quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Voltaire- Cândido


Quem afirma que tudo está bem diz apenas uma asneira. É preciso afirmar que tudo vai pelo melhor. J

Não havia nada mais belo, mais ágil, mais brilhante, mais bem ordenado, do que aqueles dois exércitos. As trombetas, os pífaros, os clarinetes, os tambores, os canhões, formavam tal harmonia como nunca houve outra igual no inferno.

(…) creis que o Papa seja o Anticristo?

(…) estou infinitamente mais comovido pela vossa generosidade do que indignado pela dureza desse senhor.

(…) o amor, o consolador do género humano, o conservador do Universo, a alma de todos os seres sensíveis, o terno amor.

Decerto que os homens corromperam um pouco a Natureza, porque não nasceram lobos e tornaram-se lobos. Deus não lhes deu nem canhões nem baionetas, e eles imaginaram os canhões e as baionetas para se destruírem.

As desgraças particulares fazem o bem geral. De modo que quanto mais houver desgraças particulares, mais tudo irá bem.

(…) corre em socorro do marinheiro em perigo, ajuda-o a subir, e desses trabalhos resulta-lhe cair ao mar mesmo à vista do marinheiro, que o deixa morrer sem sequer o olhar.

Após o tremor de terra que destruíra três quartos de Lisboa, os sábios cogitaram em que o meio mais eficaz para prevenir a ruína total da cidade consistia em dar ao povo um rico auto-de-fé. Fora decidido pela Universidade de Coimbra que o espectáculo de várias pessoas queimadas a fogo lento, com grande cerimonial, era um segredo infalível para impedir a terra de tremer.

A queda do homem e a maldição divina são partes necessárias no melhor dos mundos possíveis.

Uma mulher honesta pode ser violada uma vez, mas a sua virtude fortalece-se.

Quando se está enamorado, ciumento, (e se foi chicoteado pela Inquisição), um homem não responde por si.

Os nossos soldados defenderam-se como autênticos soldados do Papa! Puseram-se todos de joelhos, vertendo lágrimas, e pediram ao capitão dos corsários uma absolvição.

Que pode haver de mais idiota do que carregar sem descanso um fardo que se pensa continuamente em atirar para o chão, que ter horror de si próprio, apegar-se ao seu ser e acariciar a serpente que nos ameaça até ao momento de nos devorar o coração?

(…) vos aconselho a que vos distraias, convidai cada passageiro a contar a sua história; mas se encontrar um só que nunca tenho amaldiçoado a vida e que nunca tenha dito para si mesmo que era o mais infeliz dos homens, deitem-me ao mar de cabeça para baixo.

As mulheres resolvem sempre os seus problemas com a ajuda de Deus.

Não há prazer comparável ao de ver e fazer coisas novas.

É uma coisa admirável, esse governo. O seu reino já tem trezentas léguas de diâmetro e foi dividido em trinta províncias. Os Padres são donos de tudo e o povo de nada, tudo aquilo é uma obra-prima da razão e da justiça. Quanto a mim, não sei que exista na terra coisa mais divina do que os tais Padres, que aqui fazem a guerra ao rei de Espanha e ao rei de Portugal, mas que na Europa confessam esses mesmos reis; que aqui matam os espanhóis e em Madrid os despacham para o céu.

O direito natural ensina-nos a matar o nosso próximo, e tanto assim é que se não faz outra coisa em toda a terra. Se nós não usamos do direito de o comer, é porque temos outros géneros em abundância.

Nós não fazemos preces- disse o bom e respeitável sábio, nós não temos nada a pedir, porque Deus nos deu tudo o que necessitamos; apenas lhe rendemos incessantes graças.

Gosta-se tanto de correr o mundo e fazer valer-se no regresso a casa, fazendo assim ostentação do que se viu nessas viagens…

- Meu amigo, vede como as riquezas deste mundo são falíveis; só é sólida a virtude e a felicidade de rever a menina Cunegundes.

-Quando minha mãe me vendeu na costa da Guiné, recomendou-me: “ Meu querido filho, bendiz os nossos fétiches holandeses, e adora-os sempre; por eles viverás feliz. Tens a honra de ser escravo dos nossos senhores brancos e por esse facto fazes a fortuna do teu pai e de tua mãe”
-Ai ! Não sei se fiz a fortuna deles, mas sei que eles não fizeram a minha.

-Que é isso de optimismo?
-É o furor de insistir que tudo está bem quando está mal.

O diabo intervém de tal forma nas coisas deste mundo, que tanto pode estar no meu corpo como em qualquer outra parte; (…) Ainda não vi cidade que não desejasse a ruína da cidade vizinha, nem família que não quisesse exterminar alguma outra família. Por toda parte, os fracos execram os poderosos perante os quais se arrastam, e os poderosos tratam os fracos como rebanhos de que vendem a lã e a carne. Um milhão de assassinos arregimentados, correndo a Europa, exerce o assassínio e a pilhagem disciplinadamente, porque não têm profissão mais honesta; e, nas cidades que aparentemente vivem em paz, nas cidades onde as artes florescem, os homens consomem-se com mais inveja, cuidados e inquietações do que uma fortaleza sitiada sofre tais flagelos. Os desgostos secretos são ainda mais cruéis do que as misérias públicas.

Discutiram quinze dias a fio, e ao fim dessa quinzena estavam tão avançados como no primeiro dia. Mas, enfim, falavam, comunicavam ideias, consolavam-se.

- Mas então com que fim foi o mundo criado?
- Para nos enfurecer.

- Julgais possível que os homens sempre se hajam mutuamente massacrado, como fazem agora, e que sempre tenham sido mentirosos, velhacos, pérfidos, ingratos, salteadores, avaros, ambiciosos, sanguinários, caluniadores, debochados, fanáticos, hipócritas e idiotas?
- Julgais possível que os gaviões sempre hajam comido os pombos que apanham ao seu alcance? Se os gaviões tiveram sempre o mesmo carácter, por que razão teriam os homens mudado o seu?

-É verdade que em Paris se ri sempre?
-Sim, mas é de furor; porque aqui queixam-se de tudo às gargalhadas e ainda a rir fazem as mais detestáveis ações.

- Quem é o idiota que me disse tanto mal da peça?
- É um falhado que ganha a vida a dizer mal de todas as peças e de todos os livros; odeia todos os que triunfam, como os eunucos odeiam todos os que gostam de prazer; é uma destas serpentes da literatura, que se alimentam de imundície e veneno.

Como ele discute a fundo aquilo que não vale a pena ser examinado ligeiramente! Como ele se apropria sem vergonha da graça alheia! Como ele estraga o que rapina! Como ele me repugna!

- Um sábio ensinou-me que tudo vai às mil maravilhas; o resto são sombras num belo quadro.
- Esse sábio troçava do mundo, essas sombras são manchas horríveis.

- O que é este mundo?
- Algo de muito louco e bem abominável (…) tudo não é senão ilusão e calamidade.

Os tolos admiram tudo num autor consagrado.

Como digo o que penso, cuido pouco de que os outros pensem como eu.

-Não é um prazer criticar tudo, e ver defeitos onde os outros homens crêem ver beleza?
-O mesmo será dizer que há prazer em não ter prazer.

O homem é nado e criado para viver na inquietação, ou na letargia do aborrecimento.

-Porque foi criado um animal tão exótico como o Homem? (…) o mal que cobre a terra é tão medonho!
-E que nos importa que haja mal ou bem? Quando sua Alteza envia um navio ao Egipto importa-se acaso em saber se os ratos que andam por lá estão ou não à sua vontade?

O trabalho liberta-nos de três calamidades: o aborrecimento, o vício e a necessidade.

Trabalhemos sem filosofar, porque é o único meio de tornar a vida saudável.

É preciso cultivar o nosso jardim.

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