A guerra é a
mãe e a rainha de todos. A alguns transforma em Deuses, a outros em homens. De
alguns faz escravos, de outros homens livres.
Eu podia
viver aqui para sempre, ou até morrer, pensou. Nada aconteceria, cada dia seria
igual ao dia anterior, nada haveria que dizer. A ansiedade que o assaltava na
estrada começava a deixá-lo. Por vezes, enquanto caminhava, nem se dava conta
se estava acordado ou a dormir. Compreendeu porque é que as pessoas se isolavam
aqui e ali, se fechavam em quilómetros e quilómetros de silêncio; compreendeu o
seu desejo de assegurarem aos filhos e aos netos, para todo o sempre, o
privilégio deste grande silêncio. Pôs-se a pensar se não haveria, entre as
vedações, cantos, ângulos, corredores esquecidos que não pertencessem a ninguém.
Se fosse capaz de voar, poderia certificar-se.
Preferem
ver-nos vivos porque somos horríveis de ver quando adoecemos e morremos. Se
emagrecêssemos até ficarmos em papel, e depois em cinzas, e desaparecêssemos,
não se ralavam nada.
O
acampamento era um lugar onde as pessoas se depositavam para serem esquecidas
(…) Se esta gente na realidade se quer ver livre de nós, pensou,
desenvolvendo-se o pensamento como uma planta que ia crescendo na sua cabeça,
se na realidade quisessem esquecer-nos para sempre, deviam dar-nos pás e
picaretas e mandar-nos cavar e quando tivéssemos cavado uma larga cova a meio
do campo, deviam mandar-nos a todos descer até ao fundo e deitarmo-nos lá; e,
quando estivéssemos deitados, deviam destruir as cabanas e as tendas, cortar a
cerca de arame farpado, atirando tudo, cabanas, tendas e arame, até as coisas
mais insignificantes, para dentro da cova, cobrindo-as depois com terra e
calcando-a bem. Talvez então pudessem começar-se a esquecer de nós. Mas quem
poderia abrir uma cova tão larga? (…) Não na presente situação, só com pás e
picaretas, naquele vale pedregoso.
Não se via
como algo pesado que deixa um rasto no chão à sua passagem, mas, a ser qualquer
coisa, como um grão de areia à superfície de uma terra adormecida demasiado profundamente
para ouvir os pés de uma formiga, o ruído dos dentes de uma borboleta ou o cair
do pó.
Quero viver
aqui, quero viver aqui para sempre, onde viveram a minha mãe e a minha avó. Só
isso. É pena que para viver, nos tempos
de hoje, o homem tenha de se preparar para viver como um animal. Um homem
que queira viver não pode viver numa casa com luzes acesas nas janelas. Tem de
viver num buraco e esconder-se durante o dia. Tem de viver de maneira a não
deixar vestígios da sua existência.
Havia
necessidade de alguns homens que mantivessem as terras cuidadas, pois que, uma
vez cortado o cordão, a terra ficaria árida e esqueceria os seus filhos.
A história
da sua vida foi sempre escura como um profundo abismo: uma história errada,
sempre errada.
(…) sentindo
um hino de gratidão vindo do coração. Exactamente como lhe tinham descrito:
como um jacto de água morna.
Aprendeu a
amar a ociosidade, que não consistia já em pequenas parcelas de liberdade
roubadas ao trabalho e saboreadas furtivamente, sentado diante de algum
canteiro de flores, com a forquilha suspensa na mão, mas que consistia numa
entrega de si mesmo ao tempo, a um tempo que se ia escoando com a lentidão do
óleo, de horizonte a horizonte, na face do mundo, e que invadia todo o seu
corpo, circulando-lhe nos sovacos, nas virilhas, e formigando-lhe nas pálpebras
(…) Só o tempo se movia, transportando-o consigo no seu fluir constante.
Os parasitas
também têm carne e substância; os parasitas também podem ser devorados.
Eu sou a
consequência de uma infindável sucessão de crianças.
Pôs-se a imaginar uma figura de pé no
extremo de uma linha ascendente, uma mulher de vestido cinzento sem forma, que
não fora gerada por ninguém. Vacilava em pensamento, ao imaginar o silêncio que
envolvia essa mulher, o silêncio do tempo petrificado antes do começo.
Uma só
semente germinou uma mão-cheia de sementes; era aquilo a fartura da mãe Terra.
Se não te
adaptas morrerás. E não penses que te vais simplesmente desgastando, até seres
todo alma, capaz de voar no éter. A morte que escolheste é cheia de dor,
desgraça e tristeza e terás de sofrer muito, ainda, antes que venha a
libertação. (…) Caímos todos dentro do caldeirão da História; só tu, seguindo a
tua estrela idiota, prendendo a tua vida à tua própria orfandade, fugindo à
guerra e à paz, vagueando ao ar livre por sítios que ninguém sonhou procurar
(...) flutuando no tempo, acompanhando as estações da natureza, não te
interessando mais do que a um grão de areia, em modificar o curso da História.
(...) A verdade é que vais desaparecer no anonimato de uma campa sem nome…
Sem comentários:
Enviar um comentário