segunda-feira, 1 de julho de 2013

Plauto- O Truculento (O Brutamontes)

Aqui mora uma mulher chamada Fronésio. Ela possui em si os costumes deste nosso tempo: nunca reclama aos seus amantes o que estes já lhe deram, mas, quanto ao que lhes resta, esforça-se por que nada lhes reste, pedindo e arrebanhando, como é costume das mulheres. Na verdade todas procedem assim, quando sentem que são amadas.


Uma vida inteira não é suficiente para um amante aprender satisfatoriamente, se é que o aprende, de quantos modos pode arruinar-se. E nunca a própria Vénus, sob cujo poder estão os mais importantes assuntos dos amantes, fará essa conta: de quantas formas o amante pode ser enganado, de quantos modos pode ser arruinado, com quantas súplicas pode ser amaciado.
Quantas lisonjas aí há, quantas birras aí há! Quanta sobranceria!  Ó deuses, a vossa bondade, ai! 
Quanto tem que se perder, já sem contar com as prendas. Em primeiro lugar, o sustento de um ano: esse é o primeiro golpe. Em troca dele, concedem-se três noites ao amante. De permeio,  fala-se ou num altar, ou em vinho, ou em azeite, ou em trigo. Está a sondar se és generoso ou agarrado aos teus bens. Tal como o pescador que lança a rede para o viveiro — logo que a rede vai ao fundo, puxa a linha e, se o peixe tiver entrado na rede, trata de não o deixar escapar cercando o peixe com a rede por todos os lados até o tirar para fora —, assim sucede com o amante. Se ele dá o que lhe é pedido e é mais generoso do que agarrado aos seus bens, concedem-se-lhe mais algumas noites; durante esse tempo ele morde o isco. Mal ele experimentou uma taça de amor puro e essa bebida penetrou até às suas entranhas, imediatamente se arruinou a si próprio, aos seus bens e à sua reputação.
Se acaso uma puta se irrita com o amante, o amante arruína-se duplamente: nos seus bens e ao mesmo tempo no coração.
Se, pelo contrário, um se entrega ao outro, também fica arruinado: se obtém poucas noites, sofre no seu coração; se se torna mais assíduo, sente-se feliz por si próprio, mas os bens arruínam-se.
É assim nas casas de lenocínio. Ainda lhe não deste um único presente, ela já está a pedir-te um cento: ou foi uma jóia de ouro que desapareceu, ou uma mantilha que se rasgou, ou comprou uma serva ou algum vaso de prata, ou um vaso de bronze, ou algum leito de pedra, ou uns pequenos armários gregos ou ... há sempre qualquer coisa,  de perda que o amante deve à sua puta.
E, enquanto arruinamos os nossos bens, a nossa reputação e a nós próprios, nós ocultamos isso, em segredo, com o maior cuidado, não venham os nossos pais e os nossos familiares a sabê-lo.
Se, em vez de nos escondermos, nos confiássemos a eles, para que a tempo refreassem a nossa juventude, a fim de entregarmos a herdeiros futuros os bens herdados dos nossos antepassados, eu suponho que haveria, aqui muito menos, chulos e putas e menos homens gastadores do que existem presentemente.
De facto, hoje em dia há quase mais chulos e putas do que moscas em plena canícula. Com efeito, como se não houvesse outro lugar, o número de putas e chulos que acampam todos os dias em volta das mesas dos banqueiros é incalculável. Pois estou seguro de que há lá, agora, mais putas do que pesos de balanças. Eu não sei dizer com que finalidade eles permanecem junto dos banqueiros, a não ser para servir de tabuinhas onde se fazem os registos dos dinheiros relativos a juros — refiro-me aos dinheiros recebidos, não vá alguém pensar em dinheiros gastos.


(…) num grande povo implica distinções: meretrix ‘meretriz, cortesã, puta fina’, scortum ‘rameira, puta’ ...

Quanto a mim, (mostrando a casa de Fronésio) aqui esta meretriz que tem Fronésio como nome próprio, expulsou do meu espírito, por completo, a querida Sabedoria.
É que phronesis em grego significa “sabedoria”. Na verdade, eu confesso que fui o seu amante favorito e íntimo, o que é muitíssimo mau para a fortuna de um amante. Ela, depois que encontrou um outro que lhe dava mais, mais gastador, logo me tirou daí e colocou nesse lugar aquele que ela, anteriormente, na sua malvadez, dizia que lhe era odioso: um soldado de Babilónia!


Astáfio (criada)
Parece-me que és um homem desocupado demais.
Diniarco
Porque tens essa impressão?
Astáfio
Porque, vestido e alimentado à tua custa, te ocupas de assuntos alheios.
Diniarco
Vocês meretrizes é que me causaram a desocupação.
Astáfio
Como é isso, por favor?!
Diniarco
Eu vou explicar. Arruinei os meus bens em vossa casa. Vocês afastaram-me da minha ocupação. Se eu tivesse conservado os meus bens, tinha em que estar ocupado.
Astáfio
Acaso pretendes tu poder arrematar o domínio público de Vénus ou do Amor com outra condição que não a de ficares desocupado?
(…)
Astáfio
Quem acusa outrem de desonra, deve ele mesmo estar livre de mancha. Tu, que és espertalhão, de nosso nada tens! Nós, umas nulidades, temos tudo de ti.
(…)
Astáfio
Conhece-se um homem enquanto ele está vivo. Logo que morre, paz à sua alma! Quando tu estavas vivo, eu conhecia-te.
Diniarco
Julgas, porventura, que eu estou morto?
Astáfio
Diz-me, acaso poderia estar mais claro? Tu que anteriormente eras considerado como o amante mais importante, agora não tens para oferecer à tua querida mais do que lamentos.
Diniarco
Aconteceu por culpa vossa, que tanta pressa tínheis então! Deviam ter-me depenado lentamente, para eu continuar em bom estado para vós, durante muito tempo.
Astáfio
Um amante é tal e qual uma fortaleza inimiga.
Diniarco
Em que argumento te baseias?
Astáfio
Quanto mais depressa puder ser conquistado, tanto melhor isso é para a amante.
Diniarco
Tenho de concordar. Mas um amigo é muito diferente de um amante. Por Hércules, quanto mais antigo é um amigo, tanto melhor ele é, certamente! Por Hércules, eu ainda não estou completamente morto! Ainda tenho terras e uma casa.
Astáfio (mudando repentinamente de tom)
Então, diz lá, porque é que estás especado diante da porta como um desconhecido e um estrangeiro? Vá, entra! Na verdade tu não és um estranho! Com efeito, ela hoje não vai amar ninguém mais do que a ti, no seu coração e na sua alma, se realmente tu possuis terras e uma casa!
Diniarco
As vossas línguas e palavras estão encharcadas de mel, mas os vossos actos e corações estão encharcados de fel e de vinagre azedo. Assim, com a língua pronunciais palavras doces, mas com o coração tornai-las amargas.
 Astáfio
 [Se os amantes não escorregam com alguma coisa, é porque eu não aprendi a arte de falar.] Não é a ti que convém falar assim, ó meu bem, mas sim àqueles que, por serem sovinas, estão em guerra com as suas próprias inclinações.
Diniarco
 Tu és manhosa e a mesma sedutora do costume.
Astáfio
Finalmente chegaste do estrangeiro, ó tão desejado! Na verdade, ó céus, a minha ama ansiava tanto ver-te.
Diniarco
Então porquê?
Astáfio
Dentre todos, és o único a quem ela ama.
Diniarco
Bravo, minhas terras e minha casa, vós viestes em meu socorro no momento oportuno! Mas dizes-me uma coisa, Astáfio?
Astáfio
Que queres saber?
Diniarco
Fronésio (puta) está agora aí dentro?
Astáfio
Para os outros não sei, seguramente que para ti está lá dentro.
Diniarco
Ela tem passado bem?
Astáfio
Espero que venha a passar ainda melhor quando te vir!
Diniarco
Este é o nosso maior defeito: quando nos apaixonamos, logo nos perdemos. Se dizem o que nós desejamos ouvir, ainda que mintam abertamente, nós, estúpidos, acreditamos que é verdade, em vez de nos irritarmos <com toda a razão>.
Astáfio
Ei! Isso não é verdade.
Diniarco
Então dizes tu que ela me ama?
Astáfio
Tu és mesmo o seu único amor.
(…)
Astáfio
(só e estalando a rir) Ah! Ah! Ah! Estou descansada, pois o meu pegamasso já foi lá para dentro. Finalmente estou sozinha. Agora de facto posso dizer livremente, à minha vontade, o que quiser e o que me der na real gana. (indicando a porta da casa da sua ama, pela qual acaba de entrar Diniarco)
Em honra deste amante, entoou a minha ama em nossa casa um canto fúnebre pelos seus bens. De facto, as suas terras e a sua casa foram hipotecadas pela possessão do Amor. Entretanto a minha ama revela-lhe à vontade os seus planos mais importantes e este é, para ela, muito mais um amigo conselheiro do que fornecedor de dinheiro.
Enquanto ele teve, deu! Agora não tem nada, mesmo! O que ele tinha, temo-lo nós e ele tem o que nós tivemos. Ocorreu um acontecimento tipicamente humano. A fortuna costuma mudar-se rapidamente. A vida é um mar de vicissitudes. Nós lembramo-nos de que este foi rico e ele lembra-se de que nós fomos pobres. As lembranças inverteram-se.
Estúpido seja quem se admirar com isso! Se ele está necessitado, é forçoso que o consintamos. Ele apaixonou-se, aconteceu-lhe o que é justo. É um sacrilégio compadecermo-nos dos homens que administram mal os seus bens.
É mister que uma alcoviteira de gema tenha bons dentes, que sorria e fale meigamente a quem quer que lhe apareça, que rumine o mal no seu coração, que fale por palavras agradáveis.
Convém que uma meretriz seja semelhante às silvas: a qualquer homem que ela tocar, deve causarlhe mal ou dano total. Convém que uma meretriz nunca conheça as razões do seu amante. Que, quando ele nada pagar, o mande para casa como um soldado pouco aplicado.
Nunca ninguém será um bom amante a não ser aquele que é inimigo dos seus próprios bens2. Enquanto tiver, então ame. Quando não tiver nada, inicie outra profissão. Se ele nada tiver, dê com resignação o seu lugar aos outros que têm.
É perda de tempo, se depois de ter dado, não tiver prazer em dar de novo. Aqui em nossa casa ama-se aquele que, depois de ter dado, se esqueceu que deu. Bom amante é aquele que, desprezando tudo o resto, arruína os seus bens.
Todavia os homens proclamam que nós costumamos proceder mal com eles e que somos avarentas! E porque o somos? Afinal, o que é que nós fazemos de mal? Na verdade, nunca nenhum amante deu o bastante à sua querida, e nem nós recebemos o suficiente! E também nunca nenhuma pediu o suficiente! De facto, quando um amante vem de mãos a abanar, se ele diz que não tem nada para nos dar, nós acreditamos piamente nele e não cobramos demasiado, uma vez que ele não tem bastante para dar.
A nossa obrigação é procurar continuamente clientes frescos que tenham realmente as suas arcas a abarrotar de presentes…



É mesmo uma vergonha esta caterva de macacas. Vieste aqui para te pavoneares com o teu esqueleto aperaltado, por teres o teu manto da cor da lama, ó desavergonhada? Ou julgas que és uma beldade, assim, com os braceletes de bronze que te ofereceram?!


Tocar-te, eu?! Pela minha enxada, eu preferiria abraçar-me no campo a uma vaca de longos cornos e passar com ela a noite inteira na sua cama de palha, a serem-me dadas de presente cem noites contigo, mesmo com uma jantarada! Tu lanças-me à cara a parvónia. (com ironia) Pois encontraste um homem que se envergonha dessa desfeita!


Se tu me parecesses estar em teu juízo, sempre te diria: “Estás a injuriar-me” (ironia)


O mal que uma mulher começou a fazer, se não o acaba de fazer, isso causa-lhe doença, isso causa-lhe mal-estar, essa desgraça causa-lhe desgraça. Se uma começou a fazer o bem, a verdade é que rapidamente se enche de aversão contra isso. Demasiado poucas são as mulheres que se cansam do mal que começaram a fazer e excessivamente poucas são aquelas que acabam de fazer o bem que começaram a fazer. Para uma mulher, fazer o mal é uma acção extraordinariamente melhor do que fazer o bem.



Não espereis, ó espectadores, que eu venha proclamar as minhas façanhas! Costumo proclamar as minhas proezas com os braços, não com palavreado.
Eu sei que muitos soldados contaram patranhas e é possível recordar não só o imitador de Homero como até mil outros depois dele, que foram refutados e condenados por contarem falsas batalhas.
[Não se deve elogiar aquele no qual acredita mais o que o ouve do que  o que o vê]. Não me agrada aquele a quem mais louvam os que o ouvem do que os que o vêem. Uma só testemunha ocular vale mais do que dez testemunhas de ouvido. Os que ouvem, contam o que ouviram; os que vêem, sabem com certeza. Não me agrada aquele a quem os papalvos elogiam, mas de quem os soldados do manípulo falam entre dentes, nem aqueles cuja língua torna rombo o gume das espadas, quando estão em casa.
Os corajosos são muito mais úteis ao povo do que os hábeis em parlapatice.
A bravura encontra facilmente uma eloquência parlapatona: pela minha parte, considero palrador, mas sem bravura, como uma carpideira, o cidadão que é capaz de fazer grandes elogios aos outros, mas não é capaz de se elogiar a si próprio.


Estratófanes (soldado)
Fronésio já deu à luz?
Astáfio (criada)
Deu à luz um menino extremamente encantador.
Estratófanes
(empertigando-se) Ena! Por acaso é parecido comigo?
Astáfio
Ainda pergunta? Como não, se, logo ao nascer, exigia uma espada e um escudo?
Estratófanes
É meu filho. Percebe-se logo pelas provas.
Astáfio
É parecido  a mais não poder!
 Estratófanes Eh pá! Bravo! Já é grande? Já se alistou numa legião? Trouxe alguns despojos?
 Astáfio
Patrão, mas ele nasceu há exactamente cinco dias!
Estratófanes
E depois? Por Hércules, em tantos dias já podia ter praticado exactamente alguma façanha! Porque saiu ele da barriga da mãe, antes de poder ir para a guerra?



(…) há em nossa casa um apaixonado que faz as piores acções, que considera os seus bens como lixo e manda levá-los para fora de casa. Tem medo, perante a opinião pública, de não parecer muito asseado. Ele quer que a sua casa esteja limpa: tudo o que ele tem em casa é varrido para o prostíbulo.
Uma vez que ele próprio caminha para a perdição, por Hércules, eu vou ajudá-lo sem dar nas vistas! Jamais, por minha intervenção, ele se arruinará menos rapidamente do que é possível. Com efeito, da mina para estas provisões, já eu fiz um abatimento. Tirei para mim cinco moedas, a parte de Hércules. É exactamente como quem que desvia para seu proveito a água de um rio. Se não a desviasse, toda essa água iria de qualquer modo para o mar: de facto, isto (apontando para as malas que os escravos levam) vai para o mar e perde-se miseravelmente sem qualquer benefício. Ao ver isto a acontecer, eu roubo às escondidas, eu abafo. Da presa, arrebanho a presa.
Eu sou da opinião que uma meretriz é tal qual o mar. Devora o que lhe deres e nunca transborda de presentes. Mas o mar ao menos guarda o que recebeu.  
Comigo guarda-se, aparece. Dês quanto deres a uma cortesã, em parte nenhuma aparece, nem para o que dá nem para a que recebe.


Palavra de honra! Afirmas que eu sou desavergonhado, logo tu que és um covil de dissolução em pessoa?


Estou salvo, porque me perco! Se eu não me perdesse, perder-me-ia completamente.


Eu preferia que os meus inimigos me invejassem a invejá-los eu. Na verdade, teres inveja dos outros que estão bem, quando tu estás mal, é uma desgraça. Os que têm inveja, é porque estão na ruína. Aqueles de quem se inveja, esses têm bens.


Diniarco
 Estou aqui, Cálicles. Peço pelos teus joelhos que tu julgues com sensatez isto que foi feito insensatamente e que me perdoes o que fiz. É que então eu não era senhor de mim, por culpa do vinho.
Cálicles
Isto não me está a agradar. Tu atribuis a culpa a um mudo, que não pode falar. Ora se o vinho pudesse falar, defender-se-ia. O vinho não costuma dominar os homens, os homens é que costumam dominar o vinho, pelo menos os que são honestos. Porém, o que é desonesto, quer beba, quer se abstenha desse licor, é todavia desonesto por natureza.



(…) pensa quão sábio animal é o ratinho, que não confia a sua existência a um buraco apenas, porque se uma entrada for bloqueada,  fica com outra escapatória .


Para proveito próprio, todas as pessoas são espertas e não se fazem esquisitas.




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