A esperança
e a confiança nunca o haviam abandonado. Mas reverdeciam agora, como ao sopro
da brisa.
A gente
começa por pedir emprestado e acaba a pedir esmola.
Gostava
muito dos peixes-voadores, seus dilectos amigos no oceano. Dos pássaros tinha
pena, em especial das andorinhas-do-mar, escuras, delicadas, pequenas, que
andavam sempre a voar e a olhar e a quase nunca encontrar nada, e pensava:
"As aves têm uma vida mais dura do que a nossa, à excepção das de rapina e
das muito fortes. Porque há pássaros tão delicados e finos como essas
andorinhas, quando o oceano pode ser tão cruel? É gentil e muito belo. Mas sabe
ser tão cruel, e sê-lo tão de súbito, que tais pássaros que voam e mergulham à
caça, com as suas vozinhas tristes, são demasiado delicados para o mar".
Sempre pensava no mar como *la mar*, que é o
que o povo lhe chama em espanhol, quando o ama. Às vezes, aqueles que gostam do
mar dizem mal dele, mas sempre o dizem como se ele fosse mulher. Alguns dos
pescadores mais novos, os que usam bóias por flutuadores e têm barcos a motor,
comprados quando os fígados de tubarão davam muito dinheiro, dizem *el mar*,
que é masculino. Falavam dele como de um antagonista, um lugar, até um inimigo.
Mas o velho sempre pensava no mar como feminino, como algo que entrega ou
recusa favores supremos, e, se tresvariava ou fazia maldades era porque não
podia deixar de as fazer. A lua influi no mar como as mulheres, pensava ele.
Cada dia é
um novo dia. É preferível ter sorte. Mas eu prefiro ser exacto. Assim, quando a
sorte vem, está-se pronto para ela.
A maior
parte das pessoas é impiedosa para com as tartarugas, porque o coração delas
bate horas e horas, depois de arrancado e esquartejado.
- Peixe -
disse. - Amo-te e respeito-te muito. Mas hei-de matar-te, antes de o dia
acabar.
É um grande
peixe, e tenho de o convencer, pensou. Não devo deixá-lo nunca tomar
conhecimento da sua própria força, nem do que poderia fazer se corresse. Se eu
estivesse no lugar dele, jogava o tudo por tudo, até que alguma coisa
rebentasse. Mas, graças a Deus, não são tão inteligentes como nós, que os
matamos, embora sejam mais nobres e mais capazes.
(…) Também o
peixe é meu amigo - disse em voz alta. - Nunca vi nem ouvi falar de um peixe
assim. Mas tenho de o matar. Agrada-me pensar que não temos de matar as
estrelas.
Tu estás a
matar-me, peixe, pensou o velho. Mas tens todo o direito. Nunca vi uma coisa
maior, ou mais bela, ou mais serena ou mais nobre do que tu, meu irmão. Vem e
mata-me. Não quero saber qual de nós mata.
(…) O velho
largou a linha, calcou-a com o pé, levantou o arpão ao alto e fê-lo descer, com
toda a força que tinha e mais força que no momento invocou, pelo flanco do
peixe adentro, mesmo por trás da grande barbatana peitoral que alta se erguia
no ar à altura do peito do homem. Sentiu o ferro entrar e debruçou-se sobre ele
e fê-lo entrar mais e carregou depois com o seu peso em cima. O peixe então
reanimou-se, com a morte em si, e saltou bem fora de água, patenteando o seu
grande comprimento, a sua envergadura, o seu poder inteiro, a sua beleza.
Parecia pairar no ar, acima do velho no esquife. Depois, caiu na água com
estrépito, lançando espuma ao velho e por todo o barco.
Eu só pela
manha valho mais do que ele, que me não queria mal. L
O homem não
foi feito para a derrota. Um homem pode ser destruído, mas não derrotado.
É tolice não
ter esperança, pensou. Além de que suponho que é pecado.
"Não
mataste o peixe só para viver e vendê-lo para ser comido. Mataste-o por
amor-próprio e porque és um pescador. Amava-lo quando estava vivo, e ama-lo
depois de morto. Se o amas, não é pecado matá-lo. Ou será mais?"
(…) Além de
que, pensou, tudo mata, de uma maneira ou de outra. Pescar mata-me, exactamente
como me mantém vivo.
A sorte é
coisa que vem de muitas formas. Quem sabe reconhecê-la?
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