segunda-feira, 1 de julho de 2013

Séneca- Medeia

E tu, estrela, que anuncias dois momentos do dia e que regressas sempre tarde para os que se amam: por ti anseiam as mães, ardentemente por ti anseiam as noivas que difundas quanto antes os teus raios de luz.



Ama
Cala-te, peço-te, e enterra os queixumes bem fundo na tua dor. Todo aquele que suportou feridas profundas em silêncio e com um espírito paciente e resignado está apto a restituí-las: o que é malfazejo é a ira dissimulada; o ódio que se declara não encontra ocasião para a vingança.

Medeia
Ligeira é a dor que consegue agir racionalmente e esconder-se em si. Os grandes males não ficam na sombra. Quero atacar!

Ama
Contém esse ímpeto desenfreado, filha. Mesmo a quietude do silêncio dificilmente te protege.

Medeia
A fortuna tem medo dos fortes; aos cobardes, oprime-os.

Ama
A coragem só merece louvor, quando se lhe oferece ocasião.


Medeia
Nunca pode faltar ocasião para a coragem.

Ama
Não há esperança alguma então que aponte uma saída para a tua aflição.

Medeia
Quem já perdeu a esperança não tem por que desesperar.

Ama
Está longe a o teu país, a fidelidade do teu marido é nenhuma, e nada te resta de tão grandes riquezas.

Medeia
Resta Medeia; nela vês mar e terra e ferro e fogo e deuses e relâmpagos!



Uma realeza injusta nunca dura muito tempo.


Quem decide o que quer que seja sem ouvir a outra parte, mesmo que decida com justiça, não é justo.

Quão difícil é desviar da cólera um espírito já por ela inflamado e quão próprio de todo o rei que empunha um ceptro com mãos arrogantes é continuar a caminhar pela via que encetou.


Para quem é pérfido nenhum tempo é curto para prejudicar.


Os nossos pais viveram em tempos magníficos dos quais o embuste estava bem arredado. Cada um ficava tranquilamente nos seus litorais e chegava à velhice nos campos ancestrais, rico com pouco; não conhecia senão as riquezas que o solo pátrio produzia.


Se procuras saber que limite hás-de impor ao teu ódio, ó desditosa, copia o teu amor.


Um amor verdadeiro não há-de temer ninguém.


Só terei descanso quando vir o universo desabar em ruínas juntamente comigo: que tudo desapareça comigo. É agradável arrastar outrem, quando se perece.



Jasão
Não é grata a vida daquele que se envergonha de a ter aceitado.

Medeia
Não a deve conservar quem se envergonha de a ter aceitado.



Jasão
Apavoram-me os altivos ceptros.

Medeia
Zela por não os ambicionares.



A serenidade modera o infortúnio.


Ataca onde não há a possibilidade de alguém ter medo seja do que for.


Nem a violência da chama nem a do vento intumescido nem a do dardo lançado ameaçadoramente é tão grande como quando uma esposa desapossada dos fachos nupciais se inflama e manifesta ódio…


É cego o fogo atiçado pela ira: não procura controlar-se, não suporta freios e não receia a morte; anseia por enfrentar as próprias espadas.


Caminho já trilhado não se paga caro.


Coro
Por que embuste foram apanhados?

Mensageiro
Por aquele que costuma vencer os reis: as dádivas.

Coro
E que traição nelas podia existir? (…)


Entrega-te à ira, desperta desse torpor e, selvática, das profundezas do teu coração exaure por completo os antigos impulsos. Todo o mal que cometeste até hoje chame-se piedade. Vamos!


A ira rechaça a piedade, e a piedade, a ira: cede ao afecto, angústia.




Terêncio- O Eunuco

Fédria:
Que devo fazer, então? Nao ir a casa dela, nem mesmo agora quando ela me mandou chamar, por sua livre vontade? Ela me expulsou e agora me chama de volta: devo voltar? Não, a menos que ela me implore.
Mas, se eu começar e não persistir com empenho… se vier a casa dela, mesmo sem ter feito as pazes, mostrando-lhe que a amo e que não lhe posso resistir, a coisa está feita, está tudo acabado, fico perdido. Ela zombara de mim quando perceber que fui vencido.
Assim, eu reflita mais e mais enquanto é tempo.

Parmenão:
Patrão, uma coisa que não tem em si nem prudência nem moderação, você não pode governá-la pela prudência. No amor estão presentes todos estes vícios: injúrias, suspeitas, inimizades, tréguas, guerra e paz novamente. Se você pretende tornar certas pela razão essas coisas incertas não faça mais nada a não ser que você se esforce para enlouquecer com a razão. E é isto que agora seguramente você está pensando, irado consigo mesmo: “Eu a... ela que o... que me... que não! Sem dúvida, porém, prefiro morrer! Ela perceberá que homem sou eu!”
Por Hércules, uma única lagriminha falsa, que ela terá extraído com muito custo esfregando os olhos com força, destruirá estas palavras e, além disso, ela te acusará, e mais, você vai se oferecer ao suplício!

Fédria:
Oh! Crime indigno! Agora percebo que ela é uma criminosa e eu um infeliz. Isto me aborrece, mas, ao mesmo tempo, ardo de amor, estou morrendo consciente, vivo e vendo, e não sei o que fazer.

Parmenão:
O que fazer? Nada a não ser resgatar-se da escravidão pelo menor preço que puder. Se você não puder por pouquinho, pelo quanto puder. E não se aflija.

Fédria:
É assim que você me aconselha?

Parmenão:
Se você for sensato, não acrescente desgostos além dos que o próprio amor já tem, e mesmo aqueles que já tem, suporte-os bem. Mas ei-la em pessoa saindo, a ruína de nossos fundos. Pois o que nos cabe conservar, ela nos subtrai.



As coisas verdadeiras que ouvi, calo e guardo em segredo muito bem. Se são falsas, infundadas ou inventadas, de imediato elas se tornam evidentes: sou cheio de fendas, deixo escapar aqui e ali. Portanto, se você quer que me cale, deve dizer a verdade.


Há uma espécie de homens que querem ser os melhores em tudo e não são. Procuro esses. Não me ofereço a eles como alvo de chacotas, mas, ao contrário, rio com eles e ao mesmo tempo admiro a inteligência deles. Louvo o que quer que digam; se, ao invés, negam isso, louvo também. O que negam nego, o que afirmam, afirmo. Enfim eu impus a mim mesmo concordar com tudo. Esta profissão agora é muitíssimo vantajosa.




Parmenão:
Estamos cometendo um crime.
Quérea:
Acaso é um crime se eu for levado para a casa de uma cortesã e àquelas cruzes, que tomam posse de nós e de nossa juventude da qual não fazem caso e que sempre nos torturam de todas as maneiras, e agora mostre minha gratidão e as engane do mesmo modo que somos enganados por elas? …
Parmenão:
Se está decidido a fazer, faça. Mas depois não coloque a culpa em mim.



Muitas vezes, quem tem sal toma para si por suas palavras a glória obtida com grande esforço pelos outros. Isso você tem.


Parmenão:
O que você diz, Gnatão? Acaso você tem alguma coisa para desdenhar? E você, Trasão? Calaram-se: muito o elogiam.


Eu um covarde? Nenhum homem que viva é menos.

É burrice aceitar o que você pode evitar.

Conheço o génio das mulheres: quando você quer, elas não querem, quando você não quer, é aí que elas se interessam.

(…) eu ter descoberto como um rapazinho pode a bom tempo tomar conhecimento do caráter e dos costumes das meretrizes, para que, ao ser informado, tome ódio pelo resto da vida.
Elas que enquanto estão fora de casa, nada parece mais asseado, mais afeiçoado a quem quer que seja, nem mais elegante, que quando ceiam com seu amante beliscam a comida.
Ver a imundície, a falta de classe e a pobreza delas, o quanto são desprezíveis e esfomeadas quando estão sós em casa, como devoram pão preto à sopa amanhecida, saber tudo isso é a salvação do rapazinho.








Plauto. Aululari ( A Comédia da Panela)

Irmã, se tu queres que eu me case, estou disposto também a fazê-lo, com esta condição: ela chega amanhã e no dia seguinte levam-na para fora de casa. Se é com estas condições que tu achas bem, então podes vir e preparar o casamento.


Quem depois de certa idade um homem casa com mulher de meia-idade, e já velho emprenha a velha, só pode ter um nome para a criança. Sabes qual é? Póstumo.

Não me importo nada com os grandes luxos, as honras, os dotes faustosos, as aclamações, o poder, os carros de grande pompa, o vestuário, a púrpura, que levam os outros homens à servidão por aquilo que custam.


(…)Isto parece promessa, mas é pedido. Está ardendo por me devorar o dinheiro. Dum lado trás a pedra e do outro lado me mostra pão. Não creio em nenhum rico que venha com tanta generosidade e tanta delicadeza para um pobre. Quando estende a mão com bondade é porque nela traz alguma rede. Eu bem conheço estes polvos que prendem tudo aquilo que tocam.


Não há ninguém que a pobreza tenha feito mais avarento do que a ele.

(…) tu és um homem rico e poderoso e eu sou um homem pobre, paupérrimo. Se eu casasse contigo minha filha, estou eu cá a pensar que tu ficarias como boi e eu como burro; andaríamos jungidos um ao outro e como eu não poderia suportar a mesma carga, lá ficaria eu deitado como um burro no meio da lama. Tu, como boi, tratar-me-ias com desprezo, como se eu não fosse gente. Irias ser duro comigo e não me havia de faltar a troça dos da minha igualha. Depois, se houver qualquer diferença entre nós, não terei estábulo estável a que me acolher. Os burros vão-me despedaçar à dentada e os bois vão-me atacar à cornada. É muito perigoso para eu passar da classe dos burros para a dos bois.


Homens são assim! Se um rico pede alguma coisa a um pobre, o pobre tem medo de se comprometer e, por medo, procede mal. E só depois de perder a oportunidade é que ele se arrepende.


É uma estupidez e não tem graça nenhuma proceder bem quando é inútil o que se faz.


Contei a muitos amigos esta minha resolução de casamento; todos louvam a filha de Euclião e dizem que foi uma resolução avisada e de boa cabeça. Ora, se os outros ricos fizessem o mesmo com as filhas dos pobres e, mesmo sem dote, se casassem com elas, não só a cidade viveria em maior paz, como haveria à nossa volta muito menos inveja do que há. Elas ter-nos-iam mais respeito do que nos têm e nós faríamos menos despesas do que as que fazemos. Seria ótimo para a maior parte do povo e só prejudicaria alguns que são ávidos e insaciáveis e que nem leis, nem magistrados seriam capazes de reter. Naturalmente, dirá alguém, com quem se casariam então as que são ricas e têm dote, se se estabelece tal direito para os pobres? Que se casem com quem quiserem, contanto que o dote não vá com elas. Se isto fosse assim elas levariam, em lugar do dote de agora, melhores costumes.


Aquela que não tem dote está sob o domínio do marido. As que têm dote dão cabo dos maridos com danos e perdas.


Sou eu o mais desgraçado de todos quantos vivem na terra! Para que preciso eu agora de vida, em que perdi um tesouro que guardei com tanto cuidado. Roubei-me a mim próprio, roubei a minha alma, roubei o meu espírito! Agora outros gozam com ele, para meu mal e prejuízo! Não posso suportá-lo!


Todo o homem que confessa a sua culpa tem sempre o valor suficiente para se envergonhar e se desculpar.


A todos a natureza jurou livres e todos por natureza pensam na liberdade. O pior de todos os males, a pior de todas as desgraças é a servidão.


O nosso tempo produziu donos demasiado avarentos… pobres no meio das maiores riquezas e sedentos no seio do vasto oceano. Não lhes chegam bens nenhuns…

…a nossa época não é muito de boa fé. Escrevem-se documentos, vêm dez testemunhas, o notário aponta a data e o lugar. No entanto há sempre um advogado pronto a negar o que se fez.


Sempre pensei que não ter dinheiro era péssimo para todos, moços, homens e velhos. A indigência obriga os moços a prostituir-se, os homens a roubar, e os velhos a pedir esmola. Mas é muito pior o que vejo agora: ter muito mais dinheiro do que aquilo que é necessário.




Plauto- Anfitrião

(…)E não convém impetrar injustiça por parte dos justos. Impetrar dos injustos justiça, por sua vez, é falta de juízo, uma vez que os injustos ignoram a justiça e nem se atêm a ela.

(…)Este faz uma coisa que as pessoas geralmente não costumam fazer: ele sabe o que merece.

(…) ele vai receber-me, que estou a chegar, com uma hospitalidade de punhos!

Quando o supremo general não está junto de seu exército, faz-se mais rapidamente o que não tem utilidade ser feito do que o que é necessário ser feito

Na vida e no passar dos anos, não é coisa bem pequena o prazer em comparação com o que é desagradável? Assim foi programado cada aspecto da vida humana, assim é a vontade dos deuses: que a tristeza, tal como uma companheira, acompanhe o prazer;  se algo de bom cabe a alguém, isso não acontece sem que haja ali inconvenientes e mais males. Pois agora eu experimento isso pessoalmente e o sei por mim própria, a quem o prazer foi dado por pouco tempo; somente durante uma noite tive a possibilidade de ver meu marido. Mas repentinamente ele partiu daqui, para longe de mim, antes de amanhecer. Agora parece que estou sozinha aqui, porque ele, que eu amo acima de todos, está ausente daqui.  Obtive mais infelicidade com a partida de meu marido que prazer com sua chegada.

A virtude é uma excelente recompensa; a virtude é realmente superior a todas as coisas. Liberdade, segurança, vida, bens e antepassados, pátria e filhos são por ela protegidos, bem guardados. A virtude tem tudo em si; quem tem o controle de sua virtude tem todos os bens perto de si.

Com as palavras é que você é virtuosa!

Com o passar dos anos, muitas coisas acontecem para os homens deste modo: conseguem-se prazeres, conseguem-se depois misérias; sobrevêm discórdias, fazem depois as pazes.
Na verdade, tendo tais discórdias por acaso ocorrido, se as pessoas depois fazem as pazes, há entre elas duas vezes mais amor que antes!

 tradução do Anfitrião plautino Lilian Nunes da Costa
 Editora Mercado de Letras quanto a 
agência de fomento FAPESP 


Plauto- O Mercador

Todos estes vícios juntos costumam acompanhar o amor: cuidado, inquietação e excessiva elegância; essa, não atinge só quem ama, mas qualquer pessoa  e a castiga com sólida e duradoura preocupação; sem dúvida, ninguém se entregou à elegância sem grandes sofrimentos, além daqueles que já padece.
Mas, ao amor juntam-se também estes males, de que ainda não falei: a insónia, a atribulação, a indecisão e junto com isso, o terror e a fuga; a loucura, até a estupidez e o despropósito, a louca irreflexão, o excesso, a petulância e o desejo, a malevolência; ligam-se a isso, ainda, a cobiça, a desídia, a injustiça, a privação, a ofensa e a perda, o muito falar e o pouco falar: isto acontece porque o que não diz respeito a isso, ou sequer tem utilidade, o amante manifesta, às vezes, na hora inadequada.
Falo com poucas palavras por esta razão: porque nenhum amante é tão habilmente  eloquente, que possa falar o que existe em sua situação.


(…)o pai assim dizia:
“É para você que você ara, para você revolve a terra, para você semeia, da mesma forma é para você que você colherá, é para você enfim, que este trabalho gerará alegria”


Diga-me, por acaso em algum lugar, existe algum bem que se possa ou se  queira gozar, sem que venha acompanhado de um mal, ou que não dê trabalho?


Você castiga com carinho.


(…) meu pobre coração, que se consome gota a gota, como se dissolvesse o sal em água (…)


Depois que a vi morri de amores por ela, não como costumam amar os homens sensatos, mas como costumam amar os insensatos (…) na verdade, uma coisa eu já sei: estou perdido!


Quando se é velho, já não se sente nem se sabe; dizem que se costuma voltar a ser criança.


De.
(…)Mas será que eu ousaria falar com você com sinceridade?
Li.
Sim, com ousadia.
De.
Preste atenção!
 Li.
Estou a prestar.
De.
Hoje comecei a ir à escola primária. Já aprendi três letras, Lisímaco.
Li.
Que três letras?
De.
A-M-O.
Li.
Você ama com a cabeça branca, velho imprestável?
 De.
Se é branca, vermelha ou preta, eu amo.


Se vocês nunca viram, um dia, pintada, a figura de um apaixonado, ei-la aqui. Pois, na minha opinião, um velhinho, um ancião decrépito é igual a um quadro pintado numa parede.


Quando a dor vence a volúpia, o que é agradável?


É necessário que todos os sábios se ocupem primeiro com a coisa solicitada.


Ao calado, você ordena.


Está decidido, retomarei os costumes de antes e servirei a mim. Já é breve o tempo restante de vida: pois, eu me deleitarei com prazer, vinho e amor. Na verdade, é bastante justo alguém ter o bem nesta idade. Quando se é jovem, enquanto o sangue está novo, convém preocupar-se; com as coisas desejadas. Pois, enfim, quando se está já velho, então no ócio se assentar, enquanto é possível amar; isso já é lucro quando se está vivo.


(…) Acho que agora você fala de maneira sábia e não amorosamente.


Não sou eu, por acaso, um homem miserável, que em nenhum lugar pode ficar bem? Se estou em casa, meu espírito está fora, se estou fora, meu espírito está em casa. Pois o amor cria um incêndio no meu peito e no meu coração. Se as lágrimas dos olhos não a defendessem, minha cabeça já estaria ardendo em brasa. Conservo a esperança, perdi a saúde, se voltará ou não, não sei.


Falar muito é odioso, quando a coisa certa é agir.


Ca.
Que aparência diziam ter, Eutico?
Eu.
Eu direi a você: envelhecido, corcunda, barrigudo, com boca grande, pequeno, com olhos denegridos, mandíbulas oblongas, com pernas um pouco abertas.
 Ca.
Não é um homem, mas um tesouro de males que você menciona.



Está a mentir. Prontamente justifica.


 As pobres mulheres vivem sob uma lei dura e muito mais injusta do que os homens. Pois, se um marido, às escondidas de sua esposa, mantém uma prostituta, se a esposa descobre isso, o homem fica impune; uma esposa, se sai fora do lar às escondidas do marido, torna-se para o marido motivo para terminar o casamento.
Oxalá que a lei fosse a mesma para a esposa e o marido, pois a esposa que é boa contenta-se com um único marido; por que um homem não se contentaria com uma só esposa?
Se os homens fossem castigados da mesma forma, se algum mantivesse uma prostituta, às escondidas da esposa, da mesma forma que elas são repudiadas se cometem a falta, mais maridos estariam sem cônjuge do que as esposas agora.


Aqueles que são de boa família, se têm má índole, por sua própria culpa colhem o dano, e por sua índole desmentem a família.


Da mesma forma, como as estações do ano, em cada idade convém uma atitude.







Plauto- O Truculento (O Brutamontes)

Aqui mora uma mulher chamada Fronésio. Ela possui em si os costumes deste nosso tempo: nunca reclama aos seus amantes o que estes já lhe deram, mas, quanto ao que lhes resta, esforça-se por que nada lhes reste, pedindo e arrebanhando, como é costume das mulheres. Na verdade todas procedem assim, quando sentem que são amadas.


Uma vida inteira não é suficiente para um amante aprender satisfatoriamente, se é que o aprende, de quantos modos pode arruinar-se. E nunca a própria Vénus, sob cujo poder estão os mais importantes assuntos dos amantes, fará essa conta: de quantas formas o amante pode ser enganado, de quantos modos pode ser arruinado, com quantas súplicas pode ser amaciado.
Quantas lisonjas aí há, quantas birras aí há! Quanta sobranceria!  Ó deuses, a vossa bondade, ai! 
Quanto tem que se perder, já sem contar com as prendas. Em primeiro lugar, o sustento de um ano: esse é o primeiro golpe. Em troca dele, concedem-se três noites ao amante. De permeio,  fala-se ou num altar, ou em vinho, ou em azeite, ou em trigo. Está a sondar se és generoso ou agarrado aos teus bens. Tal como o pescador que lança a rede para o viveiro — logo que a rede vai ao fundo, puxa a linha e, se o peixe tiver entrado na rede, trata de não o deixar escapar cercando o peixe com a rede por todos os lados até o tirar para fora —, assim sucede com o amante. Se ele dá o que lhe é pedido e é mais generoso do que agarrado aos seus bens, concedem-se-lhe mais algumas noites; durante esse tempo ele morde o isco. Mal ele experimentou uma taça de amor puro e essa bebida penetrou até às suas entranhas, imediatamente se arruinou a si próprio, aos seus bens e à sua reputação.
Se acaso uma puta se irrita com o amante, o amante arruína-se duplamente: nos seus bens e ao mesmo tempo no coração.
Se, pelo contrário, um se entrega ao outro, também fica arruinado: se obtém poucas noites, sofre no seu coração; se se torna mais assíduo, sente-se feliz por si próprio, mas os bens arruínam-se.
É assim nas casas de lenocínio. Ainda lhe não deste um único presente, ela já está a pedir-te um cento: ou foi uma jóia de ouro que desapareceu, ou uma mantilha que se rasgou, ou comprou uma serva ou algum vaso de prata, ou um vaso de bronze, ou algum leito de pedra, ou uns pequenos armários gregos ou ... há sempre qualquer coisa,  de perda que o amante deve à sua puta.
E, enquanto arruinamos os nossos bens, a nossa reputação e a nós próprios, nós ocultamos isso, em segredo, com o maior cuidado, não venham os nossos pais e os nossos familiares a sabê-lo.
Se, em vez de nos escondermos, nos confiássemos a eles, para que a tempo refreassem a nossa juventude, a fim de entregarmos a herdeiros futuros os bens herdados dos nossos antepassados, eu suponho que haveria, aqui muito menos, chulos e putas e menos homens gastadores do que existem presentemente.
De facto, hoje em dia há quase mais chulos e putas do que moscas em plena canícula. Com efeito, como se não houvesse outro lugar, o número de putas e chulos que acampam todos os dias em volta das mesas dos banqueiros é incalculável. Pois estou seguro de que há lá, agora, mais putas do que pesos de balanças. Eu não sei dizer com que finalidade eles permanecem junto dos banqueiros, a não ser para servir de tabuinhas onde se fazem os registos dos dinheiros relativos a juros — refiro-me aos dinheiros recebidos, não vá alguém pensar em dinheiros gastos.


(…) num grande povo implica distinções: meretrix ‘meretriz, cortesã, puta fina’, scortum ‘rameira, puta’ ...

Quanto a mim, (mostrando a casa de Fronésio) aqui esta meretriz que tem Fronésio como nome próprio, expulsou do meu espírito, por completo, a querida Sabedoria.
É que phronesis em grego significa “sabedoria”. Na verdade, eu confesso que fui o seu amante favorito e íntimo, o que é muitíssimo mau para a fortuna de um amante. Ela, depois que encontrou um outro que lhe dava mais, mais gastador, logo me tirou daí e colocou nesse lugar aquele que ela, anteriormente, na sua malvadez, dizia que lhe era odioso: um soldado de Babilónia!


Astáfio (criada)
Parece-me que és um homem desocupado demais.
Diniarco
Porque tens essa impressão?
Astáfio
Porque, vestido e alimentado à tua custa, te ocupas de assuntos alheios.
Diniarco
Vocês meretrizes é que me causaram a desocupação.
Astáfio
Como é isso, por favor?!
Diniarco
Eu vou explicar. Arruinei os meus bens em vossa casa. Vocês afastaram-me da minha ocupação. Se eu tivesse conservado os meus bens, tinha em que estar ocupado.
Astáfio
Acaso pretendes tu poder arrematar o domínio público de Vénus ou do Amor com outra condição que não a de ficares desocupado?
(…)
Astáfio
Quem acusa outrem de desonra, deve ele mesmo estar livre de mancha. Tu, que és espertalhão, de nosso nada tens! Nós, umas nulidades, temos tudo de ti.
(…)
Astáfio
Conhece-se um homem enquanto ele está vivo. Logo que morre, paz à sua alma! Quando tu estavas vivo, eu conhecia-te.
Diniarco
Julgas, porventura, que eu estou morto?
Astáfio
Diz-me, acaso poderia estar mais claro? Tu que anteriormente eras considerado como o amante mais importante, agora não tens para oferecer à tua querida mais do que lamentos.
Diniarco
Aconteceu por culpa vossa, que tanta pressa tínheis então! Deviam ter-me depenado lentamente, para eu continuar em bom estado para vós, durante muito tempo.
Astáfio
Um amante é tal e qual uma fortaleza inimiga.
Diniarco
Em que argumento te baseias?
Astáfio
Quanto mais depressa puder ser conquistado, tanto melhor isso é para a amante.
Diniarco
Tenho de concordar. Mas um amigo é muito diferente de um amante. Por Hércules, quanto mais antigo é um amigo, tanto melhor ele é, certamente! Por Hércules, eu ainda não estou completamente morto! Ainda tenho terras e uma casa.
Astáfio (mudando repentinamente de tom)
Então, diz lá, porque é que estás especado diante da porta como um desconhecido e um estrangeiro? Vá, entra! Na verdade tu não és um estranho! Com efeito, ela hoje não vai amar ninguém mais do que a ti, no seu coração e na sua alma, se realmente tu possuis terras e uma casa!
Diniarco
As vossas línguas e palavras estão encharcadas de mel, mas os vossos actos e corações estão encharcados de fel e de vinagre azedo. Assim, com a língua pronunciais palavras doces, mas com o coração tornai-las amargas.
 Astáfio
 [Se os amantes não escorregam com alguma coisa, é porque eu não aprendi a arte de falar.] Não é a ti que convém falar assim, ó meu bem, mas sim àqueles que, por serem sovinas, estão em guerra com as suas próprias inclinações.
Diniarco
 Tu és manhosa e a mesma sedutora do costume.
Astáfio
Finalmente chegaste do estrangeiro, ó tão desejado! Na verdade, ó céus, a minha ama ansiava tanto ver-te.
Diniarco
Então porquê?
Astáfio
Dentre todos, és o único a quem ela ama.
Diniarco
Bravo, minhas terras e minha casa, vós viestes em meu socorro no momento oportuno! Mas dizes-me uma coisa, Astáfio?
Astáfio
Que queres saber?
Diniarco
Fronésio (puta) está agora aí dentro?
Astáfio
Para os outros não sei, seguramente que para ti está lá dentro.
Diniarco
Ela tem passado bem?
Astáfio
Espero que venha a passar ainda melhor quando te vir!
Diniarco
Este é o nosso maior defeito: quando nos apaixonamos, logo nos perdemos. Se dizem o que nós desejamos ouvir, ainda que mintam abertamente, nós, estúpidos, acreditamos que é verdade, em vez de nos irritarmos <com toda a razão>.
Astáfio
Ei! Isso não é verdade.
Diniarco
Então dizes tu que ela me ama?
Astáfio
Tu és mesmo o seu único amor.
(…)
Astáfio
(só e estalando a rir) Ah! Ah! Ah! Estou descansada, pois o meu pegamasso já foi lá para dentro. Finalmente estou sozinha. Agora de facto posso dizer livremente, à minha vontade, o que quiser e o que me der na real gana. (indicando a porta da casa da sua ama, pela qual acaba de entrar Diniarco)
Em honra deste amante, entoou a minha ama em nossa casa um canto fúnebre pelos seus bens. De facto, as suas terras e a sua casa foram hipotecadas pela possessão do Amor. Entretanto a minha ama revela-lhe à vontade os seus planos mais importantes e este é, para ela, muito mais um amigo conselheiro do que fornecedor de dinheiro.
Enquanto ele teve, deu! Agora não tem nada, mesmo! O que ele tinha, temo-lo nós e ele tem o que nós tivemos. Ocorreu um acontecimento tipicamente humano. A fortuna costuma mudar-se rapidamente. A vida é um mar de vicissitudes. Nós lembramo-nos de que este foi rico e ele lembra-se de que nós fomos pobres. As lembranças inverteram-se.
Estúpido seja quem se admirar com isso! Se ele está necessitado, é forçoso que o consintamos. Ele apaixonou-se, aconteceu-lhe o que é justo. É um sacrilégio compadecermo-nos dos homens que administram mal os seus bens.
É mister que uma alcoviteira de gema tenha bons dentes, que sorria e fale meigamente a quem quer que lhe apareça, que rumine o mal no seu coração, que fale por palavras agradáveis.
Convém que uma meretriz seja semelhante às silvas: a qualquer homem que ela tocar, deve causarlhe mal ou dano total. Convém que uma meretriz nunca conheça as razões do seu amante. Que, quando ele nada pagar, o mande para casa como um soldado pouco aplicado.
Nunca ninguém será um bom amante a não ser aquele que é inimigo dos seus próprios bens2. Enquanto tiver, então ame. Quando não tiver nada, inicie outra profissão. Se ele nada tiver, dê com resignação o seu lugar aos outros que têm.
É perda de tempo, se depois de ter dado, não tiver prazer em dar de novo. Aqui em nossa casa ama-se aquele que, depois de ter dado, se esqueceu que deu. Bom amante é aquele que, desprezando tudo o resto, arruína os seus bens.
Todavia os homens proclamam que nós costumamos proceder mal com eles e que somos avarentas! E porque o somos? Afinal, o que é que nós fazemos de mal? Na verdade, nunca nenhum amante deu o bastante à sua querida, e nem nós recebemos o suficiente! E também nunca nenhuma pediu o suficiente! De facto, quando um amante vem de mãos a abanar, se ele diz que não tem nada para nos dar, nós acreditamos piamente nele e não cobramos demasiado, uma vez que ele não tem bastante para dar.
A nossa obrigação é procurar continuamente clientes frescos que tenham realmente as suas arcas a abarrotar de presentes…



É mesmo uma vergonha esta caterva de macacas. Vieste aqui para te pavoneares com o teu esqueleto aperaltado, por teres o teu manto da cor da lama, ó desavergonhada? Ou julgas que és uma beldade, assim, com os braceletes de bronze que te ofereceram?!


Tocar-te, eu?! Pela minha enxada, eu preferiria abraçar-me no campo a uma vaca de longos cornos e passar com ela a noite inteira na sua cama de palha, a serem-me dadas de presente cem noites contigo, mesmo com uma jantarada! Tu lanças-me à cara a parvónia. (com ironia) Pois encontraste um homem que se envergonha dessa desfeita!


Se tu me parecesses estar em teu juízo, sempre te diria: “Estás a injuriar-me” (ironia)


O mal que uma mulher começou a fazer, se não o acaba de fazer, isso causa-lhe doença, isso causa-lhe mal-estar, essa desgraça causa-lhe desgraça. Se uma começou a fazer o bem, a verdade é que rapidamente se enche de aversão contra isso. Demasiado poucas são as mulheres que se cansam do mal que começaram a fazer e excessivamente poucas são aquelas que acabam de fazer o bem que começaram a fazer. Para uma mulher, fazer o mal é uma acção extraordinariamente melhor do que fazer o bem.



Não espereis, ó espectadores, que eu venha proclamar as minhas façanhas! Costumo proclamar as minhas proezas com os braços, não com palavreado.
Eu sei que muitos soldados contaram patranhas e é possível recordar não só o imitador de Homero como até mil outros depois dele, que foram refutados e condenados por contarem falsas batalhas.
[Não se deve elogiar aquele no qual acredita mais o que o ouve do que  o que o vê]. Não me agrada aquele a quem mais louvam os que o ouvem do que os que o vêem. Uma só testemunha ocular vale mais do que dez testemunhas de ouvido. Os que ouvem, contam o que ouviram; os que vêem, sabem com certeza. Não me agrada aquele a quem os papalvos elogiam, mas de quem os soldados do manípulo falam entre dentes, nem aqueles cuja língua torna rombo o gume das espadas, quando estão em casa.
Os corajosos são muito mais úteis ao povo do que os hábeis em parlapatice.
A bravura encontra facilmente uma eloquência parlapatona: pela minha parte, considero palrador, mas sem bravura, como uma carpideira, o cidadão que é capaz de fazer grandes elogios aos outros, mas não é capaz de se elogiar a si próprio.


Estratófanes (soldado)
Fronésio já deu à luz?
Astáfio (criada)
Deu à luz um menino extremamente encantador.
Estratófanes
(empertigando-se) Ena! Por acaso é parecido comigo?
Astáfio
Ainda pergunta? Como não, se, logo ao nascer, exigia uma espada e um escudo?
Estratófanes
É meu filho. Percebe-se logo pelas provas.
Astáfio
É parecido  a mais não poder!
 Estratófanes Eh pá! Bravo! Já é grande? Já se alistou numa legião? Trouxe alguns despojos?
 Astáfio
Patrão, mas ele nasceu há exactamente cinco dias!
Estratófanes
E depois? Por Hércules, em tantos dias já podia ter praticado exactamente alguma façanha! Porque saiu ele da barriga da mãe, antes de poder ir para a guerra?



(…) há em nossa casa um apaixonado que faz as piores acções, que considera os seus bens como lixo e manda levá-los para fora de casa. Tem medo, perante a opinião pública, de não parecer muito asseado. Ele quer que a sua casa esteja limpa: tudo o que ele tem em casa é varrido para o prostíbulo.
Uma vez que ele próprio caminha para a perdição, por Hércules, eu vou ajudá-lo sem dar nas vistas! Jamais, por minha intervenção, ele se arruinará menos rapidamente do que é possível. Com efeito, da mina para estas provisões, já eu fiz um abatimento. Tirei para mim cinco moedas, a parte de Hércules. É exactamente como quem que desvia para seu proveito a água de um rio. Se não a desviasse, toda essa água iria de qualquer modo para o mar: de facto, isto (apontando para as malas que os escravos levam) vai para o mar e perde-se miseravelmente sem qualquer benefício. Ao ver isto a acontecer, eu roubo às escondidas, eu abafo. Da presa, arrebanho a presa.
Eu sou da opinião que uma meretriz é tal qual o mar. Devora o que lhe deres e nunca transborda de presentes. Mas o mar ao menos guarda o que recebeu.  
Comigo guarda-se, aparece. Dês quanto deres a uma cortesã, em parte nenhuma aparece, nem para o que dá nem para a que recebe.


Palavra de honra! Afirmas que eu sou desavergonhado, logo tu que és um covil de dissolução em pessoa?


Estou salvo, porque me perco! Se eu não me perdesse, perder-me-ia completamente.


Eu preferia que os meus inimigos me invejassem a invejá-los eu. Na verdade, teres inveja dos outros que estão bem, quando tu estás mal, é uma desgraça. Os que têm inveja, é porque estão na ruína. Aqueles de quem se inveja, esses têm bens.


Diniarco
 Estou aqui, Cálicles. Peço pelos teus joelhos que tu julgues com sensatez isto que foi feito insensatamente e que me perdoes o que fiz. É que então eu não era senhor de mim, por culpa do vinho.
Cálicles
Isto não me está a agradar. Tu atribuis a culpa a um mudo, que não pode falar. Ora se o vinho pudesse falar, defender-se-ia. O vinho não costuma dominar os homens, os homens é que costumam dominar o vinho, pelo menos os que são honestos. Porém, o que é desonesto, quer beba, quer se abstenha desse licor, é todavia desonesto por natureza.



(…) pensa quão sábio animal é o ratinho, que não confia a sua existência a um buraco apenas, porque se uma entrada for bloqueada,  fica com outra escapatória .


Para proveito próprio, todas as pessoas são espertas e não se fazem esquisitas.