"O
terrorista religioso é um zelota. Tem tendência a concentrar-se num único valor
e a excluir todos os outros. No caso dos terroristas muçulmanos, o valor
central é obedecer a Alá e ao Profeta e impor a lei islâmica, custe o que
custar. A religião explica-lhes o mundo e o seu lugar enquanto indivíduos, mas
ao mesmo tempo impulsiona-os à acção. Para estes zelotas não existem áreas
cinzentas, mas branco e negro, e todas as ambiguidades morais são destruídas.
As coisas são ou não são, não há meio-termo. Os terroristas vêem-se a si mesmos
como o povo de Deus e aos outros como o inimigo de Deus, e assim desumanizam o
adversário ao ponto de o quererem matar como quem mata... formigas, por
exemplo. Pretendem purificar o mundo e não percebem que apenas o conspurcam
ainda mais."
"Todos
os testes psicológicos que lhes fizemos mostram que estamos a lidar com pessoas
perfeitamente normais. Não são psicopatas nem sequer desequilibrados. São
pessoas como quaisquer outras. Aliás, quando a polícia vai falar com vizinhos e
conhecidos de um terrorista depois de ele ter cometido um atentado, a resposta
típica é de completa surpresa, uma vez que todos o achavam absolutamente banal.
E é o que eles são! Muitos terroristas mostram-se até bastante simpáticos e
afáveis, ninguém diria que eles fazem estas coisas terríveis."
" A
única fraqueza psicológica comum que lhes encontramos é sofrerem quase todos de
um forte complexo de inferioridade. Eles convivem mal com o domínio
intelectual, cultural e tecnológico do Ocidente. Como não o conseguem igualar,
sentem-se complexados e então rejeitam o Ocidente, agarrando-se à religião e
declarando-a superior a tudo. Ora só proclama superioridade, como sabe, quem
sente inferioridade. O que eles fazem é racionalizar esse complexo de inferioridade,
convencendo-se a si próprios de que eles é que são superiores, eles é que são
bons, eles é que têm razão. Na verdade, os terroristas muçulmanos encaram-se a
si mesmos como santos e mártires, pessoas que abraçam causas nobres, que dão a
vida para o bem da humanidade. O facto é que estão apenas a exorcizar o seu
complexo de inferioridade."
" Se
percebermos a forma como eles raciocinam ficamos até surpreendidos com a
maneira absolutamente lógica como tudo bate certo. Basta que demos por bons
alguns pressupostos, como, por exemplo, que as ordens do Alcorão e de Maomé são
mesmo para ser seguidas à letra. O resto é apenas consequência disso..."
"Todos
os estudos mostram que os terroristas em geral são pessoas com uma educação
acima da média, a maior parte das vezes de nível universitário. O perfil do
terrorista islâmico não é excepção. E verdade que alguns são pobres e incultos,
mas a maioria frequentou ou tirou cursos superiores e há até vários casos de
pessoas ricas. Bin Laden, por exemplo, é milionário!"
"Eu sei
que os políticos e os académicos ocidentais gostam de arranjar causas
socioeconómicas que expliquem tudo. Isso de certo modo conforta-vos, faz-vos
pensar que, se resolverem os problemas socioeconómicos desses povos, resolvem o
problema do terrorismo. Consigo perceber esse modo de raciocinar. Mas já
repararam que uma percentagem anormalmente elevada de terroristas é saudita?
Ora que eu saiba a Arábia Saudita está a nadar em petrodólares e não existem
praticamente sauditas pobres! Isso deita por terra essa conversa politicamente
correcta das causas socioeconómicas!"
"É
preciso que vocês percebam uma coisa: embora em alguns casos as questões
socioeconómicas possam de facto desempenhar um papel, os terroristas muçulmanos
são sobretudo motivados por questões religiosas. Eu sei que, para um ocidental,
isso é difícil de entender, mas é a pura verdade: os terroristas muçulmanos
limitam-se a acatar as ordens do Alcorão e de Maomé, acreditando que, através
da obediência cega às palavras divinas, conseguem libertar-se do seu complexo
de inferioridade em relação ao Ocidente".
"As
únicas bombas atómicas lançadas contra sociedades humanas foram as do Japão, em
1945. Essas explosões provocaram o colapso imediato da sociedade japonesa. Será
que o mesmo aconteceria agora? O terrorismo nuclear é uma experiência que ainda
não vivemos, pelo que só podemos calcular os efeitos sem ter muitas certezas.
Mas há algumas coisas que podemos dar por certas. Se ocorrer um atentado
nuclear na América, por exemplo, as ondas de choque serão sentidas com
brutalidade por todo o planeta. Claro que as primeiras vítimas serão as pessoas
atingidas pela explosão, muitas das quais morrerão ou ficarão feridas. Mas, tal
como aconteceu no Japão, as consequências de tal evento irão muito para além disso.
Toda a confiança das populações nos governos que as dirigem seria
automaticamente destruída. Com a perda de confiança, a economia americana
poderia quase parar. É possível que eclodissem motins, revoltas e insurreição
generalizada, tornando os Estados Unidos ingovernáveis. Ora o grande crash
financeiro de 2008 serviu para nos recordar que hoje em dia todas as economias
do planeta estão ligadas por uma rede invisível, mas bem real. E serviu também
para nos lembrar quão importante é existir confiança - confiança na economia,
confiança no sistema, confiança na administração. Um colapso da confiança na
América poderia suscitar um novo colapso da economia mundial. É possível que a
nossa civilização sobreviva a um choque desses. Mas se os terroristas tiverem a
intenção de destruir o Ocidente, é só uma questão de fazerem depois explodir
uma segunda bomba atómica e uma terceira e uma quarta. Meus amigos, garanto-vos
que a nossa civilização não sobreviveria a uma catástrofe dessas. Aqueles que
pensam que o terrorismo nuclear é apenas um problema americano deveriam pensar
melhor.
"A
mensagem de Alá é uma mensagem de bondade, de piedade e de tolerância. No
último sermão que fez antes de morrer, Maomé disse: «Não existe superioridade
de um árabe em relação a um não árabe, nem de um não árabe sobre um árabe, nem
de um branco sobre um negro, nem de um negro sobre um branco, excepto a
superioridade que se obtém através da consciência de Deus»."
"Quando Maomé disse que não havia
superioridade de raças, estava a dizer o que vem no Alcorão."
"Claro."
"Mas, xeque, nessa mesma frase o
Profeta torna claro que, não havendo superioridade de raças, há superioridade
no islão. O que o apóstolo de Alá diz é: não há superioridade entre os homens
«excepto a superioridade que se obtém através da consciência de Deus». Ou seja,
os muçulmanos são superiores. Alá diz na sura 3, versículo 19: «A religião,
para Deus, é o islão.»"
"Claro, o islão é a submissão a Deus.
Quem se submete a Deus é superior. Mas lembra-te de que os Adeptos do Livro
também têm consciência de Deus..."
"É uma consciência deturpada
pelos rabinos e pelos padres, xeque. Não é a verdadeira consciência. Eles só
têm conhecimento de Deus através de intermediários, não de forma directa, como
nós."
"É
verdade", reconheceu o mestre. "E então?"
"Isso mostra que não somos todos iguais,
xeque."
"Admito
que não", reconheceu Saad.
"Mas
lembra-te que Alá diz na sura 2, versículo 62: «Na verdade, os que crêem, os
que praticam o judaísmo, os cristãos e os sabeus - os que crêem em Deus e no
Último Dia e praticam o bem - terão a recompensa junto do seu Senhor. Para eles
não há temor.» A mesma mensagem é repetida em dois outros versículos. Como vês,
as pessoas boas dos Adeptos do Livro serão recompensadas por Alá. Isto mostra
tolerância para com as outras religiões."
"E, no entanto, na sura 5,
versículo 51, Alá torna claro que um crente não pode ser amigo de um judeu ou
de um cristão..."
"É verdade." Ahmed voltou a hesitar,
na dúvida sobre se deveria expor o que tinha em mente, mas desta feita venceu a
hesitação.
"E há outra coisa, mas peço-lhe
que não se zangue com aquilo que vou dizer ...."
Saad sorriu,
benigno. "Fica descansado."
"O senhor disse há
pouco que Alá proibiu no Alcorão que se matasse."
"Sim."
"Mas se assim é, xeque, por que
razão a sura 2, versículo 193, diz: «Matai-os até que a perseguição não exista
e esteja no seu lugar a religião de Deus»? Se assim é, por que razão o
versículo 191 da mesma sura diz: «Se vos combatem, matai-os: essa é a
recompensa dos incrédulos.» Se assim é, por que razão Alá ordena no Alcorão a
morte dos que cometem certos crimes? Afinal, matar é ou não proibido?"
O mestre
ficou momentaneamente sem saber o que dizer. "Bem... quer dizer, é
proibido, mas... também é permitido... enfim... é permitido, mas só em certas
circunstâncias, claro."
"É isso, xeque. É permitido em certas
circunstâncias. Mais do que isso, a morte é ordenada, como acontece no caso dos
crentes envolvidos em assassínio, apostasia ou relações sexuais ilegais ou no
caso dos kafirun. Lembre-se que a sura 4, versículo 29, se dirige aos crentes,
não aos kafirun. «Ó vós que credes», diz Alá: «Não vos mateis!" Ou seja,
não mateis outros crentes, não mateis outros muçulmanos, com excepção dos
criminosos. Mas Alá não proíbe a matança de kafirun. Aliás, ainda nem sequer
falámos sobre o que vem na sura 9, versículo 5, onde Alá..."
"...
na sura 9, versículo 5, Alá diz: «Matai os idólatras onde os encontrardes.
Apanhai-os! Preparai-lhes todas as espécies de emboscadas!»"
(…)"Está
bem, mas essa ordem foi dada no contexto de urna batalha específica, não pode
ser lida como ordem geral."
"Só não é lida como ordem geral
por quem não a quer ler assim, xeque", devolveu o pupilo com um esgar
sobranceiro. "É evidente que todos os versículos do Alcorão têm um
contexto. Mas não é Alá As-Samad, o Eterno? Então as Suas ordens, embora sempre
proferidas num contexto, também são eternas. Quando Alá, na Sua infinita
sabedoria, revelou ao Profeta o versículo a ordenar que certas acusações
envolvessem um mínimo de quatro testemunhas, essa ordem tem ou não tem um
contexto?"
"Claro
que sim."
"E, no entanto, é eterna. O mesmo se
passa com a ordem da matança dos idólatras. Como todos os versículos do
Alcorão, esse versículo tem igualmente um contexto. Porém, é tão eterno quanto
os outros. "O senhor mesmo disse várias vezes que
o Livro Sagrado é atemporal. Se assim é, este versículo também o é."
"Por
que razão os jihadistas ainda não fizeram explodir uma dessas bombas?"
"Porque uma bomba dessas teria a morada
do remetente. O que eu quero dizer é que as bombas atómicas têm uma assinatura
individual que pode ser lida. A NEST possui uma base de dados muito completa
sobre tudo o que diz respeito à concepção de armas nucleares, de textos
publicados em revistas científicas a passagens de romances de espionagem. Está
tudo lá. No caso de uma bomba nuclear ser detonada, a NEST tem por obrigação
analisar as características da explosão, incluindo a sua força destrutiva e a
composição dos isótopos da chuva radioactiva que inevitavelmente se seguirá.
Essas características serão comparadas com a informação de que dispomos sobre
os arsenais nucleares já existentes. Na nossa base de dados possuímos elementos
muito concretos relativos às bombas que estão na posse do Paquistão, da índia,
da Coreia do Norte... de toda a gente. Comparando as características da
explosão com esses dados poderemos saber qual foi o país que construiu a bomba
detonada e a entregou aos terroristas. Ou seja, as características da explosão
dão-nos a morada do remetente. Sabendo onde os terroristas foram buscar a bomba
poderemos retaliar, destruindo o país que a entregou aos terroristas. É isso que tem
impedido os militares paquistaneses de entregarem armas nucleares aos
jihadistas muçulmanos. Eles sabem que nós podemos localizar a origem da
bomba."
O poder cria
muitos inimigos.
Existem dois
tipos de bombas nucleares. Uma é a de plutónio, preferida pelas forças armadas
por ser altamente físsil, o que permite provocar uma explosão com pequeníssimas
quantidades, tornando-se portanto miniaturizável. A bomba de Nagasáqui, por
exemplo, era uma bomba de plutónio. Mas um engenho destes levanta alguns
problemas delicados. O primeiro é a sua construção. A bomba de plutónio detona
por implosão, o que requer uma engenharia complexa e muito minuciosa de
simetria explosiva. Além do mais, o plutónio é de difícil manuseamento por ser
altamente radioactivo. Basta respirarmos quantidades ínfimas deste elemento
para morrermos." (…)"Mas nenhum grupo terrorista irá para a bomba de
plutónio, devido aos problemas que acabei de enumerar.
A opção será
sempre a bomba de urânio, do género da utilizada em Hiroxima. Trata-se de um
engenho que usa urânio altamente enriquecido, contendo mais de noventa por
cento do isótopo físsil U-235. Se estivermos na posse de urânio altamente
enriquecido com esse isótopo, podemos montar uma bomba atómica em qualquer lado
- até numa garagem. Tendo urânio altamente enriquecido, a construção do engenho
é de uma simplicidade infantil." "Reparem, o que é exactamente o
urânio altamente enriquecido? Em forma natural, o urânio é constituído por três
isótopos: U-234, que é residual, U-235 e U-238. Para efeitos militares, apenas
interessa o U-235. O problema é que, quando se extrai o urânio da terra, a
presença deste isótopo é inferior a um por cento. A esmagadora maioria do
urânio em estado natural é constituída pelo isótopo U-238. É preciso, pois,
processar o urânio em centrifugadoras de modo a eliminar o U-238 e enriquecer a
proporção do isótopo U-235. Estão a perceber?"É isso o enriquecimento. Procura-se enriquecer o urânio com o isótopo
U-235. E essa é a única parte complexa da produção de uma bomba atómica. O
urânio extraído da terra é esmagado e molhado em ácido sulfúrico, de modo que
só sobreviva o urânio puro. Esse urânio puro é secado e filtrado,
transformando-se num pó chamado yellowcake. Este pó é então submetido a um gás
a temperaturas elevadas e convertido assim num composto gasoso que depois é
enviado para máquinas de rotação supersônica chamadas centrifugadoras. À medida
que as centrifugadoras rodam, os diferentes pesos dos isótopos levam-nos a
separarem-se, com o mais pesado, o U-238, atirado para o exterior das
centrifugadoras e o mais leve, o U-235, a fixar-se mais perto do eixo. O gás
vai passando de centrifugadora em centrifugadora, extraindo a cada passo mais
U-235. Este processo requer cerca de mil e quinhentas centrifugadoras a
trabalharem em cascata durante um ano até se conseguir apurar U-235 suficiente
para cruzar o ponto crítico de detonação. Nessa altura o gás é convertido num
pó metálico, chamado óxido de urânio, e finalmente num metal cinzento, de
preferência com a forma de um ovo. Ao tocarmos nele verificamos que é frio e
seco.
"Claro
que é radioactivo. Mas tem baixa toxicidade. O urânio altamente enriquecido é
tão tóxico como... sei lá, como o chumbo, por exemplo. Se uma pessoa respirar
ou engolir traços deste elemento irá sentir-se mal disposta, claro, mas apenas
isso. O urânio altamente enriquecido é moderadamente radioactivo, o que significa
que pode ser manuseado sem luvas e até transportado numa simples mochila. Com
um pouco de protecção nem sequer é assinalado pelos detectores de radiação,
vejam só. É por isso que uma bomba atómica de urânio é tão interessante para os
terroristas. Podemos até dormir com uma pequena quantidade deste material
debaixo da almofada!" Ergueu o indicador. "Mas, atenção, há alguns
cuidados que é preciso ter. O urânio altamente enriquecido não pode ser
amontoado a partir de determinadas quantidades, uma vez que ocasionalmente os
átomos de U-235 dividem-se de forma espontânea, disparando neutrões que, a
partir de uma massa com urna certa dimensão, poderiam dividir um número de
átomos suficiente para provocar uma reacção em cadeia e uma consequente
explosão nuclear. O quê eu quero dizer é que há um valor crítico de massa de
urânio enriquecido que não pode ser cruzado. Se estivermos na posse deste
material, temos de ter o cuidado de o manter separado em pequenas quantidades
subcríticas.
"No caso do urânio altamente enriquecido,
qual é o valor crítico. Como é que eu sei que a quantidade de material na minha
posse é sub-crítica ou crítica?"
"A
massa crítica de urânio é inversamente proporcional ao nível de enriquecimento.
O nível mais baixo de enriquecimento necessário para desencadear uma reacção
nuclear é vinte por cento. Nesse caso, teria de se acumular quase uma tonelada
de urânio para provocar uma explosão nuclear espontânea. Na outra extremidade
do espectro está o enriquecimento a noventa por cento ou mais. Neste caso
bastam pequenas quantidades."
"Quanto?"
"Uns cinquenta quilos." Fez um gesto
com as mãos, indicando o volume. "Fica assim com o tamanho de uma bola de
futebol."
"Está a dizer-nos que, se eu
juntar cinquenta quilos de urânio enriquecido a noventa por cento, posso gerar
uma explosão nuclear espontânea?"
"Sim. É
tão simples como isso! Daí que a construção de uma bomba destas seja tão
fácil." Pegou numa caneta e pôs-se a rabiscar um desenho numa folha A4.
"Basta construir um tubo... pôr vinte e cinco quilos de urânio altamente
enriquecido numa extremidade, a que chamaremos bala... pôr outros vinte e cinco
quilos na outra extremidade, a que chamaremos alvo... pôr um pouco de material
propulsor atrás da bala... disparar a bala em direcção ao alvo... as duas
quantidades subcríticas colidem, tornando-se críticas... e bang, dá-se a
reacção nuclear!" A bomba de Hiroxima era assim."
"Em
última instância, os terroristas podem nem sequer construir este engenho.
Basta-lhes pôr vinte e cinco quilos de urânio altamente enriquecido no chão,
subir a um primeiro andar e lançar das alturas os outros vinte e cinco quilos
de urânio altamente enriquecido sobre o material que deixaram no chão. Quando
as duas partes subcríticas colidirem, e apesar de não estarem dentro de um
engenho, podem fazer cruzar o limiar crítico e desencadear a explosão
nuclear." Encolheu os ombros. "Brincadeira de crianças."
"Há situações que não estão
previstas no Livro Sagrado. "
"Claro que há. Como fazes para as
resolver? "
"Julguei
que estava tudo previsto no Alcorão, senhor professor."
"Pois
não está".
(…)"O que fazemos agora quando
aparece alguma coisa que não está esclarecida no Livro Sagrado?" "
"Boa
pergunta! Esse foi justamente o problema que os primeiros crentes enfrentaram
quando o apóstolo de Deus foi para o Paraíso, que Alá o tenha para sempre
consigo."
"O que fizeram eles para o
resolver?"
"Como sabes, a autoridade passou para o
sucessor do Profeta, não é verdade? Quem ficou a mandar foi o primeiro califa,
Abu Bakr. Sempre que havia uma disputa, as pessoas recorriam a Abu Bakr ou a
alguns dos outros companheiros de Maomé, todos eles testemunhas de anteriores
decisões do apóstolo de Deus, como a sua segunda mulher, Aisha, e ainda Ma'az
ibn Jabel, Abu Hurairah, Abu Obayda ou Omar ibn Al-Khattab. Os companheiros do
Profeta actuavam como juízes e consultavam o Santo Alcorão. Quando o Livro
Sagrado não dava resposta, aplicava-se o que Alá estabelece na sura 33,
versículo 21: «No Enviado tendes um formoso exemplo», e na sura 4, versículo
80: «Quem obedece ao Enviado obedece a Deus.» Ou seja, o Profeta, que a paz
esteja com ele, é um exemplo para ser seguido. Daí que procurassem orientação
em episódios da vida de Maomé, que a paz esteja com ele."
"Os ahadith relatam histórias de Maomé,
que a paz esteja com ele, estabelecendo desse modo a sua sunnah, ou exemplo. Os
episódios da vida do Profeta, que a paz esteja com ele, servem assim de fonte
legal, só suplantados pelo Santo Alcorão." Alterou o tom da voz, como se
fizesse um aparte. "Aliás, muitos versículos do Livro Sagrado só se
entendem se conhecermos as circunstâncias em que apareceram. Essas
circunstâncias estão relatadas justamente nos ahadith."
"Mas,
senhor professor, como sabemos se esses episódios narrados nos ahadith
ocorreram mesmo? O meu mullah disse-me que há muitos ahadith
falsificados..."
"E
disse bem. Há imensos relatos fraudulentos de episódios da vida de Maomé, que a
paz esteja com ele. Foi por isso que, duzentos anos depois da morte do Profeta,
que a paz esteja com ele, alguns estudiosos se puseram a coleccionar ahadith e
a verificar a forma como foram transmitidos ao longo do tempo, de modo a
garantir a sua fiabilidade. A colecção mais importante é a do imã Al-Bakhari,
que analisou trezentos mil ahadith e determinou que dois mil eram autênticos,
uma vez que conseguiu seguir-lhes a pista até ao próprio mensageiro de Alá.
Esses ahadith estão publicados numa colecção chamada Sahih Bukhari. Também o
imã Muslim fez uma colecção muito credível, conhecida por Sahih Muslim.'"
"Portanto, qualquer hadith que esteja
nessas colecções é considerado verdadeiro?"
"Sem dúvida", assegurou o professor.
"Mas deixa-me voltar à questão de como se formam as leis islâmicas, porque
isso é importante. Imagina agora que era preciso pronunciar uma decisão
legal... uma fatwa. O que se fazia? Se o Santo Alcorão era omisso quanto ao
assunto em apreço, ia-se ter com Aisha e ela lembrava-se de uma sunnah, um
exemplo da vida de Maomé, que a paz esteja com ele, que se adaptava à
circunstância em questão. Mas imagina que não lhe ocorria nenhum episódio, não
encontrava nenhum hadith adequado. O que fazia ela? Dizia para a pessoa ir
falar com Abu Obayda, por exemplo. Talvez ele se lembrasse de algum hadith
apropriado. Se Obayda não se lembrasse, remetia a pessoa para Abu Bakr."
"E se o califa também não
tivesse resposta?"
"Bom, nesse caso reunia um conselho e
apresentava a questão, perguntando se alguém se lembrava de alguma coisa na
vida de Maomé, que a paz esteja com ele, que resolvesse o problema. Se ninguém
se lembrasse, então o conselho pronunciava uma nova decisão, mas sempre
inspirada no espírito do Santo Alcorão ou da sunnah."
"Isso
não é uma ijma'ah?"
"Sim, essas decisões são as ijma'ah.
Portanto, a fonte superior do islão é o Santo Alcorão. Quando o Livro Sagrado
não tem resposta, vamos aos ahadith que contam episódios da vida do Profeta,
que a paz esteja com ele, e extraímos uma sunnah, um exemplo apropriado ao
problema. Quando os ahadith não têm resposta, os sábios emitem uma ijma'ah
inspirada no Santo Alcorão ou na sunnah."
"Mas
isso era no tempo em que ainda viviam pessoas que conheceram o Profeta. Como se
fazem hoje as ijma'ah?"
"Da
mesma maneira, com um conselho de sábios. Grande parte das ijma'ah é
actualmente pronunciada pelo Conselho Islâmico para a Pesquisa, que se reúne
aqui no Cairo, na Universidade Al-Azhar."
"Tenho uma dúvida, senhor
professor: como podemos ter a certeza de que as decisões desses sábios são
todas acertadas?"
"Pois, esse é um problema",
reconheceu o professor Ayman, o olhar de repente toldado. "O Conselho
Islâmico para a Pesquisa está sob influência do governo e as suas ijma'ah
tendem a ser feitas para agradar ao governo, não a Alá." Abanou a cabeça.
"Isso não pode ser. Eu acho que a umma não pode confiar nestes sábios que
só dizem o que é conveniente, não o que é verdadeiro. Há outros sábios cujas
ijma'ah são mais fiéis ao Santo Alcorão ou à sunnah."
"Quem?"
"O
grande mufti da Arábia Saudita, por exemplo. Ou a Escola de Lei Islâmica do
Qatar."
"Senhor professor, ainda não
percebi bem. Permita-me que lhe faça uma pergunta! Não entendo o que tem isto a
ver com o problema dos kafirun", disse, retomando a questão que ali o
levara. "O mullah da minha mesquita diz que os cristãos são os mais
próximos de nós e que devemos perdoar e contemporizar. Isso está de facto dito
por Alá no Alcorão. Mas, ao mesmo tempo, Alá diz outras coisas no Livro
Sagrado. Diz que não podemos ser amigos dos kafirun judeus e cristãos. Diz que
devemos matar os kafirun até que a perseguição pare e eles se convertam e
deixem de ser kafirun. Diz que devemos preparar todas as espécies de emboscadas
aos idólatras e matá-los. Afinal onde está a verdade?"
"Está
em tudo o que te disse." O aluno sacudiu a cabeça, inconformado.
"Desculpe, mas continuo a não
entender. O que têm estas coisas de que o senhor professor falou a ver com o
problema dos kafirun?"
"Têm tudo. Tudo. O Santo Alcorão e os
ahadith contêm uma resposta clara para o problema dos kafirun."
"Qual
resposta? "
"Já
ouviste falar na nasikh?"
"Sim... "
"Bem... é a revelação progressiva do
Alcorão."
"Sim, mas o que quer isso
dizer?"
"Nasikh
é a chave para as aparentes contradições do Alcorão. Na verdade não há
contradições nenhumas. O Livro Sagrado é perfeito. Nasikh significa que Alá
decidiu, na Sua imensa sabedoria, revelar progressivamente o Santo Alcorão.
Podia ter revelado tudo de uma vez, mas Deus, que tudo sabe e tudo planeia,
optou por fazê-lo por fases, através do sistema de revelação progressiva, ou
nasikh. Isso quer dizer que as novas revelações cancelam as anteriores.
Compreendeste?"
"Hmm... sim."
"Mas eu
explico-te melhor. Antes de Meca, para que direcção o Santo Alcorão mandava os
crentes rezarem?"
"Al-Quds."
"Exactamente!
Primeiro foi mandado aos crentes que rezassem na direcção de Al-Quds e depois
na direcção de Meca. Parece haver aqui uma contradição. Afinal, qual a ordem
que é válida?" "Ora, a segunda." "Isso é nasikh, ou abrogação.
Através do Santo Alcorão, Alá mandou primeiro rezar na direcção de Al-Quds e
depois na de Meca. Quando há contradição aparente, aplica-se o princípio da
revelação progressiva. As novas revelações cancelam as anteriores. A ordem de
rezar na direcção de Meca cancelou a anterior. O mesmo acontece com o álcool,
por exemplo. Primeiro o álcool era permitido em todas as circunstâncias, depois
passou a ser proibido só durante a oração e mais tarde foi proibido em qualquer
circunstância. Qual a ordem que é válida?"
"A
última, claro."
"Nasikb!
As revelações anteriores são canceladas pelas novas. É isso a abrogação.
Podemos continuar a ler os versículos cancelados no Santo Alcorão, claro, mas
já não são válidos.
"Agora
é preciso que percebas mais outra coisa", disse. "A revelação
progressiva divide-se em dois períodos fundamentais: o de Meca e o de Medina. O
primeiro período é o de Meca, altura em que o Profeta, que a paz esteja com
ele, nunca falou em guerras e defendeu a tolerância e o perdão para com os
Adeptos do Livro. Neste primeiro período de treze anos, ele limitou-se a pregar
e a rezar e a meditar. O único conflito que teve foi com a adoração dos ídolos.
Mas depois o Profeta, que a paz esteja com ele, fugiu para Medina e tudo mudou.
Neste segundo período ele quase só falou em guerras e passou a pregar o islão
com a espada na mão. Comandou pessoalmente os crentes em vinte e seis batalhas,
ordenou a morte de pessoas, regozijou-se quando lhe mostraram as cabeças
decapitadas dos seus inimigos e combateu os Adeptos do Livro. Agora repara:
quando começou a era islâmica?"
"Foi
com a Hégira."
"Que
foi justamente a fuga do Profeta, que a paz esteja com ele, para Medina. Isso
quer dizer que a fase de Medina é que é a do verdadeiro islão, não a fase de
Meca. Se fosse a de Meca, a era islâmica teria começado com a primeira
revelação. Mas não. A era islâmica só começou quando Maomé, que a paz esteja
com ele, foi para Medina; só se iniciou quando o Enviado de Deus, que a paz
esteja com ele, começou a pregar a guerra e a intolerância para com os Adeptos
do Livro. E eu pergunto-te agora: em que fase da revelação progressiva do islão
está dito por Alá no Santo Alcorão que, em relação aos judeus e aos cristãos,
devemos perdoar e contemporizar?"
"Na fase de Meca."
"E em
que fase está dito que devemos emboscar e matar os idólatras?"
"Na de Medina, claro."
"À luz
do princípio de nasikh, o que se deve concluir quanto a essa aparente
contradição?"
"A
fase de Medina é posterior à fase de Meca", constatou Ahmed. "Logo, a
revelação que está na sura 9 cancelou a da sura 2. É essa a ordem de Alá que
permanece válida. A que se encontra na sura 9, versículo 5."
Ayman abriu
os braços, fechou os olhos, levantou o rosto e, com a expressão mística de um
asceta em transe, entoou o versículo que a revelação progressiva autenticara."«Matai
os idólatras onde os encontrardes. Apanhai-os! Preparai-lhes todas as espécies
de emboscadas!».
"A
verdade, é que a Al-Qaeda acredita que toda a terra que foi muçulmana tem de
voltar a ser muçulmana. Bin Laden quer recuperar o Al-Andalus para o integrar
no grande califado. O público está a ser mantido na ignorância, mas há
políticos que sabem muito bem o que se passa. O antigo ministro alemão dos
Negócios Estrangeiros, Joschka Fischer, afirmou em círculos restritos que, se
Israel cair, o próximo país a ser atacado será, com toda a certeza, Espanha."(…)
"Não há dúvida de que está
montado um grande problema para Espanha."
E para
Portugal. Já se esqueceu do que era Portugal antes de se formar como
país?"
"Você está a insinuar que a
Al-Qaeda... a Al-Qaeda já tem os olhos postos em Portugal?"
"Oiça
lá, que territórios integravam afinal o Al-Andalus?"
"Bem, Espanha e... e Portugal,
claro."
(…) viam os
monges cristãos fechados num mosteiro a dizer que estavam em meditação para
comungar com Deus e para encontrar a paz e o amor. Toda essa conversa influenciou
os crentes fracos, muitos dos quais se puseram então a falar no amor de Alá,
não na força de Alá. Nasceu assim o sufismo, um movimento que prega o amor, a
paz e a espiritualidade.
"Pois
ficai a saber que o sufismo não é islão "
"O mero
respeito de alguns preceitos do islão não faz de uma pessoa um crente. Para se
ser muçulmano é preciso respeitar todos os preceitos, sem excepção. Todos. É
isso o que Alá diz na sura 4, versículo 65 do Santo Alcorão e é isso o que está
estabelecido na sunnab do Profeta, como é relatado num hadith apropriado. O
mensageiro de Alá comandava homens no campo de batalha e os sufis vêm agora
desvalorizar a importância da guerra? Os sufis renegam o exemplo do Profeta,
que a paz esteja com ele, e ainda acham que são crentes? Acaso não está
estabelecido por Alá na sura 33, versículo 21 do Santo Alcorão: «No Enviado
tendes um formoso exemplo»? Se o Profeta, ele próprio, fazia a guerra e mandava
degolar kafirun, não é isso um formoso exemplo? Se ele mandava matar em guerra,
quem são os sufis para desvalorizar a guerra?"
"Onde
está dito no Santo Alcorão que devemos evitar o uso da força?"
"Está ... está na... na sura 3,
senhor professor."
"Recita o versículo."
«Esses que praticam a caridade,
obedecendo a Deus nas alegrias e nas desgraças, que reprimem a cólera e apagam
a ofensa dos homens - Deus ama os que fazem o bem!»"
"Só
isso?"
"Há outras suras onde... onde
Alá diz o mesmo, senhor professor."
"Claro
que há. Por exemplo, na sura 42, versículo 37, Deus promete o melhor para
aqueles «que se afastam dos grandes pecados e das torpezas e que, quando se
irritam, perdoam»." Encolheu os ombros. "E depois? Alá quer que haja
perdão entre os crentes e que se faça o bem. Perdoemos então e façamos o bem
entre os crentes. É por isso que somos bons muçulmanos. Mas engrandecer o islão
também é fazer o bem! Perdoar os kafirun que se convertam ao islão também é
perdoar! Há, no entanto, limites ao perdão. Ou não há? O que diz Alá no Santo
Alcorão para os que roubam? Diz para perdoar? Não! Diz para lhes cortarem as
mãos! O que diz Alá através da sunnah para as adúlteras? Diz para perdoar? Não!
Diz para as lapidarem até à morte! O que diz Alá no Santo Alcorão para os
idólatras? Diz para perdoar? Não! Diz para os emboscar e para os matar! O Santo
Alcorão é para ler no seu todo, a sharia é para ser respeitada no seu todo!
Entenderam? "Os sufis enfraqueceram o islão."Quando os kafirun
cruzados invadiram o islão e conquistaram Al-Quds, que Alá os amaldiçoe para
sempre, alguns sufis opuseram-se ao uso da força, dizendo que a guerra pregada
no Santo Alcorão não era física, mas espiritual. Esta conversa enfraqueceu o
islão e foi por causa desses sufis malditos que os cruzados conseguiram
humilhar a umma. E quando, mais tarde, os Mongóis atacaram e conquistaram a
sede do califado, Bagdade, vários sufis repetiram a mesma heresia, afirmando
que não se devia lutar com as armas, que pela força não se resolvia nada...
essa conversa cristã. Qual foi o resultado disso? Enfraqueceram de novo o islão
e deixaram mais uma vez humilhar a umma! E sabem quem se ergueu contra os sufis
e os denunciou como hereges? Foi Ibn Taymiyyah! Sabem o que disse Ibn
Taymiyyah?"."Ibn Taymiyyah declarou que o sufismo é um movimento
cristão!" Ergueu o dedo, para sublinhar a afirmação. "Um movimento
cristão! Dizem-se crentes, mas são cristãos! Tal como os kafirun cristãos, os
sufis acham que, quando oram a Alá, eles estão com Alá e Alá está com eles.
Onde se encontra isto escrito no Santo Alcorão? Em parte nenhuma! Esse tipo de
oração é dos kafirun cristãos, não de um verdadeiro crente! E ainda por cima os
sufis puseram-se a interpelar os santos, exactamente como os infiéis cristãos e
xiitas, negando assim que só existe um Deus." Voltou a apontar para o
aluno. "Eles não passam de kafirun a fingir-se crentes! Não se deixem,
pois, enganar por esses apóstatas! O islão que os sufis pregam não é o islão
que está no Santo Alcorão! Leiam o que se encontra de facto escrito no Livro
Sagrado e conhecerão a palavra de Deus. Não deixem que os intermediários façam as
interpretações que lhes convêm!
(…) o
versículo 34 da sura 4: «Os homens têm responsabilidade sobre as mulheres,
porque Deus favoreceu a uns em relação aos outros, e porque eles gastam parte
das suas riquezas em favor das mulheres»"; "«As mulheres piedosas são
submissas às disposições de Deus; são reservadas na ausência dos seus maridos
no que Deus mandou ser reservado. Àquelas de quem temais desobediência,
admoestai-as, confinai-as nos seus aposentos, castigai-as. Se vos obedecem, não
procureis pretexto para as maltratar. Deus é altíssimo, grandioso»."
"«Meu Deus, como és bom com
aquele que vai contra os Teus princípios»"? Mas o que é isto? Alá é bom
com quem não O respeita? Onde estaria isso escrito?
Descobriu
que se tratava de uma ordem ligada a Bahauddin Naqshband, o santo de Bucara que
viveu no século xiv. A meio do texto, o livro referiu a corrente islâmica a que
pertencia essa ordem. Era sufi.
Onde já se vira tal coisa? Muçulmanos
a comungar com Deus? Muçulmanos a usar a meditação, a música e a dança para se
unirem ao Misericordioso? Onde estava isso escrito no Alcorão? "Quem são estes homens?"
"Ascetas
sufis."
O xeque era um sufi! E o que era um
sufi senão um muçulmano submetido a influências cristãs? Um kafir, portanto.
Isso queria dizer que ele, Ahmed, estava a ser ensinado por um kafir! Isso
queria dizer que o verdadeiro islão não era aquele que o xeque lhe explicava
nas suas lições. Pior ainda, o verdadeiro islão não era aquele que o mullah
pregava todas as sextas-feiras na mesquita. Ele e a família estavam a ouvir uma
doutrina cristã encapotada, não o verdadeiro islão! O verdadeiro islão era
outro. O verdadeiro islão era o que se encontrava exposto por Alá no Alcorão e
exemplificado pelo Profeta na sunnah. O verdadeiro islão era o da sura 9,
versículo 5. "«Matai os idólatras onde os encontrardes. Apanhai-os!
Preparai-lhes todas as espécies de emboscadas!»" Como poderiam os
verdadeiros muçulmanos ignorar tão claras ordens de Alá?
Além disso,
concluiu que o islão desviante era defeito geral no Egipto, o medo de
desagradar ao governo parecia maior do que a fé desses clérigos cobardes.
"Os
sufis é a corrente mais pacífica do islão, juntamente com a dos ismaelitas; vivem
em paz e harmonia. Para eles a jihad é um conceito de luta do espírito para
atingir a perfeição, não é necessariamente guerra nem matança."
"É isso
mesmo o que diz Alá no Santo Alcorão! Para se ser muçulmano é preciso respeitar
sempre todas as leis. Basta falhares em algumas delas e deixas de ser
muçulmano. "
"«Não
há nenhum Deus senão Alá.» Isso significa que todas as outras autoridades
existentes na Terra, incluindo presidentes e governos, valem menos do que a
vontade de Alá, expressa directamente no Santo Alcorão. Isto quer dizer que a
vontade de Alá tem de ser obedecida, mesmo que isso implique desobedecer a um
presidente ou a um polícia. Alá manda acima de todos. "
(…) "
Somos totalmente livres! O islão liberta o homem das imperfeitas leis e
tradições humanas e submete-o unicamente a Deus. O universo inteiro fica assim
sob a autoridade de Alá, e o homem, sendo uma ínfima parte desse universo,
passa a obedecer às leis universais. A Lei Divina regula todas as matérias e
põe o homem em harmonia com o resto do universo. O ser humano liberta-se. No
islão não interessa a raça, a língua, a nacionalidade, a classe social, somos
todos gotas de água que se juntam num ribeiro e todos os ribeiros convergem
para um grande rio que desagua no oceano imenso. Compara, por exemplo, o
império de Deus com os impérios humanos do passado. "
(…)"Olha
para os grandes impérios europeus, como o britânico, o espanhol, o português ou
o francês! Todos eles eram fundados na ganância e no orgulho, na opressão e na
exploração de povos. Olha para o império comunista! Em vez de mandarem os
nobres, ali quem manda é o proletariado, ou, para ser mais verdadeiro, uma
elite privilegiada que usurpou o poder em nome do proletariado. Todo o
comunismo é fundado na luta de classes, não na harmonia. Compara tudo isso com
o islão, que liberta o ser humano destes grilhões e o submete universalmente à
Lei Divina. "
"Alá
instituiu o islão justamente para pôr fim ao culto das imperfeitas leis
humanas. Todas as pessoas da Terra devem obediência a Deus e a Deus apenas.
Ninguém tem o direito de fazer leis. Aceitar a autoridade pessoal de um ser
humano é aceitar que esse ser humano partilha a autoridade de Alá. Isso é
heresia! Isso é a fonte de todos os males do universo!"
Numa
democracia são as pessoas que decidem o que se pode ou não fazer, o que se pode
ou não proibir. Isso é contra o islão! No islão as pessoas não têm o poder de
decidir o que é legal ou ilegal. Esse poder é exclusivo de Alá!
" É
preciso entender um conjunto de coisas sobre o islão", disse. "A
primeira, e talvez a mais importante de todas, é que o islão não é o
cristianismo. Nós temos esta fantasia de que os profetas promovem sempre a paz
e de que para eles a vida é sagrada, seja em que circunstâncias for. Em momento
algum os profetas aceitam que se faça guerra e se mate outras pessoas. E ou não
é verdade?"
"Bem...
sim, é verdade. Mas também é verdade que a maior parte das guerras são
provocadas pelas religiões! Quantas matanças não se fizeram em nome de
Cristo?"
"Ordenadas
por Cristo?"
"Não, claro que não. Mas em nome
dele..."
"Não confunda coisas. Quando um cristão
faz a guerra, é importante que perceba que ele está a desobedecer a Cristo. Não
foi Jesus que disse que, quando nos batem numa face, devemos dar a outra? Ao
recusar-se a dar a outra face e ao optar pela guerra, o cristão está a
desobedecer ao seu Profeta, ou não está?"
"Claro que sim."
"Pois
essa é uma importante diferença entre o cristianismo e o islão. É que, no
islão, quando um muçulmano faz a guerra e mata gente pode estar simplesmente a
obedecer ao Profeta. Não se esqueça de que Maomé era um chefe militar! No islão
pode acontecer que o muçulmano que se recuse a fazer a guerra seja precisamente
aquele que desobedece ao seu Profeta!"
"Está a falar a sério?"
"Registe isto que eu lhe vou dizer. A
maior parte do Alcorão é constituída por versículos relacionados com a
guerra"
"Isso não pode ser!",
exclamou. "Sempre ouvi dizer que o islão é totalmente pacífico e
tolerante."
"E é,
se formos todos muçulmanos. O islão impõe regras de paz e concórdia entre os
crentes. O problema é se não formos muçulmanos. Está escrito no Alcorão, creio
que no capítulo 48: «Muhammad é o Enviado de Deus. Os que estão com ele são
duros com os incrédulos, compassivos entre si.» O compassivos entre si é lido
como uma ordem de tolerância entre os crentes e o duros com os incrédulos de
intolerância para com os infiéis. No nosso caso, os não muçulmanos, as ordens
inscritas no Alcorão ou no exemplo de Maomé são que temos de pagar aos
muçulmanos uma taxa humilhante. Se não o fizermos, seremos mortos. Ou seja, se
levarmos à letra as regras do islão, a escolha é muito simples: ou nos
convertemos em muçulmanos, ou nos humilhamos, ou somos assassinados."
"Mas
eu nunca ouvi falar nisso..."
"Nunca
ouviu porque no Ocidente estes factos são ocultados. A versão do islão que nos
é apresentada é uma versão expurgada destes pormenores perturbadores. Dão-nos
uma versão cristianizada do islão. É até frequente ouvir líderes islâmicos no
Ocidente a citarem textos sufis para mostrar que o islão é só paz e amor.
Acontece que o sufismo é um movimento místico islâmico muito minoritário e com
forte influência cristã, coisa que não nos é explicada. A ideia que fica é que
o islão é muito próximo do cristianismo, o que não é bem verdade. Maomé fazia
coisas que, sendo naturais naquele tempo, são hoje inaceitáveis para uma mente
ocidental. Essas coisas são-nos cuidadosamente escondidas."
"Dê-me exemplos de coisas que
não nos são contadas."
"Olhe,
a primeira grande batalha em que Maomé esteve envolvido foi a batalha de Badr,
contra a sua própria tribo de Meca. Os muçulmanos venceram e os líderes
inimigos foram mortos ou capturados. Um deles, chamado Uqba, implorou pela sua
vida e perguntou a Maomé quem olharia pelos seus filhos no caso de ele ser
executado. Sabe o que o Profeta lhe respondeu? «O Inferno», disse, e mandou
matá-lo. Um outro líder inimigo, chamado Abu Jahl, foi morto e o muçulmano que
o decapitou exibiu a cabeça decepada diante de Maomé.
Ao ver a
cabeça, e depois de se certificar de que se tratava realmente de Abu Jahl, o
Profeta deu graças a Deus pela morte do seu inimigo."
"Isso aconteceu mesmo?"
"Está
amplamente documentado", assegurou Tomás. "Daí que o antigo líder da
Al-Qaeda no Iraque, Al-Zarkawi, tenha invocado este incidente quando decapitou
um refém americano em 2004. Se bem me lembro, Al-Zarkawi disse: «O Profeta, o
mais misericordioso, ordenou que se cortassem os pescoços de alguns
prisioneiros em Badr. Ele estabeleceu um bom exemplo para nós.»"
"Daí que estes fundamentalistas andem a
decapitar reféns..."
"Estão
simplesmente a seguir o exemplo do Profeta, coisa que o Alcorão lhes ordena que
façam."
"E há mais situações dessas?"
"Quer
mais?", admirou-se Tomás. "Então vou contar-lhe a história de uma
tribo judaica que se recusou a converter-se ao islão. Eram os Qurayzah. Maomé
cercou a tribo durante quase um mês e os Qurayzah acabaram por se render. Maomé
pediu-lhes que escolhessem alguém que decidisse o seu destino. Os judeus
escolheram um muçulmano chamado Mu'adh, que já conheciam e de quem esperavam
clemência. Mas Mu'adh optou por executar os homens e escravizar as mulheres e
as crianças. Ao tomar conhecimento desta decisão, Maomé disse: «Decidiste em
conformidade com o julgamento de Alá lá em cima nos sete céus.» Maomé foi então
ao mercado de Medina e ordenou a abertura de uma trincheira no chão. Depois
mandou buscar os prisioneiros e, à medida que eles lhe eram apresentados,
decapitava-os nas trincheiras. As mulheres e crianças cativas foram depois
entregues aos muçulmanos, com excepção daquelas que se converteram ao islão."
"Que horror! Tem a certeza de que isso
aconteceu?"
"Claro
que sim. Aliás, há até um versículo do Alcorão que se refere a este
episódio."
"Não fazia ideia nenhuma
disso."
"É o
que eu lhe estava a tentar explicar há pouco. No Ocidente é apenas apresentada
uma versão cristianizada do islão, havendo sempre o cuidado de eliminar todos
estes pormenores que nos poderão chocar e alienar. Está a ver Jesus a mandar
cortar cabeças de pessoas e a dizer a condenados que quem vai tratar dos seus
filhos será o Inferno e a vangloriar-se perante a cabeça decepada de um
inimigo? Isto é chocante para nós e é por isso que estes pormenores não nos são
revelados! Mas é importante que os conheçamos para percebermos melhor a
Al-Qaeda, o Hamas e toda essa gente."
"Claro, tem razão."
"Lembre-se
de que os fundamentalistas não estão a inventar nada. Limitam-se a executar à
letra as ordens do Alcorão e a seguir o exemplo do Profeta. Eles citam
profusamente os textos sagrados do islão e o grande problema é que, quando
vamos às fontes verificar o que está lá de facto escrito, descobrimos que os
fundamentalistas têm razão. Está lá mesmo escrito o que eles dizem que está
escrito."
"Existem
três categorias de jihad: a jihad da alma, a jihad contra Satanás e a jihad
contra kafirun e hipócritas. "
(…) é um
facto que Alá diz no Alcorão que não há compulsão na religião... É um facto. É
essa a Sua vontade, ninguém pode ser obrigado a converter-se ao islão e a
submeter-se a Alá. Claro, a recusa da conversão implica que a pessoa irá
prestar contas no dia do juízo, mas esse problema é entre essa pessoa e Alá,
não é um problema dos crentes. Alá mandou-nos deixá-los em paz, Ele tratará do
assunto no momento próprio. Porém, lembra-te de que as últimas revelações de
Deus, que abrogam as anteriores, determinam que os kafirun que não se convertem
são obrigados a pagar jizyah e a tornar-se dhimmies. Se não o fizerem, serão
mortos. "
"A
jihad não é uma mera guerra! Não tenhamos medo das palavras: a jihad é o
recurso à força para espalhar a Lei Divina entre os homens!"
Os seres
humanos têm de obedecer à Lei Divina para estarem em harmonia com o universo e
em paz consigo mesmos. Se, em vez de o fazerem, cederem às suas tentações e
instintos e rejeitarem a sharia, então entrarão em confronto com o universo e aparece
a corrupção e todos os problemas que estamos a ver no islão e no mundo.
(…)"quem
usurpar o poder divino tem de ser afastado. Esse afastamento é feito através da
pregação ou, quando se levantam obstáculos, através da força. Ou seja, com
recurso à jihad."
"Os
kafirun cristãos distorcem o conceito de jihad, insinuando que ela impõe a
tirania. Bem pelo contrário, a jihad liberta os homens da tirania. E esses
cobardes que se dizem crentes ficam tão embaraçados diante dos kafirun cristãos
que se põem a argumentar que a jihad é meramente defensiva e exibem os
versículos já ab-rogados como suposta prova. (…) A jihad só é defensiva no
sentido em que defende o homem e o liberta dos grilhões de outros homens. Só
nesse sentido é ela defensiva. De resto, a ordem de Deus é a de espalhar a Lei
Divina por toda a humanidade! E como se faz isso? Só a pregar? Claro que não!
Teríamos de ser muito ingénuos para pensar que as sociedades jahili aceitariam
pôr as suas leis de acordo com a Lei Divina, de modo a viabilizar um clima de
liberdade que permitisse que os kafirun escolhessem a religião que querem sem
constrangimentos. E por isso que a jihad é necessária. A jihad não se destina a
defender terras, destina-se a impor a Lei Divina!"
"O
islão procura a paz, mas não uma paz superficial que se limite a garantir a
segurança das suas terras e das suas fronteiras. O que o islão procura é a paz
mais profunda de todas: a paz de Deus e de obediência a Deus apenas. Enquanto
essa paz não existir, teremos de lutar por ela. A luta faz-se através da
pregação e, quando necessário, da jihad. "
Deus diz no
Livro Sagrado que o objectivo é limpar a corrupção da face da Terra! Se fosse a
defesa das fronteiras, Ele tê-lo-ia dito. Mas não disse. A jihad não é pois uma
mera fase temporária, mas uma etapa fundamental que existe enquanto existir
jahiliyya entre os homens. É obrigação do islão lutar pela liberdade do homem
até que todos se submetam à Lei Divina. O destinatário do islão é toda a
humanidade e a sua esfera de acção é o planeta inteiro. Ou os kafirun se
convertem ou pagam a jizyab. São essas as ordens de Alá e é para isso que
existe a jihad." Se os kafirun não o fizerem, terão de ser mortos."
"Você
precisa de perceber que Maomé era um homem do século VII", disse. "As
coisas que ele fez têm de ser compreendidas no contexto daquele tempo. O facto
é que Maomé uniu os Árabes e ergueu uma civilização. Promoveu o monoteísmo,
encorajou a caridade, estabeleceu regras de convivência social... fez muita
coisa. Foi sem dúvida um grande homem. Não podemos é avaliá-lo à luz da moral
vigente hoje em dia no Ocidente. A nossa moral está impregnada de valores
cristãos, embora nem sequer nos apercebamos disso, pelo que temos tendência a
olhar para as coisas segundo esses valores."
"Está a insinuar que devemos aceitar o
que os fundamentalistas fazem?"
"Não, de modo nenhum. Temos de ser
tolerantes com os tolerantes e intolerantes com os intolerantes. A Inglaterra e
a América foram tolerantes com o nazismo e veja no que isso ia dando! Não
podemos ser ingénuos ao ponto de pensarmos que há espaço de diálogo com os
intolerantes. Não há! A Al-Qaeda é intolerante. A Lashkar-e-Taiba é
intolerante. O Hamas é intolerante. Eles seguem à risca o Alcorão e ambicionam
impor o islão a todo o mundo. Às vezes vejo intelectuais ocidentais a defender
que se deve dialogar com a Al-Qaeda ou com o Hamas e isso dá-me vontade de rir.
Só pode dizer isso quem não tem a mínima noção do que..."
"O que está a dizer, é que temos
de enfrentar os muçulmanos."
"Errado."
"Desculpe,
foi o que depreendi das suas palavras."
"O que eu disse é que temos de enfrentar
o que habitualmente se designa por fundamentalismo."
"Mas os fundamentalistas aplicam os preceitos
contidos no Alcorão e no exemplo do Profeta, certo?"
"Sem
dúvida."
"Isso
não faz deles os verdadeiros muçulmanos?"
Tomás
riu-se. "Você parece o Bin Laden a falar… Não sei se posso responder a
essa pergunta, Isso é muito sensível. Quando estive no Cairo apercebi-me de
que, bem lá no íntimo, muitos muçulmanos se interrogavam sobre se os
fundamentalistas não teriam afinal razão. Tudo o que os fundamentalistas dizem
é, no fim de contas, sustentado por versículos do Alcorão e por exemplos reais
da vida de Maomé. Nada daquilo é inventado. Isso deixa muitos muçulmanos
desconfortáveis, como deve calcular, sobretudo porque o Alcorão estabelece que,
para se ser verdadeiramente um muçulmano, é preciso respeitar todos os
preceitos do islão, não apenas alguns. Goste-se ou não, fazer a jihad contra os
infiéis é um dos preceitos. Ponto final."
"Se assim é, por que razão os
muçulmanos em geral não cumprem à letra esses preceitos?"
"Isso
dá uma longa conversa. Oiça, uma parte importante dos muçulmanos são
fundamentalistas no sentido em que acreditam no respeito e na aplicação dos
fundamentos da lei islâmica. O que se passa é que uns acham que é preciso
aplicar imediatamente a sharia na íntegra, e são esses que designamos
habitualmente por fundamentalistas ou radicais. Estou a falar dos fanáticos que
nos declararam uma guerra até à morte e andam a fazer matanças por toda a
parte. Os outros fundamentalistas são os conservadores. Estes também querem
exterminar o Ocidente, mas têm noção de que o inimigo é mais forte do que eles
e preferem um entendimento temporário, enquanto esperam o momento mais propício
para atacar. Os terceiros são os seculares, que percebem que os tempos mudaram
e que certos preceitos estabelecidos por Maomé no século VII reflectem a
realidade desse século e não podem ser transpostos para a actualidade. Estes
são genuinamente pacíficos, mantêm-se muçulmanos mas querem viver em paz e
aceitam o Ocidente."
"E
os governos desses países? Que pensam eles?"
"Há de
tudo, como sabe. Mas aqueles que não são fundamentalistas nem conservadores
estão sob a mira de parte das suas próprias populações."
"Porquê?"
"Por
estarem a violar a sharià", observou o historiador. "A lei islâmica
requer, por exemplo, que se apedreje uma adúltera até à morte, na sequência do
que já vem exigido no Antigo Testamento. Só que isso, como deve calcular, choca
com a moral ocidental. Não foi Jesus que disse, em defesa de uma adúltera:
«Atire a primeira pedra quem nunca pecou»? Acontece que há governos muçulmanos
que estão $ob influência da cultura ocidental e estabeleceram penas mais leves
para este tipo de crimes. Mas não foi Maomé que ordenou a lapidação até à morte
das adúlteras? Se um governo é muçulmano, porque não executa essa ordem do
Profeta? Estas duas perguntas são muito complicadas e põem estes governos em
xeque."
"As populações muçulmanas acham
que se deve lapidar uma adúltera até à morte?"
"Muita
gente acha, sim."
"Está bem, mas isso é o povo ignorante a
falar..."
"Está
enganada! Muitos muçulmanos instruídos e esclarecidos são fundamentalistas.
Repare que a principal característica de um fundamentalista islâmico é a sua
vontade de respeitar integralmente, e com verdade, o islão. Se o Alcorão manda
rezar cinco vezes voltado para Meca, ele reza. Se o Alcorão manda dar esmolas
aos pobres, ele dá. Se o Alcorão manda cortar a mão aos ladrões, ele corta. Se
o Alcorão manda matar os infiéis que não aceitam ser humilhados com o pagamento
da taxa discriminatória, ele mata. É tão simples quanto isto. Para um
fundamentalista não há zonas cinzentas. O que o Alcorão e o Profeta dizem para
fazer é para ser feito e corresponde ao bem. Os que não obedecem ao Alcorão e
ao Profeta são infiéis e estão ao serviço do mal. Mais nada. Os muçulmanos
encontram-se no reino da luz e os infiéis mergulhados na treva."
"Mas como é possível que essa
gente não evolua com o tempo? "
"Repare,
desde o tempo de Maomé que os muçulmanos se habituaram a estar na ofensiva e a
dominar os outros povos. Espalharam-se rapidamente pelo Médio Oriente e pelo
Norte de Africa, usaram a força para ocupar a Índia, os Balcãs e a Península
Ibérica e chegaram a atacar a França e a Áustria."
"Mas
sempre ouvi dizer que as relações dos muçulmanos com as outras religiões eram
pacíficas..."
"Quem
lhe disse isso?"
"Li num artigo qualquer. Dizia
lá que as cruzadas é que abriram as hostilidades entre cristãos e
muçulmanos."
"Isso é
conversa da treta! As cruzadas constituíram o primeiro esforço dos cristãos de
abandonarem a defensiva, após quatro séculos consecutivos a serem atacados! Foi
só com as cruzadas que os cristãos se ergueram contra os muçulmanos e passaram
à ofensiva. As cruzadas marcaram a primeira resposta dos cristãos aos contínuos
ataques dos muçulmanos. Para além da reconquista da Terra Santa, os cristãos
recuperaram a Península Ibérica e, com os Descobrimentos portugueses, começaram
de repente a espalhar-se pelo mundo. De um momento para o outro apareceram
impérios europeus por todo o planeta. Até pequeníssimas potências como Portugal
ocuparam áreas de poderio islâmico, como partes da índia e o estreito de Ormuz,
chegando até a erguer fortes em plena Arábia, terra que o Profeta, antes de
morrer, dissera que só podia ser ocupada por muçulmanos. Apesar da espantosa
expansão europeia, o islão manteve o objectivo declarado de conquistar toda a
Europa e fez uma derradeira tentativa de retomar a ofensiva atacando de novo o
Sacro Império Romano no século XVII, mas o segundo cerco de Viena fracassou e os
exércitos islâmicos bateram em retirada. Foi a consumação do descalabro.
Seguiu-se derrota atrás de derrota, até que os europeus entraram em pleno coração
do islão. Napoleão invadiu o Egipto em 1798. Como deve calcular, os muçulmanos
ficaram em estado de choque. E o pior foi constatar que quem expulsou os
infiéis franceses do Egipto não foram os exércitos islâmicos, como seria de
esperar, mas uma pequena esquadra britânica. O islão percebeu nesse momento que
as potências europeias podiam invadir a seu bel-prazer as suas terras e, para
cúmulo, só outras potências europeias tinham capacidade de as desalojar!"
"Bem,
de certa forma houve aí uma justiça poética, não acha? Os muçulmanos passaram
séculos a comportar-se como imperialistas e a invadir país após país. Alguma
vez tinham de provar o fruto que antes impunham aos outros..."
"Visto
sob esse prisma, é verdade. Só que eles descobriram que esse fruto era até muito
amargo, uma vez que a expansão europeia em território islâmico se acentuou no
século xix, com os Britânicos a ocuparem Aden, o Egipto e o Golfo Pérsico e os
Franceses a colonizarem a Argélia, a Tunísia e Marrocos. O auge deste processo
ocorreu com a derrota do Império Otomano na Primeira Guerra Mundial. A Grã-
Bretanha e a França abocanharam todo o Médio Oriente, com os Britânicos a
ficarem com o Iraque, a Palestina e a Transjordânia e os Franceses a dominarem
a Síria e o Líbano. O símbolo desse domínio ocidental sobre o islão foi a
abolição do califado otomano, em 1924."
"Está
bem, mas isso é tudo história! Que eu saiba todos esses países já recuperaram a
independência. Além do mais, quem aboliu o califado foram os próprios Turcos,
não foi o Ocidente..."
"Acha
que é tudo história? Olhe que os muçulmanos não vêem a coisa assim. Nós, os
ocidentais, encaramos a história como uma coisa que já passou e que não deve
condicionar-nos. É, mais uma vez, a cultura cristã que nos orienta, mesmo que
não nos apercebamos disso. Mas os muçulmanos não são cristãos e olham para as
coisas de maneira diferente. Encaram acontecimentos de há mil anos como tendo
acontecido agora!"
"Lá
está você a exagerar..."
"Quem
me dera! Eu sei que para nós tudo isto parece estranho, mas o passado para os
muçulmanos tem uma importância desmesurada, eles encontram aí orientação
religiosa e legal. No fundo os muçulmanos acham que o passado reflecte os
propósitos de Deus e por isso toda a história é muito actual. Daí que a
colonização dos países islâmicos pelos europeus os choque acima de tudo."
"Mas já lhe disse que eles
recuperaram a independência há muito tempo! Tanto quanto sei, a maior parte
desses países libertou-se dos colonizadores entre 1950 e 1970..."
"É verdade, mas para eles é como se tudo tivesse
ocorrido ontem. Repare que o islão foi a principal civilização do planeta na
altura em que o cristianismo estava mergulhado na Idade Média. Os muçulmanos
habituaram-se a encarar-se a si próprios como os guardiães da verdade divina e
viam a sua supremacia como uma consequência natural e lógica disso mesmo. Mas
eis que, de repente, se viram confrontados com a reconquista cristã, com as
consequências dos Descobrimentos portugueses e com a idade das luzes- e, de um
momento para o outro, aperceberam-se de que o Ocidente passou a mandar no
mundo. Os infiéis ocidentais, até aí na defensiva, tornaram-se senhores do
planeta e chegaram ao ponto de colonizar os países islâmicos! A capital do
califado, Istambul, pôs fim ao próprio califado e, por decisão de Atatürk,
passou a imitar a cultura e o sistema secular dos infiéis ocidentais, separando
a religião do Estado. Como acha que os muçulmanos encararam esta
transformação?"
"Imagino que não tenham gostado
muito..."
"Claro
que não gostaram! E, para agravar as coisas, o contraste entre a qualidade de
vida das duas civilizações tornou-se gritante. Muitos muçulmanos começaram a
comparar as suas vidas com as dos ocidentais e isso fê-los questionarem-se. Por
que razão viviam os países islâmicos na pobreza e tinham governos tão
corruptos? Por que motivo estavam tão atrasados em relação ao Ocidente? Por que
diabo não conseguiam eles também fabricar belos automóveis e voar até à Lua?
Incapazes de fazer frente ao domínio tecnológico e financeiro do Ocidente, esses
muçulmanos concluíram que só conseguiriam responder na área cultural. E o que
havia aqui? O islão! Não foi o islão que dominou o mundo, da índia até à
Península Ibérica? Não tinha Maomé em poucos anos criado uma grande
civilização? Como fizera ele isso? A resposta era: respeitando integralmente a
lei islâmica. Logo, a resposta para os problemas de hoje também podia ser a
mesma. Muitos começaram a achar que o problema é que haviam abandonado a
verdadeira fé e passaram a acreditar que, se respeitassem de novo todos os
preceitos do islão, o esplendor de outrora regressaria em força."
"E foi isso que os atirou para o
fundamentalismo."
"Exactamente!
Quando um muçulmano diz que se sente humilhado pelo Ocidente, não está a dizer
que o Ocidente o maltrata. O que está a dizer é que é humilhante ver o Ocidente
superiorizar-se ao islão nos planos económico, cultural, tecnológico, político
e militar. O pecado do Ocidente é mostrar-se mais poderoso do que o islão. Daí
ao raciocínio seguinte é um mero passo. Muitos muçulmanos acham que, se
rejeitarem a modernidade e respeitarem à letra os preceitos do Alcorão e o
exemplo do Profeta, a glória e o domínio do islão em todo o mundo
voltarão."
"E foi isso que os
fundamentalistas começaram a defender depois da queda do califado
otomano..."
"Na verdade este retorno aos fundamentos
do islão começou com um xeque medieval chamado Ibn Taymiyyah, que defendeu a
interpretação literal do Alcorão e do exemplo de Maomé, e foi sobretudo
relançado no século XVIII, no rescaldo do choque da invasão napoleónica do
Egipto. Nessa altura apareceu na Arábia um teólogo chamado Al-Wahhab que,
inspirado em Ibn Taymiyyah, rejeitou as inovações feitas ao longo do tempo e
preconizou o regresso do islão às suas fontes mais originais, o Alcorão e a
sunnah do Profeta, estabelecendo a jihad como um dever fundamental dos
muçulmanos. Al-Wahhab declarou que todos os muçulmanos que não respeitavam o
islão à letra eram infiéis e aliou-se a um emir tribal chamado ibn Saud.
Juntos, os dois conquistaram o que é hoje a Arábia Saudita e criaram uma
dinastia que ainda agora governa o país. Os Saud mantêm-se como chefes
políticos e os descendentes de Wahhab como líderes religiosos. Mas o que é
importante perceber é que é aos wahhabistas que está hoje entregue a gestão das
madrassas e das universidades."
"O
quê?!"
"A
sério. A educação saudita assenta hoje no fundamentalismo mais primário que
possa existir. Está a ver o problema que isso cria, não é verdade? O controlo
pelos wahhabistas do sistema de ensino saudita significa que o islão que os
sauditas aprendem desde pequenos na escola é o islão da jihad, da matança dos
infiéis, da mutilação dos ladrões, dos apedrejamentos das adúlteras até à
morte... e por aí fora. E como se isto não bastasse, no século XX apareceu o
petróleo!"
"O que tem o petróleo a ver com
isto?"
"O petróleo enriqueceu os Sauditas. De
repente os wahhabistas ficaram cheios de dinheiro e imagine o que decidiram
eles fazer?"
"Ergueram grandes
mesquitas?"
"Também
mas, sobretudo, puseram-se a financiar madrassas em,todo o mundo islâmico,
assumindo o controlo da matéria pedagógica nelas ensinada."
"Meu Deus!"
"Pois
é, pois é! De repente as escolas espalhadas pelo mundo islâmico e financiadas
pelos wahhabistas sauditas puseram-se a ensinar por toda a parte o islão da
jihad! Essas madrassas tornaram-se autênticos viveiros de fundamentalistas, com
os novos currículos educativos a pregarem o regresso ao século VII, a
defenderem a matança dos infiéis e a rejeitarem a modernidade, dizendo que o
retorno ao islão original poria os muçulmanos de novo na vanguarda."
"Mas isso não faz muito sentido!
Como é que rejeitar a modernidade os põe de novo na liderança?
"Oiça,
tem de entender que esta mensagem de regresso às origens os apanhou num momento
de vulnerabilidade, em que muitos muçulmanos se sentiam humilhados pelo
colonialismo e cidadãos de segunda classe na sua própria terra..."
"Mas não era isso justamente o
que eles faziam aos cristãos, aos judeus e aos hindus? Não andaram eles séculos
a fazer dos outros cidadãos de segunda, obrigando-os até a pagarem taxas
discriminatórias e humilhantes para poderem viver nas suas próprias
terras?"
"Claro
que sim, mas quando os cristãos lhes fizeram o mesmo eles não gostaram e, como
é evidente, sentiram-se humilhados. Essa humilhação foi a parte negativa,
embora talvez pedagógica, da colonização europeia. Mas repare que a moeda tem
uma outra face. Os europeus construíram infra-estruturas que eles não tinham,
instituíram sistemas escolares e serviços públicos que não existiam e aboliram
a escravatura. Se for a ver bem, não há comparação do grau de desenvolvimento
das terras islâmicas que tiveram colonização europeia com o das terras
islâmicas que permaneceram sob domínio muçulmano. Só os pales-tinianos criaram
sete universidades desde a ocupação israelita em 1967. Compare isso com as oito
universidades da imensamente rica Arábia Saudita ou com o atraso do
Afeganistão! E isto para não falar no obscurantismo. Só para que tenha uma
ideia, a soma de todos os livros traduzidos em todo o islão desde o século ix é
de cerca de cem mil, que é exactamente o número de livros que hoje em dia se
traduzem em Espanha num único ano!"
"Então qual é a dúvida dos
fundamentalistas? Eles não percebem as vantagens da modernização?"
"Os fundamentalistas e os conservadores
vêem as coisas de maneira diferente, o que quer que lhe faça? Eles acham que o
islão foi ultrapassado pelo Ocidente justamente, por se ter desviado das leis
divinas e, influenciados pelos ensinamentos dos wahhabistas financiados pelo
petróleo saudita, julgam que só o regresso às práticas do século VII os poderá
pôr de novo na dianteira. Eles não têm uma visão humanitária do mundo, mas uma
visão ortodoxa islâmica."
"Qual é a percentagem de
muçulmanos que raciocinam dessa maneira?"
"E difícil de dizer. Eu diria que o
muçulmano médio quer apenas viver a sua vida em paz e sossego, respeitar Deus e
ser feliz. Penso que estes são a maioria. Têm um conhecimento superficial do
islão, ignoram os fundamentos corânicos da jibad, mas sabem que não querem
viver num país onde se aplique a sharia na íntegra."
"Portanto, a maioria é
secular."
"Sim,
acho que se pode dizer isso. É um facto, porém, que, em alguns casos, a maior
parte de uma população muçulmana pode ser fundamentalista. Não foi a revolução
islâmica que contou com amplo apoio popular no Irão? Não foi o Hamas que ganhou
as eleições na Palestina? Não foi a Frente de Salvação Islâmica que venceu a
primeira volta das eleições na Argélia - e só não ganhou a segunda volta porque
o acto eleitoral foi cancelado? Os fundamentalistas argelinos andavam a cortar
o pescoço a milhares de pessoas e, pelos vistos, a maior parte da população
aprovava! Isso mostra que os fundamentalistas gozam de uma sustentação popular
maior do que gostamos de pensar, embora em geral sejam de facto
minoritários."
"Portanto, se bem entendi, temos
os fundamentalistas, os conservadores e os seculares."
"Sendo que os seculares são
tendencialmente maioritários. Mas não tenha ilusões: os dois outros grupos são
muito perigosos e, pelo menos em alguns países islâmicos, constituem sem dúvida
a maioria. Não podemos ser ingénuos ao ponto de acreditar que os muçulmanos são
todos muito tolerantes e o conflito que existe se deve a meros problemas
sociais e à existência de Israel. A questão é infelizmente muito mais vasta e
perigosa do que isso. A maioria pode ser secular, mas, ao mesmo tempo, é também
silenciosa. Já a minoria fundamentalista é muito activa e ruidosa."
"Estou
a ver."
"O
islão está, pois, a viver um grande despertar. Existe uma vontade muito forte
por parte de alguns muçulmanos de passar à ofensiva e estender o islão a todo o
planeta, impondo..."
(…) Nós
investimos muito na educação e sabemos que a verdadeira riqueza é gerada pelo
conhecimento. Se andares por este país ou por toda a Europa, verás que por aqui
existem poucas riquezas naturais nas terras. Não há petróleo, não há ouro, não
há diamantes." Colou o indicador às têmporas. "Mas possuímos
conhecimentos. Aqui no Ocidente sabemos fazer carros, aviões, pontes,
computadores... é essa a nossa riqueza."
"O que
distingue um mudjahedin de um guerreiro kafir é a sua preparação moral e a sua
pureza diante de Deus. Um mudjahedin é um soldado de Alá, pelo que, uma vez em
combate, as regras que tem de respeitar são muito rigorosas. Deve evitar as
matanças indiscriminadas, em particular de mulheres e crianças, e também a
destruição de santuários religiosos, como igrejas ou sinagogas."
"E se as mulheres e crianças
estiverem envolvidas no esforço de guerra dos kafiru? "
"Nesse
caso devem ser mortas", sentenciou. "As leis da jihad são muito
claras nisso. Um hadith conta que uma vez perguntaram ao Profeta se era errado
matar as mulheres e crianças dos kafirun. Ele respondeu: «Considero-os como se
fossem os seus pais.» Ou seja, se os pais forem kafirun, em certas
circunstâncias é permitido matar-lhes os filhos. Por exemplo, quem de alguma
forma apoiar o inimigo, mesmo fornecendo apenas água ou até somente apoio
moral, é também um inimigo e pode ser morto."
"Imagina, meu irmão, que uma
mulher kafir reza para que o marido mate um crente. Ou imagina que uma criança
kafir reza para que o pai mate um mudjabedin.'"
"Devem
ambos ser mortos. Basta um kafir desejar a morte de um crente para poder ser
morto, mesmo que se trate de uma criança. De qualquer modo, é importante
sublinhar que o recurso à força deve ser evitado enquanto possível. No entanto,
no momento em que a jihad for necessária, ninguém deve fugir às suas
responsabilidades. Disse o Profeta: «Aquele que se encontrar com Alá sem alguma
vez se ter envolvido em jihad encontrará Alá com um defeito». A jihad ocupa
muitas páginas do Santo Alcorão. São mais de cento e cinquenta versículos nos
quais Alá Al-Hakam, o Juiz, enuncia as regras da guerra, tornando claro que a
verdade tem de ter uma força física que a proteja e a propague. A maior parte
das guerras decretadas por Maomé foram ofensivas, como toda a gente sabe. Ora
como Alá nos manda no Alcorão seguir o exemplo do Seu mensageiro, também nós
temos de lançar guerras ofensivas. Há até um hadith que cita assim o Profeta:
«Fui educado com a espada nas mãos da Hora até que apenas Alá seja venerado.
Ele ofereceu-nos sustento por baixo da sombra das lâminas e decretou a
humilhação de todos os que se me opõem.» Por aqui se vê que o apóstolo de Deus
valorizava a espada e a necessidade de a usar até que todos os seres humanos se
submetam a Alá. Num outro hadith, o Profeta é assim citado: «Eu ordeno por Alá
que se faça guerra a toda a gente até que todos digam que Alá é o único Deus e
que eu sou o Seu Profeta». Ou seja, o objectivo do islão é governar todo o
mundo e submeter toda a humanidade ao islão. Há pessoas que se dizem muçulmanas
mas que preferem fingir que estas palavras do Profeta não foram proferidas.
Mas, meus irmãos, as ordens de Maomé são claras: enquanto houver kafirun há
jihad para os converter ou para os obrigar a pagar jizyah."
"Mas quem decreta a jihad
ofensiva, meu irmão?
Há quem diga que só o califa o pode fazer..."
"Esse é
um ponto em discussão. Muitos dos nossos irmãos entendem que a jihad ofensiva
está já decretada no Alcorão e na sunnah do Profeta, que a paz esteja com ele.
Para perceber isso basta ver os hadith que acabei de citar ou ler a ordem de
Alá na sura 2, versículo 216 do Alcorão: «Prescreve-se-vos o combate, ainda que
vos seja odioso»." Ergueu o dedo e repetiu as palavras que considerava
cruciais: "Ainda que vos seja odioso! Mas há outros irmãos que entendem
que a jihad ofensiva, sendo de facto uma obrigação dos crentes, só pode ser
decretada pelo califa. Existe, como sabem, tradição nesse sentido. O califa tem
o dever de reunir um exército e atacar os kafirun uma ou duas vezes por ano,
como fizeram no passado Abu Bakr e Omar ibn Al-Khattab e tantos outros. O
califa que não o fizer estará a violar a vontade de Alá, expressa no Alcorão ou
na sunnab. A jihad é obrigatória para os crentes e deve existir até que todos
os seres humanos sejam crentes ou paguem a jizyab."
"Mas o último califado já foi
abolido. Como se faz
agora que não há califa?"
"Na minha opinião aplicam-se as ordens de
Alá dadas no Alcorão ou através do exemplo do Profeta. Mas parece haver acordo
no sentido de que, aconteça o que acontecer, é preciso reinstalar o califado
para pôr fim a esse ponto de discórdia e, por consenso, podermos lançar guerras
anuais contra os kafirun. Disse o Profeta num hadith: «Se receberes a ordem de
marchar contra o inimigo, então marcha.» Foi justamente porque negligenciámos a
ordem divina de atacar os kafirun que Alá nos abandonou. Ignorámos as Suas
regras e Ele ignorou-nos a nós. Foi porque deixámos de fazer a jihad ofensiva,
conforme ordenado por Alá no Alcorão ou através da sunnah do Profeta, que nos
vemos agora na contingência de fazer a jihad defensiva. Urge, consequentemente,
reinstalar o califado e pôr fim à humilhação da umma, espalhando o islão por
todo o planeta."
"E como se faz isso? Como se
pode reinstalar o califado?
"Com a guerra!"
"Sabe
qual a quantidade de urânio enriquecido que a Rússia tem? Novecentas toneladas.
" "E bastam cinquenta
quilos para fazer uma bomba atómica"
Os
instruendos de Khaldan estavam nessa manhã a estudar a técnica e os princípios
por detrás dos itisbadi, os atentados suicidas. Abu Omar, que dava a aula,
começou por se centrar nos princípios teológicos que legitimavam as acções levadas
a cabo pelos shabid, os mártires, uma vez que o suicídio era absolutamente
proibido pelo Alcorão. "A excepção são justamente os itisbadi",
sublinhou o instrutor, referindo-se aos suicidas em acções de combate. "O
martírio em jibad é até a única forma de garantir o acesso ao Paraíso. Alguém
sabe qual o versículo do Alcorão onde isso é esclarecido?"
"É na sura 3, versículo
169". "«Não tenhais por mortos aqueles que morreram pela causa de
Deus. Não! Estão vivos juntos do seu Senhor, estão alimentados»."
"Esse versículo torna claro que a morte
em jihad nos leva para junto de Alá, nos jardins eternos onde há muita água e
comida. Existe até um hadith que esclarece que o shahid tem à sua espera setenta
e duas virgens. Isso é... Realmente, como não desejar morrer se o shahid é o
único dos crentes que tem assegurado um lugar no Paraíso?", "Com a
paz do Senhor e as virgens à nossa espera, qual é a dúvida? O que são as
agruras desta vida quando comparadas com as recompensas que nos esperam? Há
outros versículos do Alcorão e outros ahadith que falam sobre o Paraíso à
espera dos shahid. "
"Sabes o que fazem muitos irmãos
no momento de se tornarem shahid? Como não conseguem deixar de pensar nas
virgens, protegem o ventre com cartão para garantir que, depois de se fazerem
explodir, os órgãos genitais chegam intactos ao Paraíso"
"Oiça,
você sabe de que vos acusam os fundamentalistas? Eles culpam a América por ter
exterminado os índios, por ter escravizado os negros, por ter cometido crimes
de guerra em Hiroxima e Nagasáqui, e ainda na Coreia, no Vietname, no Iraque,
no Afeganistão e por aí fora, por apoiar Israel, por apoiar os tiranos árabes,
por explorar o petróleo dos países árabes, por imoralidade, por prática de
usura, por autorizar o consumo de álcool, por permitir a liberdade sexual, por
garantir a liberdade de expressão, por defender a democracia, por deixar que as
mulheres sirvam passageiros nos aviões, por..."
"Algumas
destas acusações são muito estranhas. Por exemplo, esta acusação de a América
ter escravizado os negros. Vinda de quem vem, é hilariante! Não era Maomé que
permitia a escravatura? Ele até tinha escravos! E a Arábia Saudita? Sabe quando
foi que este país islâmico, o mais sagrado de todos, a pátria de Maomé, a terra
onde se encontra Meca e Medina... sabe quando foi que a Arábia Saudita aboliu a
escravatura? Em 1962! Como é possível que os fundamentalistas islâmicos estejam
tão indignados com práticas na América que eram aprovadas e exercidas pelo
próprio Profeta?"
"Onde quer chegar?"
"A uma ideia muito simples: a
interminável lista de queixas dos fundamentalistas islâmicos contra a América
não passa de um conjunto de pretextos usados para disfarçar a verdadeira
motivação. Repare, quando o Ocidente vai de encontro a uma exigência islâmica e
satisfaz uma reivindicação, o antagonismo nunca é verdadeiramente resolvido e
logo outra queixa se levanta, e depois outra e outra ainda. Pior, quando os
Americanos se põem ao lado de muçulmanos contra cristãos, como aconteceu na
Bósnia e no Kosovo, isso é liminarmente ignorado. Os fundamentalistas e os
conservadores islâmicos chegam ao cúmulo de esquecer o enorme contributo
americano na guerra do Afeganistão contra a União Soviética, afirmando
explicitamente que os mudjahedin venceram sozinhos os Soviéticos. Ora tudo isto
mostra que existe um problema de fundo, não lhe parece?"
"Sim, mas qual é esse problema? O que têm eles especificamente
contra a América? E isso que eu não percebo..."
"Quando
o islão nasceu, o grande inimigo era a tribo que dominava Meca. No momento em
que essa tribo foi vencida, os grandes inimigos passaram a ser todos os não
muçulmanos que viviam na Arábia. Logo que eles foram convertidos, assimilados,
mortos ou expulsos, o grande inimigo passou a ser a Pérsia. Este império foi
vencido e o grande inimigo seguinte tornou-se Constantinopla, que liderava o
mundo cristão. Com a queda do Império Romano do Oriente, o grande inimigo
transferiu-se para Viena, capital do Sacro Império Romano. Mas quando a
liderança do mundo cristão se deslocou para a Grã-Bretanha e a França, estes dois
países passaram a ser o Grande Satã. E agora? Quem é o líder do mundo
ocidental?"
"A América."
"Então
é a América o grande inimigo. A América é atacada, não necessariamente porque
esteja a maltratar os muçulmanos, mas simplesmente porque é o líder do
Ocidente, a principal potência mundial, e consequentemente o maior obstáculo à
expansão do islão a todo o planeta. O mais grave é que, pelo simples facto de
se revelarem económica, cultural, política e militarmente mais poderosos do que
todos os países muçulmanos juntos, os Estados Unidos estão a humilhar o islão
porque mostram que um país que funciona segundo leis dos homens é mais forte do
que muitos países que se regem pelas leis de Deus. Isso é insuportável para
muitos muçulmanos em geral e para os fundamentalistas em particular. Daí que
todos os pretextos sejam bons para demonizar o Ocidente e sobretudo o seu
líder, a América. Eles constatam que os cristãos do Ocidente são a única força
capaz de fazer frente ao islão e acreditam que, se fizerem cair o líder, o
inimigo se desmoronará, abrindo as portas ao nascimento do grande califado que
levará o islão a todo o planeta."
"Portanto, o verdadeiro crime da
América é ser poderosa".
Haveria
porventura algum mudjabedin que ignorasse que Alá lhe prometia o Paraíso em
caso de se tornar sbahid? Na verdade, em ponto algum do Alcorão ou da sunnah do
Profeta dava Deus garantias de que o crente iria para os jardins eternos. Por
mais que se esforçassem e tentassem respeitar com extremo rigor a sbaria, os
crentes acabavam sempre por cometer pecados e não havia garantias nenhumas de
que Alá lhes perdoasse. A única circunstância em que essas garantias existiam
ocorria justamente nos casos de martírio. Quem morresse em martírio iria com toda
a certeza para o Paraíso, mesmo que tivesse cometido muitos pecados em vida.
Assim sendo, como era possível um verdadeiro crente não desejar o martírio? Ser
sbahid era ver abrir-se uma entrada directa e segura no Paraíso, pelo que
qualquer mudjabedin só podia ansiar ardentemente pela morte em jibad.
"A
Al-Qaeda acusa a ONU de crimes contra o islão, incluindo o reconhecimento da
existência de Israel. Mas o principal problema é teológico. A Carta da ONU
estabelece a igualdade de todas as religiões e os muçulmanos não aceitam isso,
uma vez que Maomé declarou a superioridade do islão. A declaração da igualdade
das religiões desmente Maomé e isso é, consequentemente, algo que eles consideram
que faz da ONU uma organização anti-islâmica."
"Aliás,
o mundo islâmico levantou grandes objecções à Declaração Universal dos Direitos
Humanos, por exemplo, e essas objecções não se limitam aos fundamentalistas. Se
for a ver bem, muitos países muçulmanos nem sequer aceitam essa declaração
porque ela estabelece o direito de as pessoas mudarem de religião conforme a
sua livre vontade. Ora isso colide frontalmente com o crime de apostasia
estabelecido pelo Alcorão e pelo Profeta e que prevê a pena de morte para quem
renegar o islão. Além do mais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos
estabelece a total igualdade de direitos entre homens e mulheres e entre
pessoas de qualquer religião, o que também vai contra as leis do islão. Daí que
muitos muçulmanos, e não só os fundamentalistas, achem que essa declaração é
anti-islâmica."