quinta-feira, 20 de junho de 2013

Aristófanes- As nuvens



Estrepsíades:
 (apontando para outros alunos, que estão completamente curvados.)
Mas aqueles além, curvados
Quase que até ao chão, o que eles fazem?

Estudante:
São alunos de escol.
Pesquisam o Hades.

Estrepsíades:
 Mas... e os traseiros para o céu voltados?

Estudante:
 Da astronomia são principiantes.



Estrepsíades:
Suponho, realmente, que é melhor
Tu zombares dos deuses lá em cima,
Trepado nesse cesto, do que estares
Aqui em baixo, neste duro chão.

Sócrates:
Essa também é a minha opinião.
Suspenso, como estou, no ar etéreo,
Com ele misturando facilmente
Meu douto pensamento, de Natura
Posso explorar o íntimo mistério,
Mais perto assim do fabuloso Empíreo.
Se aí, no baixo solo, as pesquisas
Da alta ciência eu prosseguir tentasse,
Em vão seria, eu tentaria em vão:
Do nosso pensamento a terra suga
A essência subtil e deixa a grossa.
(como que refletindo)
É o mesmo que acontece com o agrião.



Sócrates:
O que queres saber?

Estrepsíades
Eu quero, Mestre,
Teu curso de oratória e de eloquência
Seguir, pra discutir com meus credores.
Em verdade os credores se tornaram
Absolutamente insuportáveis.
Importunam, perseguem. Uns miseráveis!
O pior é que me estão a ameaçar
De tomar os meus bens. E pouco falta
Que de fato o consigam.



Sócrates
(aspergindo Estrepsíades da cabeça aos pés com a farinha ritual)
Renascerás, senhor, como perfeita
Flor da oratória, como um consumado
Tratante, palavroso e descarado.



Sócrates
São as nuvens, que são deusas
Dos homens de valor filosofal.
Elas nos asseguram o repertório
Do talento verbal e da eloquência,
Da graça, do arranzel, do casuísmo,
Da prova em profusão, do circunlóquio...

Estrepsíades
Deve ser então que por isso me sinto
Como que carregado para o alto,
Flutuando no ar de tão inflado
Com todo o sopro da filosofia,
Envolto numa espécie de lanugem,
Verbal tatuagem que me faz sentir
A sensação de uma inchação etérea.
Como se eu fosse um saco de palavras,
Repleto de argumentos e razões,
Cada qual mais aéreo.


Corifaio
Salve, ó tu, superidoso homem,
Cão amestrado da cultura, salve!



Sócrates
(…) Apenas eu pretendo
Fazer-te umas perguntas. Em primeiro
Lugar, responde: Tens boa memória?

 Estrepsíades
Isso depende. Se alguém me deve,
Eu não me esqueço, de maneira alguma.
Se eu devo a alguém, contudo, o caso é outro:
Não consigo lembrar, por mais que queira.



Quero-o capaz de rir-se da verdade.



Filosofia:
Vamos, vamos,
Penosa Impertinência,
E diante assim do respeitável público,
Faze uma respeitosa reverência.
Gostas de pimponar.
Está na hora.

Sofisma:
Está mesmo na hora,
Massa Informe,
Quanto maior a multidão, maior
O prazer de poder, diante dela,
Te refutar.


Filosofia:
Tem graça. Refutar-me!
Quem pensas que tu és?

Sofisma:
Sou uma Lógica.

Filosofia:
Tu, uma Lógica, vil Loquacidade?
Palavrório vazio!

Sofisma:
Não me importo
Ser chamado de Sofisma.
Eu te liquido.
Vou refutar-te.

Filosofia:
Com o que não é convencional, e ainda
Com o ultramodernismo, e assim também
Com ideias de todo heterodoxas.

Filosofia
Essa moda que ora predomina
Devemos a essa corja de imbecis...

Sofisma
Imbecis?
Cavalheiros requintados.

Filosofia
Eu te invalidarei.

Sofisma
Invalidar-me?
Que estás a pensar, seu defunto andante?

Filosofia
Meus argumentos são, convém saber,
A Verdade e a Justiça.

Sofisma
Eu te desarmo.
E te derroto, com Justiça e tudo.
Não existe a Justiça.

Filosofia
Não existe?
Tem graça!

Sofisma
Então, mostra-me onde ela está.

Filosofia
Onde está a Justiça?
Muito fácil: No regaço dos deuses.

Sofisma
No regaço Dos deuses?
Então podes me explicar
Como Zeus escapou da punição,
Depois de ter prendido o próprio pai?
A incoerência é clara como a água.

Filosofia
Tagarela asqueroso! Tu me enojas!

Sofisma
Decrépito! Senil! Velho caduco!

Filosofia
Pederasta precoce! Pervertido!

Sofisma
Pode atirar-me roas e mancheias.

Filosofia
Ó cogumelo vil! Ó vil latrina!

Sofisma
Com uma coroa de viçosos lírios
A minha fronte cinge.

Filosofia
Parricida!

Sofisma
Uma chuva de ouro sobre mim Faze cair.
Não vês que eu me deleito
Com os teus insultos?

Filosofia
Deleitas-te, monstro?
Em meu tempo, eu teria-te cingido
De vergonha.

Sofisma
Porém hás de convir
Que hoje as coisas mudaram.
O que era errado no teu tempo,
É o certo e a moda agora.

Filosofia
Fedelho repulsivo!

Sofisma
Vil pedante!

Filosofia
Por tua culpa só e tão-somente
As escolas de Atenas estão vazias.
 E por isso, ociosa e pervertida,
Toda uma geração nas ruas vaga.
Escuta o que te digo: no futuro
Saberá a cidade o que fizeste:
Os seus filhos viris tu os tornaste
Tolos e efeminados.

Sofisma
Idiota!

Filosofia
Enquanto isso, por tua vez, viraste
Um peralvilho muito presunçoso,
Mas recordo-me bem de teu começo
Humilde e triste, em que representavas
Bem igual a Telefos, embrulhado
No trapo e no farrapo euripidiano.

Sofisma
Quanta sabedoria havia ali!

Filosofia
 E que prodígio de loucura aqui!
Tua loucura, e, mais louca que tu,
Esta cidade, pois só louca pode
Permitir que tu vivas, miserável,
Corruptor de sua juventude!

Sofisma
(lançando uma asa em torno de Feidipides)
Fica sabendo, seu
Defunto Vivo,
Que a este aluno jamais ensinarás.

Filosofia
(puxando Feidipides para trás)
Hei de ser o seu Mestre, a menos que
Se dedique à carreira da sandice.

Sofisma
Vá esperando. Vem comigo, jovem.

Filosofia
Para a desgraça caminhar?

Corifaios
(intervindo)
Senhores! Chega de altercações e de injúrias.
Que cada um, por sua vez, exponha
Seus argumentos. Tu, Escola Antiga,
Descreve, com clareza e cortesia,
Como ensinaste os homens do passado,
E tu descreve a Nova Educação.

Filosofia
Apoio essa proposta.

Sofisma
E eu também.

Corifaios
Muito bem. Qual dos dois fala primeiro?

Sofisma
Que ele comece. Ficarei ouvindo.
Depois, porém, que ela tiver falado,
Lançarei sobre ela esmagadora
Concentração do Pensamento Novo
E dos Pontos de Vista Derradeiros,
Que vão deixá-la sem poder falar.

Coro
Com atenção ouçamos.
Afinal A Grande Discussão vai começar.
Entre os dois decididos campeões
Quem vai ganhar ninguém pode saber.
Ambos são hábeis, destros e subtis,
Mestres no ataque e na defesa, mestres
No insulto soez e na agressão.
Do pleito o prémio é a Sabedoria.
Da perícia dos dois contendores
O destino depende inteiramente
Do idioma e da mentalidade,
Da educação, enfim, de toda Atenas.

Corifaios
Tem a palavra a Filosofia.
Fala, portanto, ó tu, que conferiste
A virtude às antigas gerações.
Fala com confiança, e  explica-nos
O que na realidade representas.

Filosofia
Quero falar da Educação Antiga,
E como floresceu nos velhos tempos
Dirigida por mim. A Honestidade
Sem atavios, a Linguagem Clara
E a Verdade eram honradas, praticadas.
E em todas as escolas de Atenas
Se seguia o regime dos três DD:
Disciplina, Decoro e Dever.
O programa era a Música e a Ginástica,
Ensinadas de acordo com o ditado:
“As crianças são vistas, não ouvidas”.
Este era o princípio cardeal.
Os alunos, em grupos divididos,
Conforme a região de onde vinham,
Em esquadras marchavam para a escola
Disciplinados e silenciosos.
E eram jovens bem fortes, resistentes.
Mesmo em manhãs de inverno, quando a neve
Caía, a sua única proteção
Contra o rigor do tempo era uma túnica
Muito leve e bem fina. E nas salas
De aula eram os alunos colocados
Em filas e de pé, e muitos atentos
Escutavam as lições e as repetiam
Muitas vezes, de cor, seguidamente.
A própria música era tradicional:
Entoavam-se, então, hinos e cânticos
Bem conhecidos, como, por exemplo,
O que começa: “Uma voz vem de longe”
Ou “Salve, Palas ultriz” e outros cantos
De uma simplicidade que encantava.
Brincadeiras na aula eram severa
E decididamente proibidas.
Aqueles que quisessem improvisar
Ou usar os torneios e trinados
Então em voga na degenerada
E efeminada escola de Frinis,
Eram severamente castigados
Por ultrajarem as Musas.
No ginásio,
Também todo o decoro era exigido.
Nus em pelo os alunos reunidos
Pudicamente as pernas estendiam
Para frente, dos olhos curiosos
Escondendo a nudez.
Tão recatados
Eram os jovens então, que sempre tinham
O cuidado de bem limpo deixarem
O lugar onde se tinham sentado,
Para que acaso o traço sobre a areia
Por suas próprias nádegas deixado
Chegar não fosse a provocar desejos.
Era proibido ungir com óleo o corpo
Para cima do umbigo, e, em consequência,
O órgão genital era mantido
Com toda a exuberância juvenil.
Para os amantes o comportamento
De todos eles era bem viril.
Não eram vistos em pares aos cochichos,
Nem soltando gritinhos nem olhares
Provocantes lançarem, requebrando.
Na mesa, a educação e a cortesia
Eram cumpridas rigorosamente.
Nenhum jovem jamais se atreveria
A salada sequer provar, sem antes
Terem sido servidos os adultos.
Comida temperada era proibida.
Proibido também dar gargalhadas
Ou as pernas cruzar...


Sofisma
Quanta estupidez!

Filosofia
Estupidez? Esses preceitos produziram
Os heróis que venceram a Maratona.
(ao Sofisma)
E tu o que ensinas? A modéstia?
Apenas a vaidade e a frouxidão.
A beleza do corpo nu oculta
Por pesadas e feias vestimentas,
Pouco viris também. Fico enojado
 Se nas Panetenéias vejo os jovens
Dançarem do seu corpo envergonhados.
Esquecendo, de fato, o seu dever
Para com os nossos deuses, quando atrás
Dos seus escudos a nudez escondem.  
(A Feidipides)
Eu te convoco, jovem. Vira as costas
À atração do vício, às artimanhas
Dos tribunais e à fácil, preguiçosa
Corrupção dos banhos. Ao contrário
Escolhe a Antiga Educação, baseada
Na sã Filosofia. Jovem, segue-me
E dos meus lábios, sem temor, aprende
As virtudes do homem: a mente sã,
A decência e a inocência que não vão
Permitir que do mal te aproximes.
Que te sintas furioso, indignado,
Quando a tua honra sentes ultrajada.
Para com os mais velhos, deferência;
Respeitar pai e mãe; manter intacta
A imagem de modéstia assaz viril
Que servirá de guia em tua vida.
Sê puro, evita os sórdidos bordéis,
O amor prostituído, que corrompe
Teu caráter viril, e que rebaixa
Tua reputação. Para teu pai
Mostres sempre total obediência.
Respeita o fim da vida de quem antes
Te criou, te tratou, quando mais moço.
Jamais o chames de velho ou caduco...

Sofisma
 Meu jovem, se seguires tais conselhos,
Acabarás ficando efeminado

Filosofia
Muito ao contrário disso, eu te prometo,
Não discussões estéreis, não pendências
Judiciais repletas de chicana,
E sim lutas atléticas, viris,
Disputadas por jovens musculosos
Repletos de vigor e de saúde.
Parece-me ver-te agora, em um idílio
Com outro jovem de tua mesma idade,
Tão modesto e viril como tu mesmo,
Caminhando talvez na Academia,
Ou entre os olivais, ambos coroados
De pâmpano e respirando o ar sadio
Da primavera, a súbita fragrância
Do início da estação. Portanto, ó jovem,
Segue os meus passos e conquistarás
A perfeição do físico, a saber
(Demonstrando cada tributo individualmente)
FORMA, Estupenda.
CÚTIS, Magnífica.
OMBROS, Gigantes.
LÍNGUA, Bem Pequena.
NÁDEGAS, Robustas.
PÉNIS, Discreto.
Se seguires, porém, a outra parte,
É esta a recompensa que terás:
FORMA, Efeminada.
CÚTIS, Macilenta.
OMBROS, Caídos.
LÍNGUA, Enorme.
NÁDEGAS, Molengas.
PÉNIS, Desprezível!
Mas é verdade que terás também
Muitos e dedicados partidários.
E o que é pior, irás acostumar-te
A zombar da moral, não distinguindo
O bem do mal e o mal do bem. Em suma
Coberto ficarás de vilania,
Indecência, desonra e perversão.

Coro
Bravo! Que brilho! Que vigor!
Que belo! Que saber!
Que modéstia! Que decoro!
Nem uma só palavra desperdiçada!
Felizes foram aqueles cujas vidas
Nas virtudes antigas se apoiaram!
 (Para o Sofisma)
A despeito de tua subtileza,
De tua habilidade, tem cuidado.
Teu rival conseguiu lavrar um tento.
Muito vigor precisas para vencê-lo.
Podes falar agora. A vez é tua.

Corifaios
A não ser que prepares com cuidado
Tua estratégia e, ferozmente, ataques,
Terás perdido a causa, e saíras
Daqui como motivo de chacota.

Sofisma
Até que enfim! Se mais alguns minutos
Tivesse que esperar, eu morreria
Até, de impaciência, do desejo
De refutar e de arrasar o outro.
Muito bem. Para começo de conversa,
Tenho de admitir que, entre os letrados
E os pedantes, costumo ser chamado
 - Pejorativamente algumas vezes –
 De Lógica Sofística, Imoral. E por quê?
Porque eu fui o primeiro
A construir um Método capaz
De subverter as Crenças Sociais
De há muito respeitadas e seguidas
E a Moral respeitada solapar.
Além de tudo, uso um certo truque,
Invençãozinha que a mim mesmo devo,
Que é o de utilizar um argumento
Que parece o pior dos argumentos,
E acabar vencendo, no entanto.
E essa minha invenção tem-se mostrado
Extremamente lucrativa como
Fonte de rendimentos. Vede, agora,
Como eu refuto a vã Filosofia.
(Para a Filosofia)
Em teu programa escolar proíbes
Absolutamente os banhos quentes.
Podes expor-me agora os argumentos
Em que se funda tal proibição?

Filosofia
O que mais poderia eu aduzir?
Os banhos quentes fazem muito mal,
Tornam o homem frouxo, efeminado.

Sofisma
Não me digas mais nada. Isso é bastante.
Estás em minhas mãos, completamente.
Responde-me de pronto: quem dos filhos
De Zeus foi mais valente, mais heróico?
Quem mais aos sofrimentos resistiu?
Quem executou as mais duras tarefas?

Filosofia
Na minha opinião, Héracles foi
O maior dos heróis que o mundo viu.

Sofisma
Quando tu te referes aos famosos
Banhos de Héracles, referindo estás
A que espécie de banhos: frios, quentes?
É claro que são quentes. Assim sendo,
Por tua própria lógica era Héracles
Efeminado e frouxo.

Filosofia
Idiotice! A tua lógica é dessas que se usam
Entre esses jovens desfibrados, torpes,
Que esvaziam os ginásios e enchem os banhos.

Sofisma
Muito bem. Prossigamos. Se quiseres
Considerar a nacional paixão
Pela política e pelo debate
Um mal, muito ao contrário eu a aprovo.
Se a política fosse razoavelmente
Tão nefasta e tão má como sustentas,
 Então jamais o venerando Homero
 - Nosso guia e mentor quanto à Moral –
Jamais, jamais teria retrato
Nestor e outros velhos respeitáveis
Como políticos. Não é mesmo claro?
Agora examinemos a questão
De estudarem os jovens a oratória,
Coisa que eu defendo e tu condenas.
Quanto ao Decoro e à Moderação,
Estas próprias noções são absurdas.
Acho mesmo difícil conceber
Preconceitos tão tolos, ou melhor
Mais que tolos: prejudiciais.
Poderias, por acaso, me citar
O exemplo de um homem que lucrou
Com a moderação? Um só exemplo.

Filosofia
Os exemplos abundam. Eu citaria...
Por exemplo, Peleu. Sua virtude
Conquistou-lhe uma espada.

Sofisma
Ora, uma espada!
Que grande prémio pra tão grande tolo!
Vejamos nosso Hipérbolo. Sem dúvida
Virtude é coisa que ele nunca teve.
No entanto, viveu à tripa forra,
Teve dinheiro a rodo. Não espadas.
Espada não combina com Hipérbolo.

Filosofia
Além disso, porém, a castidade
De Peleu conquistou o amor da deusa
Tétis, que se tornou a sua esposa.

Sofisma
Exatamente. Mas o que fez Tétis
Depois do casamento? Despediu-o,
Por ser frio demais, com espada e tudo.
(A Feidipides)
Eu te aconselho, jovem, a encarares
Com cuidado o caminho da Virtude,
Pois se acaso o seguires, não te esqueças:
Despedirás de todos os prazeres
Que hoje te deleitam. Por exemplo:
Sexo, glutonaria, jogatina, bebedeiras etc.
O que farás na vida, jovem e forte,
Se deixares de lado tais deleites
Essas pequenas alegrias? Pensa
Em tuas naturais necessidades.
Supões que, sendo exemplo da virtude,
Cometas, algum dia, um pecadilho,
Uma seduçãozinha, um adultério,
E, por azar, tu sejas apanhado
Com a boca na botija. Que farias?
Tu estarias desmoralizado,
Não poderias defender-te, é claro,
Sem ter nunca aprendido como agir
Em tal situação imprevisível.
Segue, porém, os meus conselhos, jovem,
E faz o que te dita a natureza.
Goza a vida, diverte-te e ri
Do mundo sem escrúpulos. Se acaso
Em flagrante tu fores apanhado,
Afirma simplesmente ao pobre corno
Que não tens culpa, e invoca como exemplo
O Zeus onipotente, que não pode
Ver mulher sem tratar de conquistá-la.
Se um tão grande e poderoso deus
Não pode resistir, como querer
Que um pobre mortal tenha a arrogância
De ministrar ensinos de moral
Aos deuses imortais? Não é possível.


Filosofia
Mas supõe que, aceitando o teu conselho,
O teu discípulo seja condenado,
Por adultério, a ter um rabanete
Enterrado no reto?
 Por acaso Poderias salvá-lo?

Sofisma
Um rabanete!
Achas mesmo, confessa, uma desgraça
 Tão grande ter um rabanete
Enfiado no rabo?

Filosofia
Para mim
Não pode haver nada mais degradante
Do que ter um rabanete em tal lugar.

Sofisma
E o que dirias, se eu te derrotasse
Neste campo também?

Filosofia
Nada diria. Não abriria nunca mais a boca.
Sofisma
O que achas que são nossos juristas?

Filosofia
Pederastas passivos.

Sofisma
Muito bem. E os poetas trágicos?

Filosofia
O mesmo.

Sofisma
Políticos?

Filosofia
Também a mesma coisa.
Sofisma
É assim? Pois então, agora olha
Para a nossa audiência. Estás olhando?

Filosofia
Estou. Atentamente.

Sofisma
E o que tu vês;

Filosofia
Muitos homens eu vejo,
e quase todos Pederastas passivos.
(Apontando para alguns indivíduos no público)
Vê aqueles
De cabelos compridos?
Têm de ser.

Sofisma
 E agora dize, amigo, onde chegamos.

Filosofia
Fui derrotada pelos Pederastas Passivos.
Vou-me retirar. Só isso. (Atira seu manto para o público)
Tomai meu manto e recebei-me, ó vós,
Pederastas Passivos.



E vós, aí? Sim, vós mesmos, cretinos! Vós carneiros
Com cabeças de pombo! Presa fácil
Do palavroso esperto e do sofista.
Cambada de idiotas! Tenho dito.


Os juros não são mais do que a tendência
Natural do dinheiro aplicado
De se reproduzir, com a passagem
Do tempo. E assim é mais do que claro
Que os juros crescem, o capital aumenta.


Feidipides
Senhores! A Eloquência é coisa boa,
Muito melhor até do que esperava.
Oh! O arrebatamento do discurso!
Oh! A volúpia da articulação!
Mas sobretudo o ático prazer
De poder à vontade subverter
A ordem da Moral seguida e aceite!



Feidipides
Responde agora pai:
Quando eu era pequeno bateste-me?

Estrepsíades
É claro. Eu tinha de te educar. Bati porque te amava.

Feidipides
Muito bem. Uma vez que tu mesmo reconheces
A sinonímia de espancar e amar,
É mais do que natural que eu, agora,
Por minha vez, com muito amor, te espanque.
Mais que isso, aliás: com que direito
Tu podes me espancar e pretenderes
Que eu não possa fazer a mesma coisa.
O que pensas que sou? Que sou escravo?
Não nasci, como tu, um homem livre?
Que me dizes, então?

Estrepsíades
Mas...

Feidipides
Mas o quê?
“Poupas a vara e estragas a criança”?
Este é o teu argumento?
 Pois, se for
Eu posso responder com outro ditado:
 “Os velhos são crianças que cresceram”.
É lógico, portanto, que os velhos
Merecem muito mais ser espancados,
Porquanto, experientes como são,
São menos desculpáveis que as crianças.

Estrepsíades
Mas não é natural! É ilegal!
Honrarás pai e mãe. Tal é a lei.

Feidipides
E quem fez essa lei? Um homem igual
A mim, a ti, um homem igual a nós.
Um homem que lutou por seu projeto
Até poder persuadir o povo
Que o transformasse em lei.
Somente isso.
Pelo mesmo motivo, o que me impede
De uma lei nova apresentar, mandando
Que os pais sejam espancados pelos filhos?
Não seria vingança, é evidente.
Estou mesmo inclinado a sugerir
Uma amnistia que retroagisse
Favorecendo os pais, e garantindo
Uma compensação pelas pancadas
Que, por acaso, houvessem recebido
Antes que fosse promulgada a lei.
Se, apesar disso tudo, não estás
Ainda convencido, todavia,
Argumento com a própria Natureza.
Por exemplo: observa como os galos
Se comportam entre si.
Vivem brigando Filhos com pais, sem vãs hierarquias.
E em quê a sociedade galinácea
 Difere da nossa: tão somente
Porque a nossa tem leis e ela não.

Estrepsíades
Se estás disposto a imitar os galos,
Por que não vais, então, comer titica
E dormir no poleiro?

Feidipides
Ora! Porque... Porque não há no caso analogia.
Se duvidas de mim, pergunta a Sócrates.

Estrepsíades
Deixa os galos para lá. Mas aconselho-te
A não bateres mais em mim, pois isso
Vai acabar é a prejudicar-te.

Feidipides
Prejudicar-me? Eu duvido.

Estrepsíades
Então,
Presta atenção no que te vou dizer:
Quando eras menino eu bati.te.
Mas um dia terás, também um filho,
Nele descontarás o que tiveste.
Se, porém, me bateres, o teu filho
Naturalmente seguirá o exemplo
E contigo fará o que me fazes.

Feidipides
E se eu não tiver filho? Nesse caso
Eu ficarei privado de bater
Em qualquer um.
E agora, o que me dizes?

Estrepsíades
Tenho de confessar que tens razão.
(Para o público.)
Falando para a geração mais velha,
Sou obrigado a confessar, senhores,
Derrotado saí. Meu douto filho
Conseguiu demonstrar a sua tese:
Deve ser espancado o pai faltoso.

Feidipides
Naturalmente. Eu estava a esquecer-me,
De uma questão final, muito importante.

Estrepsíades
Qual é? O funeral?

Feidipides
Muito ao contrário.
Eu acho até que vais ficar contente.

Estrepsíades
Mais do que já estou? Acho difícil...

Feidipides Segundo dizem, “O sofrimento gosta
De companhia”. E terás, meu pai
Em tua desventura, companhia
Vou espancar também minha mãezinha.

Estrepsíades Bater em tua mãe?!
Isso é pior, Dez mil vezes pior!

Feidipides
Tu achas mesmo?
E se eu provar, por Lógica socrática,
Isso também, então o que dirias?

Estrepsíades
O que eu diria? Digo agora mesmo:
Se tal coisa provares, eu permito
Que juntes tua Lógica nojenta,
E o teu Pensamental e que Sócrates,  
Enfie tudo no lugar devido!
(Dirigindo-se ao Coro)
Ó Nuvens, fostes vós que me arrastastes
A esta situação em que me encontro.
Ser assim enganado! Mentirosas!

Corifaios
Foste tu o culpado, Estrepsíades.
O único culpado foste tu.
Não foi feita por nós a tua escolha,
Porém por tua própria improbidade

 Estrepsíades
Por que, então, em vez de aconselhardes
Um pobre ignorante a se afastar
Do mal, muito ao contrário, o incitastes?

Corifaios
Porque é assim mesmo que nós somos:
Insubstanciais nuvens onde o homem
Constrói as suas frágeis esperanças,
Brilhantes, tentadoras, mas formadas
De puro ar, miragens do desejo.
E assim agimos nós, indiferentes.
Seduzindo e atraindo os homens vãos
Nos desonestos sonhos da ambição
Que, como sonhos, logo se desfazem.
E o sofrimento lhes ensina então
A respeitar os deuses, e a temê-los.





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