios aos outros, mas não é capaz de se elogiar a si próprio.


Estratófanes (soldado)
Fronésio já deu à luz?
Astáfio (criada)
Deu à luz um menino extremamente encantador.
Estratófanes
(empertigando-se) Ena! Por acaso é parecido comigo?
Astáfio
Ainda pergunta? Como não, se, logo ao nascer, exigia uma espada e um escudo?
Estratófanes
É meu filho. Percebe-se logo pelas provas.
Astáfio
É parecido  a mais não poder!
 Estratófanes Eh pá! Bravo! Já é grande? Já se alistou numa legião? Trouxe alguns despojos?
 Astáfio
Patrão, mas ele nasceu há exactamente cinco dias!
Estratófanes
E depois? Por Hércules, em tantos dias já podia ter praticado exactamente alguma façanha! Porque saiu ele da barriga da mãe, antes de poder ir para a guerra?



(…) há em nossa casa um apaixonado que faz as piores acções, que considera os seus bens como lixo e manda levá-los para fora de casa. Tem medo, perante a opinião pública, de não parecer muito asseado. Ele quer que a sua casa esteja limpa: tudo o que ele tem em casa é varrido para o prostíbulo.
Uma vez que ele próprio caminha para a perdição, por Hércules, eu vou ajudá-lo sem dar nas vistas! Jamais, por minha intervenção, ele se arruinará menos rapidamente do que é possível. Com efeito, da mina para estas provisões, já eu fiz um abatimento. Tirei para mim cinco moedas, a parte de Hércules. É exactamente como quem que desvia para seu proveito a água de um rio. Se não a desviasse, toda essa água iria de qualquer modo para o mar: de facto, isto (apontando para as malas que os escravos levam) vai para o mar e perde-se miseravelmente sem qualquer benefício. Ao ver isto a acontecer, eu roubo às escondidas, eu abafo. Da presa, arrebanho a presa.
Eu sou da opinião que uma meretriz é tal qual o mar. Devora o que lhe deres e nunca transborda de presentes. Mas o mar ao menos guarda o que recebeu.  
Comigo guarda-se, aparece. Dês quanto deres a uma cortesã, em parte nenhuma aparece, nem para o que dá nem para a que recebe.


Palavra de honra! Afirmas que eu sou desavergonhado, logo tu que és um covil de dissolução em pessoa?


Estou salvo, porque me perco! Se eu não me perdesse, perder-me-ia completamente.


Eu preferia que os meus inimigos me invejassem a invejá-los eu. Na verdade, teres inveja dos outros que estão bem, quando tu estás mal, é uma desgraça. Os que têm inveja, é porque estão na ruína. Aqueles de quem se inveja, esses têm bens.


Diniarco
 Estou aqui, Cálicles. Peço pelos teus joelhos que tu julgues com sensatez isto que foi feito insensatamente e que me perdoes o que fiz. É que então eu não era senhor de mim, por culpa do vinho.
Cálicles
Isto não me está a agradar. Tu atribuis a culpa a um mudo, que não pode falar. Ora se o vinho pudesse falar, defender-se-ia. O vinho não costuma dominar os homens, os homens é que costumam dominar o vinho, pelo menos os que são honestos. Porém, o que é desonesto, quer beba, quer se abstenha desse licor, é todavia desonesto por natureza.



(…) pensa quão sábio animal é o ratinho, que não confia a sua existência a um buraco apenas, porque se uma entrada for bloqueada,  fica com outra escapatória .


Para proveito próprio, todas as pessoas são espertas e não se fazem esquisitas.




quinta-feira, 27 de junho de 2013

Aristófanes- A Paz

(…)Mais! Mais! Peça a um pederasta! O escaravelho disse que gosta do bolo bem espremido.

Digam-me, quem souber, onde eu posso comprar um nariz sem buracos. Não conheço trabalho mais horroroso que este de espremer comida para um escaravelho. Um porco ou um cachorro engolem sem luxinhos os nossos excrementos mas esse bicho aí se faz de delambido e não quer comer a não ser que eu tenha passado o dia todo a amassar os bocados, como se fosse uma mulherzinha muito delicada!

Coma! Empanturre-se de comida até estourar! Com que gana esse bicho maldito devora a comida! Ele mexe o queixo sem parar, como um lutador mexe com os braços. Mexe as cabeças e as patas como um fabricante de cordas para barcos. Bicho feio, fedorento e guloso! A que deus ele é consagrado? Não tenho certeza, mas penso que não há de ser a Afrodite nem às Graças.

“…Para quê esse escaravelho?” E um vizinho dele responde: “Se não me engano, aquele político sujo anda metido nisso; dizem que ele comia imundície”… E eu vou explicar o caso às crianças, aos homenzinhos, aos homens feitos, aos homens desfeitos, aos que já viveram demais.



Trigeu
Onde está a Paz?
Hermes
A Guerra trancafiou a infeliz numa caverna profunda.
Trigeu
Em que caverna?
Hermes
Naquela ali em baixo. Você está a ver quanta pedra ela amontoou na entrada para impedir vocês de reconquistá-la?
Trigeu
E você sabe o que a Guerra vai fazer conosco?
Hermes
Só sei uma coisa: ontem de noite ela pôs lá dentro uma enormidade de pilão.
Trigeu
E o que é que ela vai fazer com esse pilão?
Hermes
Ela pretende reduzir as cidades a pó.


Marchem todos por aqui fogosamente, diretos à liberdade! Ajudemo-nos uns aos outros, gregos de toda a parte, agora ou nunca! Chega de campos de batalha! Chega de uniformes militares! Acaba de raiar o dia luminoso de que traficantes de guerra não vão gostar!


Hermes
Libação! Libação! Concentrem-se! Concentrem-se! Fazendo esta libação, vamos rezar para que este dia seja para todos os gregos o início de um bocado de coisas boas e para os que pegarem nestas cordas com o coração cheio de boa vontade nunca mais tornem a pegar em armas!
Trigeu (bebendo)
E que se possa levar a vida no seio da paz, com uma boa amiga, remexendo brasas...
Hermes (bebendo)
Quanto aos que preferirem a guerra, que nunca parem...
Trigeu (bebendo) ... de arrancar pontas de flechas dos cotovelos.
Hermes (bebendo)
E se alguém, com vontade de comandar batalhões, se opuser a que você volte a reinar entre os homens, soberana Paz, que nas batalhas...
Trigeu (bebendo)
 ... tenha de lançar as armas fora para fugir mais depressa.
Hermes (bebendo)
E se um fabricante de lanças ou um vendedor de escudos desejar que haja guerra para ganhar mais dinheiro...
Trigeu (bebendo) ... que seja assaltado por bandidos e só fique com umas migalhas para comer!
Hermes (bebendo) E se alguém, com vontade de ser general, não quiser nos ajudar, ou desertar como um escravo...
Trigeu (bebendo) ... que seja amarrado numa roda e esfolado a chicotadas!
Hermes (bebendo)
E a nós que só aconteçam coisas boas! Hipe, urra! Hipe, urra!
Trigeu (bebendo) Tire esse “urra”, que faz pensar em surra, e diga só “hipe”.
Hermes (bebendo) Então, hipe! Hipe! (Ouviu? Eu disse só hipe.)
Trigeu (bebendo) A Hermes, às Graças, à Abundância, à deusa do amor, ao Desejo!
Hermes (já meio embriagado) Mas ao deus da guerra, não!
Trigeu (bebendo) Não!
Hermes (bebendo)
Nem aos deus da carnificina!
Trigeu (bebendo) Não!



(… solta a Paz)
Hermes
(…)E aqueles ali, os espectadores? Olha a cara deles e veja se descobre a profissão de cada um!
Trigeu
Que tristeza!
Hermes
Aquele ali, por exemplo, o fabricante de penachos para capacetes: você está a ver como ele arranca os cabelos?
Trigeu
Sim, mas o fabricante de enxadas soltou o maior peido no nariz do fabricante de espadas, aquele ali atrás.
Hermes
E você está vendo como o fabricante de foices de colheita de cereais está alegre?
Trigeu
E como ela dá milho ao fabricante de lanças?
Hermes
Agora comunique aos lavradores que eles devem voltar.
Trigeu
Ouçam todos: que os lavradores voltem com suas ferramentas e se dirijam sem demora para o campo, sem lança, nem espada, nem dardo, pois a boa Paz de antigamente está de novo aqui conosco! Vamos! Volte cada um a trabalhar no campo após cantar uma canção alegre!
Corifeu
O dia tão esperado pelos homens de bem e pelos lavradores! Feliz haver-te visto, quero saudar minhas parreiras e figueiras, que plantei na mocidade. Há muito tempo suspiro por abraçá-las!


Viva! Viva! Como estamos alegres com a sua vinda, Paz muito querida! Eu estava tarado de desejos por você; um impulso sobre-humano me impelia a voltar para o campo. Você era a causa da abundância para todos nós que vivíamos da terra, Paz muito desejada! Só você nos ajudava. Que doces prazeres tínhamos antes, graças a você, gratuitos e bem gozados! Você era para a gente do campo o doce mais saboroso e a salvação. As parreiras e as figueiras novas e todas as outras plantas também receberão você com um sorriso alegre.


Vocês lá de cima pareciam tão insignificantes! Olhando lá do céu vocês pareciam ruins mesmo, mas próximo eu vejo que vocês são ainda piores.

Vão ficar com muita inveja de você, velhinho, quando você aparecer todo perfumado, como um broto.

(A Alegria despe-se; quando fica nua, Trigeu a conduz até a entrada do compartimento reservado aos senadores.)
Trigeu
Senado! Senadores! Contemplem a Alegria! Vejam quanta coisa boa eu trago para vocês! De saída, vocês podem levantar as pernas dela e iniciar o “sacrifício”. Olhem que “forno”!
Criado
Como ela é bonita! Agora eu compreendo porque é que ela tem aquela mancha preta! É a fumaça do forno! Antes da guerra os senadores fritavam bolinhos ali!

Trigeu
Agora que ela é de vocês, podem organizar a partir de amanhã uma sessão deliciosa, com uma luta vale-tudo; podem virá-la de costas, botá-la de joelhos, aplicar uns golpes bem lubrificados, trabalhar com as mãos e com os paus. No dia seguinte, depois de tudo isso, vocês podem fazer uma competição hípica, montando e desmontando, caindo e trepando. Quem não aguentar a virada vai ficar todo esfolado! Vamos, senadores! Recebam a Alegria!
(Vejam com que “eficiência” aquele senador recebe a Alegria! Você não agiria com essa rapidez se fosse preciso apresentar algum projeto sem compensação; você entraria em recesso...)


Se algum músico desses que levam a vida na flauta vir vocês aí, vai-se aproximar e vai querer tocar sem ser convidado; e se vocês virem a cara de sofrimento que ele faz quando toca, vão deixar que ele tome parte na festa.

Venerada Paz recebe nosso sacrifício, deusa digníssima, e não faças como as mulheres que negoceiam com os amantes; elas entreabrem a porta e se debruçam; se algum homem fica de olho elas cruzam as pernas; se vai embora, elas se debruçam de novo. Não faças nada disso conosco!

(…)Tinha que ser! Você não podia deixar de ser filho de um desses gaiatos que fazem tudo para haver guerra e que depois são os primeiros a gemer por causa dela…






quinta-feira, 20 de junho de 2013

Aristófanes- As nuvens



Estrepsíades:
 (apontando para outros alunos, que estão completamente curvados.)
Mas aqueles além, curvados
Quase que até ao chão, o que eles fazem?

Estudante:
São alunos de escol.
Pesquisam o Hades.

Estrepsíades:
 Mas... e os traseiros para o céu voltados?

Estudante:
 Da astronomia são principiantes.



Estrepsíades:
Suponho, realmente, que é melhor
Tu zombares dos deuses lá em cima,
Trepado nesse cesto, do que estares
Aqui em baixo, neste duro chão.

Sócrates:
Essa também é a minha opinião.
Suspenso, como estou, no ar etéreo,
Com ele misturando facilmente
Meu douto pensamento, de Natura
Posso explorar o íntimo mistério,
Mais perto assim do fabuloso Empíreo.
Se aí, no baixo solo, as pesquisas
Da alta ciência eu prosseguir tentasse,
Em vão seria, eu tentaria em vão:
Do nosso pensamento a terra suga
A essência subtil e deixa a grossa.
(como que refletindo)
É o mesmo que acontece com o agrião.



Sócrates:
O que queres saber?

Estrepsíades
Eu quero, Mestre,
Teu curso de oratória e de eloquência
Seguir, pra discutir com meus credores.
Em verdade os credores se tornaram
Absolutamente insuportáveis.
Importunam, perseguem. Uns miseráveis!
O pior é que me estão a ameaçar
De tomar os meus bens. E pouco falta
Que de fato o consigam.



Sócrates
(aspergindo Estrepsíades da cabeça aos pés com a farinha ritual)
Renascerás, senhor, como perfeita
Flor da oratória, como um consumado
Tratante, palavroso e descarado.



Sócrates
São as nuvens, que são deusas
Dos homens de valor filosofal.
Elas nos asseguram o repertório
Do talento verbal e da eloquência,
Da graça, do arranzel, do casuísmo,
Da prova em profusão, do circunlóquio...

Estrepsíades
Deve ser então que por isso me sinto
Como que carregado para o alto,
Flutuando no ar de tão inflado
Com todo o sopro da filosofia,
Envolto numa espécie de lanugem,
Verbal tatuagem que me faz sentir
A sensação de uma inchação etérea.
Como se eu fosse um saco de palavras,
Repleto de argumentos e razões,
Cada qual mais aéreo.


Corifaio
Salve, ó tu, superidoso homem,
Cão amestrado da cultura, salve!



Sócrates
(…) Apenas eu pretendo
Fazer-te umas perguntas. Em primeiro
Lugar, responde: Tens boa memória?

 Estrepsíades
Isso depende. Se alguém me deve,
Eu não me esqueço, de maneira alguma.
Se eu devo a alguém, contudo, o caso é outro:
Não consigo lembrar, por mais que queira.



Quero-o capaz de rir-se da verdade.



Filosofia:
Vamos, vamos,
Penosa Impertinência,
E diante assim do respeitável público,
Faze uma respeitosa reverência.
Gostas de pimponar.
Está na hora.

Sofisma:
Está mesmo na hora,
Massa Informe,
Quanto maior a multidão, maior
O prazer de poder, diante dela,
Te refutar.


Filosofia:
Tem graça. Refutar-me!
Quem pensas que tu és?

Sofisma:
Sou uma Lógica.

Filosofia:
Tu, uma Lógica, vil Loquacidade?
Palavrório vazio!

Sofisma:
Não me importo
Ser chamado de Sofisma.
Eu te liquido.
Vou refutar-te.

Filosofia:
Com o que não é convencional, e ainda
Com o ultramodernismo, e assim também
Com ideias de todo heterodoxas.

Filosofia
Essa moda que ora predomina
Devemos a essa corja de imbecis...

Sofisma
Imbecis?
Cavalheiros requintados.

Filosofia
Eu te invalidarei.

Sofisma
Invalidar-me?
Que estás a pensar, seu defunto andante?

Filosofia
Meus argumentos são, convém saber,
A Verdade e a Justiça.

Sofisma
Eu te desarmo.
E te derroto, com Justiça e tudo.
Não existe a Justiça.

Filosofia
Não existe?
Tem graça!

Sofisma
Então, mostra-me onde ela está.

Filosofia
Onde está a Justiça?
Muito fácil: No regaço dos deuses.

Sofisma
No regaço Dos deuses?
Então podes me explicar
Como Zeus escapou da punição,
Depois de ter prendido o próprio pai?
A incoerência é clara como a água.

Filosofia
Tagarela asqueroso! Tu me enojas!

Sofisma
Decrépito! Senil! Velho caduco!

Filosofia
Pederasta precoce! Pervertido!

Sofisma
Pode atirar-me roas e mancheias.

Filosofia
Ó cogumelo vil! Ó vil latrina!

Sofisma
Com uma coroa de viçosos lírios
A minha fronte cinge.

Filosofia
Parricida!

Sofisma
Uma chuva de ouro sobre mim Faze cair.
Não vês que eu me deleito
Com os teus insultos?

Filosofia
Deleitas-te, monstro?
Em meu tempo, eu teria-te cingido
De vergonha.

Sofisma
Porém hás de convir
Que hoje as coisas mudaram.
O que era errado no teu tempo,
É o certo e a moda agora.

Filosofia
Fedelho repulsivo!

Sofisma
Vil pedante!

Filosofia
Por tua culpa só e tão-somente
As escolas de Atenas estão vazias.
 E por isso, ociosa e pervertida,
Toda uma geração nas ruas vaga.
Escuta o que te digo: no futuro
Saberá a cidade o que fizeste:
Os seus filhos viris tu os tornaste
Tolos e efeminados.

Sofisma
Idiota!

Filosofia
Enquanto isso, por tua vez, viraste
Um peralvilho muito presunçoso,
Mas recordo-me bem de teu começo
Humilde e triste, em que representavas
Bem igual a Telefos, embrulhado
No trapo e no farrapo euripidiano.

Sofisma
Quanta sabedoria havia ali!

Filosofia
 E que prodígio de loucura aqui!
Tua loucura, e, mais louca que tu,
Esta cidade, pois só louca pode
Permitir que tu vivas, miserável,
Corruptor de sua juventude!

Sofisma
(lançando uma asa em torno de Feidipides)
Fica sabendo, seu
Defunto Vivo,
Que a este aluno jamais ensinarás.

Filosofia
(puxando Feidipides para trás)
Hei de ser o seu Mestre, a menos que
Se dedique à carreira da sandice.

Sofisma
Vá esperando. Vem comigo, jovem.

Filosofia
Para a desgraça caminhar?

Corifaios
(intervindo)
Senhores! Chega de altercações e de injúrias.
Que cada um, por sua vez, exponha
Seus argumentos. Tu, Escola Antiga,
Descreve, com clareza e cortesia,
Como ensinaste os homens do passado,
E tu descreve a Nova Educação.

Filosofia
Apoio essa proposta.

Sofisma
E eu também.

Corifaios
Muito bem. Qual dos dois fala primeiro?

Sofisma
Que ele comece. Ficarei ouvindo.
Depois, porém, que ela tiver falado,
Lançarei sobre ela esmagadora
Concentração do Pensamento Novo
E dos Pontos de Vista Derradeiros,
Que vão deixá-la sem poder falar.

Coro
Com atenção ouçamos.
Afinal A Grande Discussão vai começar.
Entre os dois decididos campeões
Quem vai ganhar ninguém pode saber.
Ambos são hábeis, destros e subtis,
Mestres no ataque e na defesa, mestres
No insulto soez e na agressão.
Do pleito o prémio é a Sabedoria.
Da perícia dos dois contendores
O destino depende inteiramente
Do idioma e da mentalidade,
Da educação, enfim, de toda Atenas.

Corifaios
Tem a palavra a Filosofia.
Fala, portanto, ó tu, que conferiste
A virtude às antigas gerações.
Fala com confiança, e  explica-nos
O que na realidade representas.

Filosofia
Quero falar da Educação Antiga,
E como floresceu nos velhos tempos
Dirigida por mim. A Honestidade
Sem atavios, a Linguagem Clara
E a Verdade eram honradas, praticadas.
E em todas as escolas de Atenas
Se seguia o regime dos três DD:
Disciplina, Decoro e Dever.
O programa era a Música e a Ginástica,
Ensinadas de acordo com o ditado:
“As crianças são vistas, não ouvidas”.
Este era o princípio cardeal.
Os alunos, em grupos divididos,
Conforme a região de onde vinham,
Em esquadras marchavam para a escola
Disciplinados e silenciosos.
E eram jovens bem fortes, resistentes.
Mesmo em manhãs de inverno, quando a neve
Caía, a sua única proteção
Contra o rigor do tempo era uma túnica
Muito leve e bem fina. E nas salas
De aula eram os alunos colocados
Em filas e de pé, e muitos atentos
Escutavam as lições e as repetiam
Muitas vezes, de cor, seguidamente.
A própria música era tradicional:
Entoavam-se, então, hinos e cânticos
Bem conhecidos, como, por exemplo,
O que começa: “Uma voz vem de longe”
Ou “Salve, Palas ultriz” e outros cantos
De uma simplicidade que encantava.
Brincadeiras na aula eram severa
E decididamente proibidas.
Aqueles que quisessem improvisar
Ou usar os torneios e trinados
Então em voga na degenerada
E efeminada escola de Frinis,
Eram severamente castigados
Por ultrajarem as Musas.
No ginásio,
Também todo o decoro era exigido.
Nus em pelo os alunos reunidos
Pudicamente as pernas estendiam
Para frente, dos olhos curiosos
Escondendo a nudez.
Tão recatados
Eram os jovens então, que sempre tinham
O cuidado de bem limpo deixarem
O lugar onde se tinham sentado,
Para que acaso o traço sobre a areia
Por suas próprias nádegas deixado
Chegar não fosse a provocar desejos.
Era proibido ungir com óleo o corpo
Para cima do umbigo, e, em consequência,
O órgão genital era mantido
Com toda a exuberância juvenil.
Para os amantes o comportamento
De todos eles era bem viril.
Não eram vistos em pares aos cochichos,
Nem soltando gritinhos nem olhares
Provocantes lançarem, requebrando.
Na mesa, a educação e a cortesia
Eram cumpridas rigorosamente.
Nenhum jovem jamais se atreveria
A salada sequer provar, sem antes
Terem sido servidos os adultos.
Comida temperada era proibida.
Proibido também dar gargalhadas
Ou as pernas cruzar...


Sofisma
Quanta estupidez!

Filosofia
Estupidez? Esses preceitos produziram
Os heróis que venceram a Maratona.
(ao Sofisma)
E tu o que ensinas? A modéstia?
Apenas a vaidade e a frouxidão.
A beleza do corpo nu oculta
Por pesadas e feias vestimentas,
Pouco viris também. Fico enojado
 Se nas Panetenéias vejo os jovens
Dançarem do seu corpo envergonhados.
Esquecendo, de fato, o seu dever
Para com os nossos deuses, quando atrás
Dos seus escudos a nudez escondem.  
(A Feidipides)
Eu te convoco, jovem. Vira as costas
À atração do vício, às artimanhas
Dos tribunais e à fácil, preguiçosa
Corrupção dos banhos. Ao contrário
Escolhe a Antiga Educação, baseada
Na sã Filosofia. Jovem, segue-me
E dos meus lábios, sem temor, aprende
As virtudes do homem: a mente sã,
A decência e a inocência que não vão
Permitir que do mal te aproximes.
Que te sintas furioso, indignado,
Quando a tua honra sentes ultrajada.
Para com os mais velhos, deferência;
Respeitar pai e mãe; manter intacta
A imagem de modéstia assaz viril
Que servirá de guia em tua vida.
Sê puro, evita os sórdidos bordéis,
O amor prostituído, que corrompe
Teu caráter viril, e que rebaixa
Tua reputação. Para teu pai
Mostres sempre total obediência.
Respeita o fim da vida de quem antes
Te criou, te tratou, quando mais moço.
Jamais o chames de velho ou caduco...

Sofisma
 Meu jovem, se seguires tais conselhos,
Acabarás ficando efeminado

Filosofia
Muito ao contrário disso, eu te prometo,
Não discussões estéreis, não pendências
Judiciais repletas de chicana,
E sim lutas atléticas, viris,
Disputadas por jovens musculosos
Repletos de vigor e de saúde.
Parece-me ver-te agora, em um idílio
Com outro jovem de tua mesma idade,
Tão modesto e viril como tu mesmo,
Caminhando talvez na Academia,
Ou entre os olivais, ambos coroados
De pâmpano e respirando o ar sadio
Da primavera, a súbita fragrância
Do início da estação. Portanto, ó jovem,
Segue os meus passos e conquistarás
A perfeição do físico, a saber
(Demonstrando cada tributo individualmente)
FORMA, Estupenda.
CÚTIS, Magnífica.
OMBROS, Gigantes.
LÍNGUA, Bem Pequena.
NÁDEGAS, Robustas.
PÉNIS, Discreto.
Se seguires, porém, a outra parte,
É esta a recompensa que terás:
FORMA, Efeminada.
CÚTIS, Macilenta.
OMBROS, Caídos.
LÍNGUA, Enorme.
NÁDEGAS, Molengas.
PÉNIS, Desprezível!
Mas é verdade que terás também
Muitos e dedicados partidários.
E o que é pior, irás acostumar-te
A zombar da moral, não distinguindo
O bem do mal e o mal do bem. Em suma
Coberto ficarás de vilania,
Indecência, desonra e perversão.

Coro
Bravo! Que brilho! Que vigor!
Que belo! Que saber!
Que modéstia! Que decoro!
Nem uma só palavra desperdiçada!
Felizes foram aqueles cujas vidas
Nas virtudes antigas se apoiaram!
 (Para o Sofisma)
A despeito de tua subtileza,
De tua habilidade, tem cuidado.
Teu rival conseguiu lavrar um tento.
Muito vigor precisas para vencê-lo.
Podes falar agora. A vez é tua.

Corifaios
A não ser que prepares com cuidado
Tua estratégia e, ferozmente, ataques,
Terás perdido a causa, e saíras
Daqui como motivo de chacota.

Sofisma
Até que enfim! Se mais alguns minutos
Tivesse que esperar, eu morreria
Até, de impaciência, do desejo
De refutar e de arrasar o outro.
Muito bem. Para começo de conversa,
Tenho de admitir que, entre os letrados
E os pedantes, costumo ser chamado
 - Pejorativamente algumas vezes –
 De Lógica Sofística, Imoral. E por quê?
Porque eu fui o primeiro
A construir um Método capaz
De subverter as Crenças Sociais
De há muito respeitadas e seguidas
E a Moral respeitada solapar.
Além de tudo, uso um certo truque,
Invençãozinha que a mim mesmo devo,
Que é o de utilizar um argumento
Que parece o pior dos argumentos,
E acabar vencendo, no entanto.
E essa minha invenção tem-se mostrado
Extremamente lucrativa como
Fonte de rendimentos. Vede, agora,
Como eu refuto a vã Filosofia.
(Para a Filosofia)
Em teu programa escolar proíbes
Absolutamente os banhos quentes.
Podes expor-me agora os argumentos
Em que se funda tal proibição?

Filosofia
O que mais poderia eu aduzir?
Os banhos quentes fazem muito mal,
Tornam o homem frouxo, efeminado.

Sofisma
Não me digas mais nada. Isso é bastante.
Estás em minhas mãos, completamente.
Responde-me de pronto: quem dos filhos
De Zeus foi mais valente, mais heróico?
Quem mais aos sofrimentos resistiu?
Quem executou as mais duras tarefas?

Filosofia
Na minha opinião, Héracles foi
O maior dos heróis que o mundo viu.

Sofisma
Quando tu te referes aos famosos
Banhos de Héracles, referindo estás
A que espécie de banhos: frios, quentes?
É claro que são quentes. Assim sendo,
Por tua própria lógica era Héracles
Efeminado e frouxo.

Filosofia
Idiotice! A tua lógica é dessas que se usam
Entre esses jovens desfibrados, torpes,
Que esvaziam os ginásios e enchem os banhos.

Sofisma
Muito bem. Prossigamos. Se quiseres
Considerar a nacional paixão
Pela política e pelo debate
Um mal, muito ao contrário eu a aprovo.
Se a política fosse razoavelmente
Tão nefasta e tão má como sustentas,
 Então jamais o venerando Homero
 - Nosso guia e mentor quanto à Moral –
Jamais, jamais teria retrato
Nestor e outros velhos respeitáveis
Como políticos. Não é mesmo claro?
Agora examinemos a questão
De estudarem os jovens a oratória,
Coisa que eu defendo e tu condenas.
Quanto ao Decoro e à Moderação,
Estas próprias noções são absurdas.
Acho mesmo difícil conceber
Preconceitos tão tolos, ou melhor
Mais que tolos: prejudiciais.
Poderias, por acaso, me citar
O exemplo de um homem que lucrou
Com a moderação? Um só exemplo.

Filosofia
Os exemplos abundam. Eu citaria...
Por exemplo, Peleu. Sua virtude
Conquistou-lhe uma espada.

Sofisma
Ora, uma espada!
Que grande prémio pra tão grande tolo!
Vejamos nosso Hipérbolo. Sem dúvida
Virtude é coisa que ele nunca teve.
No entanto, viveu à tripa forra,
Teve dinheiro a rodo. Não espadas.
Espada não combina com Hipérbolo.

Filosofia
Além disso, porém, a castidade
De Peleu conquistou o amor da deusa
Tétis, que se tornou a sua esposa.

Sofisma
Exatamente. Mas o que fez Tétis
Depois do casamento? Despediu-o,
Por ser frio demais, com espada e tudo.
(A Feidipides)
Eu te aconselho, jovem, a encarares
Com cuidado o caminho da Virtude,
Pois se acaso o seguires, não te esqueças:
Despedirás de todos os prazeres
Que hoje te deleitam. Por exemplo:
Sexo, glutonaria, jogatina, bebedeiras etc.
O que farás na vida, jovem e forte,
Se deixares de lado tais deleites
Essas pequenas alegrias? Pensa
Em tuas naturais necessidades.
Supões que, sendo exemplo da virtude,
Cometas, algum dia, um pecadilho,
Uma seduçãozinha, um adultério,
E, por azar, tu sejas apanhado
Com a boca na botija. Que farias?
Tu estarias desmoralizado,
Não poderias defender-te, é claro,
Sem ter nunca aprendido como agir
Em tal situação imprevisível.
Segue, porém, os meus conselhos, jovem,
E faz o que te dita a natureza.
Goza a vida, diverte-te e ri
Do mundo sem escrúpulos. Se acaso
Em flagrante tu fores apanhado,
Afirma simplesmente ao pobre corno
Que não tens culpa, e invoca como exemplo
O Zeus onipotente, que não pode
Ver mulher sem tratar de conquistá-la.
Se um tão grande e poderoso deus
Não pode resistir, como querer
Que um pobre mortal tenha a arrogância
De ministrar ensinos de moral
Aos deuses imortais? Não é possível.


Filosofia
Mas supõe que, aceitando o teu conselho,
O teu discípulo seja condenado,
Por adultério, a ter um rabanete
Enterrado no reto?
 Por acaso Poderias salvá-lo?

Sofisma
Um rabanete!
Achas mesmo, confessa, uma desgraça
 Tão grande ter um rabanete
Enfiado no rabo?

Filosofia
Para mim
Não pode haver nada mais degradante
Do que ter um rabanete em tal lugar.

Sofisma
E o que dirias, se eu te derrotasse
Neste campo também?

Filosofia
Nada diria. Não abriria nunca mais a boca.
Sofisma
O que achas que são nossos juristas?

Filosofia
Pederastas passivos.

Sofisma
Muito bem. E os poetas trágicos?

Filosofia
O mesmo.

Sofisma
Políticos?

Filosofia
Também a mesma coisa.
Sofisma
É assim? Pois então, agora olha
Para a nossa audiência. Estás olhando?

Filosofia
Estou. Atentamente.

Sofisma
E o que tu vês;

Filosofia
Muitos homens eu vejo,
e quase todos Pederastas passivos.
(Apontando para alguns indivíduos no público)
Vê aqueles
De cabelos compridos?
Têm de ser.

Sofisma
 E agora dize, amigo, onde chegamos.

Filosofia
Fui derrotada pelos Pederastas Passivos.
Vou-me retirar. Só isso. (Atira seu manto para o público)
Tomai meu manto e recebei-me, ó vós,
Pederastas Passivos.



E vós, aí? Sim, vós mesmos, cretinos! Vós carneiros
Com cabeças de pombo! Presa fácil
Do palavroso esperto e do sofista.
Cambada de idiotas! Tenho dito.


Os juros não são mais do que a tendência
Natural do dinheiro aplicado
De se reproduzir, com a passagem
Do tempo. E assim é mais do que claro
Que os juros crescem, o capital aumenta.


Feidipides
Senhores! A Eloquência é coisa boa,
Muito melhor até do que esperava.
Oh! O arrebatamento do discurso!
Oh! A volúpia da articulação!
Mas sobretudo o ático prazer
De poder à vontade subverter
A ordem da Moral seguida e aceite!



Feidipides
Responde agora pai:
Quando eu era pequeno bateste-me?

Estrepsíades
É claro. Eu tinha de te educar. Bati porque te amava.

Feidipides
Muito bem. Uma vez que tu mesmo reconheces
A sinonímia de espancar e amar,
É mais do que natural que eu, agora,
Por minha vez, com muito amor, te espanque.
Mais que isso, aliás: com que direito
Tu podes me espancar e pretenderes
Que eu não possa fazer a mesma coisa.
O que pensas que sou? Que sou escravo?
Não nasci, como tu, um homem livre?
Que me dizes, então?

Estrepsíades
Mas...

Feidipides
Mas o quê?
“Poupas a vara e estragas a criança”?
Este é o teu argumento?
 Pois, se for
Eu posso responder com outro ditado:
 “Os velhos são crianças que cresceram”.
É lógico, portanto, que os velhos
Merecem muito mais ser espancados,
Porquanto, experientes como são,
São menos desculpáveis que as crianças.

Estrepsíades
Mas não é natural! É ilegal!
Honrarás pai e mãe. Tal é a lei.

Feidipides
E quem fez essa lei? Um homem igual
A mim, a ti, um homem igual a nós.
Um homem que lutou por seu projeto
Até poder persuadir o povo
Que o transformasse em lei.
Somente isso.
Pelo mesmo motivo, o que me impede
De uma lei nova apresentar, mandando
Que os pais sejam espancados pelos filhos?
Não seria vingança, é evidente.
Estou mesmo inclinado a sugerir
Uma amnistia que retroagisse
Favorecendo os pais, e garantindo
Uma compensação pelas pancadas
Que, por acaso, houvessem recebido
Antes que fosse promulgada a lei.
Se, apesar disso tudo, não estás
Ainda convencido, todavia,
Argumento com a própria Natureza.
Por exemplo: observa como os galos
Se comportam entre si.
Vivem brigando Filhos com pais, sem vãs hierarquias.
E em quê a sociedade galinácea
 Difere da nossa: tão somente
Porque a nossa tem leis e ela não.

Estrepsíades
Se estás disposto a imitar os galos,
Por que não vais, então, comer titica
E dormir no poleiro?

Feidipides
Ora! Porque... Porque não há no caso analogia.
Se duvidas de mim, pergunta a Sócrates.

Estrepsíades
Deixa os galos para lá. Mas aconselho-te
A não bateres mais em mim, pois isso
Vai acabar é a prejudicar-te.

Feidipides
Prejudicar-me? Eu duvido.

Estrepsíades
Então,
Presta atenção no que te vou dizer:
Quando eras menino eu bati.te.
Mas um dia terás, também um filho,
Nele descontarás o que tiveste.
Se, porém, me bateres, o teu filho
Naturalmente seguirá o exemplo
E contigo fará o que me fazes.

Feidipides
E se eu não tiver filho? Nesse caso
Eu ficarei privado de bater
Em qualquer um.
E agora, o que me dizes?

Estrepsíades
Tenho de confessar que tens razão.
(Para o público.)
Falando para a geração mais velha,
Sou obrigado a confessar, senhores,
Derrotado saí. Meu douto filho
Conseguiu demonstrar a sua tese:
Deve ser espancado o pai faltoso.

Feidipides
Naturalmente. Eu estava a esquecer-me,
De uma questão final, muito importante.

Estrepsíades
Qual é? O funeral?

Feidipides
Muito ao contrário.
Eu acho até que vais ficar contente.

Estrepsíades
Mais do que já estou? Acho difícil...

Feidipides Segundo dizem, “O sofrimento gosta
De companhia”. E terás, meu pai
Em tua desventura, companhia
Vou espancar também minha mãezinha.

Estrepsíades Bater em tua mãe?!
Isso é pior, Dez mil vezes pior!

Feidipides
Tu achas mesmo?
E se eu provar, por Lógica socrática,
Isso também, então o que dirias?

Estrepsíades
O que eu diria? Digo agora mesmo:
Se tal coisa provares, eu permito
Que juntes tua Lógica nojenta,
E o teu Pensamental e que Sócrates,  
Enfie tudo no lugar devido!
(Dirigindo-se ao Coro)
Ó Nuvens, fostes vós que me arrastastes
A esta situação em que me encontro.
Ser assim enganado! Mentirosas!

Corifaios
Foste tu o culpado, Estrepsíades.
O único culpado foste tu.
Não foi feita por nós a tua escolha,
Porém por tua própria improbidade

 Estrepsíades
Por que, então, em vez de aconselhardes
Um pobre ignorante a se afastar
Do mal, muito ao contrário, o incitastes?

Corifaios
Porque é assim mesmo que nós somos:
Insubstanciais nuvens onde o homem
Constrói as suas frágeis esperanças,
Brilhantes, tentadoras, mas formadas
De puro ar, miragens do desejo.
E assim agimos nós, indiferentes.
Seduzindo e atraindo os homens vãos
Nos desonestos sonhos da ambição
Que, como sonhos, logo se desfazem.
E o sofrimento lhes ensina então
A respeitar os deuses, e a temê-los.