Dupla e
inexprimível inquietude me enche o coração. Tesouros sem súditos que os
defendam, de nada valem; e, sem tesouros, dias não há de esplendor sem sequer
para o mais forte estado. Nossas riquezas acham-se intactas; mas receio pela
alma deste palácio; pois a alma de uma casa é o seu dono.
Ó rainha
persa! Um invejoso demónio, um génio fatal foi ao tudo, a causa da perda. Um
soldado do exército ateniense fora dizer a teu filho que nem bem as sombras da
noite descessem, os gregos, não mais ousando enfrentá-lo, retirando-se em
silêncio, procurariam separadamente salvar-se, fugindo. Xerxes ordenou, pois a seus generais, que apenas o
sol deixasse de iluminar a terra com seus raios e as trevas obscurecessem a
abóbada celeste, fechassem as passagens e estreitos com três linhas de navios,
e cada chefe responderia por sua cabeça: tais as ordens que ele, confiante,
dera; não sabia o que lhe reservavam os deuses. Obedientes, as tropas fazem
tranquilamente a sua refeição, enquanto os marujos dispõem os remos junto aos
barcos. Assim que os raios solares se apagaram abrindo lugar às trevas, todos,
remadores e soldados, dirigem-se aos seus postos; e os navios se colocam
segundo a ordem recebida. Durante toda a noite, a frota, disposta pelos chefes,
guarda cuidadosamente a passagem. Escoa-se o tempo, nenhum dos gregos tenta
fugir. Mas apenas a aurora, no seu carro luminoso, seus clarões sobre a terra
espalha, ouvem-se tons medulados de festivo toque e um canto de guerra repetido
pelo eco dos penhascos. Os persas, ludibriados em sua expectativa,
horripilam-se: o hino entoado pelos gregos não era de retirada, porém de
estímulo ao combate. O som da trombeta inflamava-lhes a coragem. Ressoa um
grito; os rápidos remos cortam simultaneamente a onda salgada, que estremece:
em breve, surgem todos à nossa vista. Ouve-se uma vibrante voz: “Filhos dos
gregos, ide, salvai nossa pátria, vossas mulheres e filhos, os tempos de vossos
deuses e os túmulos de vossos ancestrais; é por todos eles que hoje deveis
combater”. Surpreendidos, os persas responderam num murmúrio. Impossível evitar
o combate. Já as proas de bronze se chocavam; um navio grego, iniciando a
abordagem, despedaça o equipamento de um barco fenício; a seguir, a confusão.
Nossa frota aguenta o primeiro encontro; porém, os navios, numerosos demais,
compridos no estreito, manobram dificilmente, sem poder socorrer-se; entrechocando-se
os esporões de ferro; partem-se os remos. Os gregos, peritos na manobra,
atacam-nos por todos os lados, afundando-os; o mar desaparece sob os destroços
e os mortos; as praias e os rochedos cobrem-se de cadáveres. Em breve, toda a
frota dos persas põe-se, desordenadamente, em fuga. Nossos infelizes
marinheiros, como atuns dispersos do cardume, ou peixes despejados da rede, são
abatidos a golpes de remos e bancos. Gritos e gemidos ecoam na praia.
Finalmente, a noite, nos furta o olhar do vencedor. Não, dez dias inteiros não
bastariam a pormenorizar tal perda. Sabe apenas que jamais tantos homens
pereceram num dia….A nata dos persas, toda aquela juventude tão distinta pelo
nascimento, a coragem e a dedicação do rei, pereceu miseravelmente, sem glória…
Há, em frente de Salamina, uma pequena ilha, perigosa para os navios, e frequentada
por Pã, o deus amigo das danças. Para lá enviou Xerxes seus jovens guerreiros,
a fim de dar morte aos gregos, que, após a derrota ali se refugiassem, e
socorrer os persas que o mar, porventura, aí lançasse. Lia mal o futuro; pois,
assim que os céus, na batalha naval, deram vitória aos gregos, estes, armados
de bronze, desembarcaram na ilha, cercando-a de modo a não permitir a fuga de
nenhum dos nossos; a princípio, assaltaram-nos com uma saraivada de pedras e
dardos; depois sobre eles caindo, num furioso corpo a corpo, despedaçaram-nos à
espada, degolando-os até o último. Xerxes instalado num outeiro, de onde
descortinava todo o exército, testemunha dessa hedionda carnificina, dilacera
as vestes, lançando pungentes gritos e, dando sinal de retirada às tropas de
terra, fugiu precipitadamente. Eis a desgraça que ainda tendes a chorar…
Os capitães
dos navios restantes fugiram em desordem à mercê dos ventos. Das tropas de
terra, uma parte, devorada pela sede, pereceu na Beócia; os outros, fugindo sem
tomar fôlego, atravessaram a Fócida, a Dórida e os países vizinhos do golfo
Melíaco, as regiões regadas pelas salutares águas de Sperchius. De lá,
desprovidos de víveres, atravessamos primeiro a Acaia e a Tessália, onde a
maior parte morreu de fome e sede – pois ambos igualmente nos perseguiam. A
seguir, a Magnésia, a Macedónia, onde passamos o Áxio, os pântanos de Bobes, o
monte Pangeu e a Hedónia. Aí, permitiram os céus que uma geada extraordinária
gelasse, à noite, as águas límpidas do Estrimom. A tão inesperada ventura, até
os mais incrédulos, forçados a reconhecer a intervenção dos deuses, se
prostrarem diante do céu e da terra. Após longa e fervorosa prece, o exército
avançou pelo gelo. As tropas que conseguiram passar antes do amanhecer, foram
salvas; mas quando o luminoso e flamejante disco derreteu o gelo, os soldados
precipitaram-se no rio. Felizes os que logo se afogaram. Os poucos que
conseguiram escapar ao perigo, após percorrerem com grande dificuldade a
Trácia, regressaram, em fuga, aos lares paternos. Assim, gemente, a Pérsia, por
muito tempo, lamentará a flor de seu império. Essa é a verdade, embora em meu
relato haja omitido várias das circunstâncias da catástrofe com que nos
trucidaram os deuses.
Ah, céus!
Xerxes os perdeu! Ah, deuses! O imprudente Xerxes tudo confiou a frágeis
navios!
Desvaneceu-se
a força de nossos reis. Não há mais freio para conter os murmúrios, pois a
língua dos povos desencadeia-se assim que se parte o jugo que os domava.
Amigos. A
experiência nos ensina que o homem bafejado pela sorte, crê que o vento da
fortuna soprará eternamente; porém, assaltado pelo vendaval do infortúnio, com
tudo se alarma.
O infortúnio
é a partilha do homem; enquanto dura a vida, sobre a terra e no mar o
experimentamos.
E, embora em
meio a desgraças, alegrai-vos na fruição do mundo, pois entre os mortos os bens
terrestres nada significam.
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