domingo, 2 de junho de 2013

Ésquilo- Os Persas

Dupla e inexprimível inquietude me enche o coração. Tesouros sem súditos que os defendam, de nada valem; e, sem tesouros, dias não há de esplendor sem sequer para o mais forte estado. Nossas riquezas acham-se intactas; mas receio pela alma deste palácio; pois a alma de uma casa é o seu dono.

Ó rainha persa! Um invejoso demónio, um génio fatal foi ao tudo, a causa da perda. Um soldado do exército ateniense fora dizer a teu filho que nem bem as sombras da noite descessem, os gregos, não mais ousando enfrentá-lo, retirando-se em silêncio, procurariam separadamente salvar-se, fugindo. Xerxes  ordenou, pois a seus generais, que apenas o sol deixasse de iluminar a terra com seus raios e as trevas obscurecessem a abóbada celeste, fechassem as passagens e estreitos com três linhas de navios, e cada chefe responderia por sua cabeça: tais as ordens que ele, confiante, dera; não sabia o que lhe reservavam os deuses. Obedientes, as tropas fazem tranquilamente a sua refeição, enquanto os marujos dispõem os remos junto aos barcos. Assim que os raios solares se apagaram abrindo lugar às trevas, todos, remadores e soldados, dirigem-se aos seus postos; e os navios se colocam segundo a ordem recebida. Durante toda a noite, a frota, disposta pelos chefes, guarda cuidadosamente a passagem. Escoa-se o tempo, nenhum dos gregos tenta fugir. Mas apenas a aurora, no seu carro luminoso, seus clarões sobre a terra espalha, ouvem-se tons medulados de festivo toque e um canto de guerra repetido pelo eco dos penhascos. Os persas, ludibriados em sua expectativa, horripilam-se: o hino entoado pelos gregos não era de retirada, porém de estímulo ao combate. O som da trombeta inflamava-lhes a coragem. Ressoa um grito; os rápidos remos cortam simultaneamente a onda salgada, que estremece: em breve, surgem todos à nossa vista. Ouve-se uma vibrante voz: “Filhos dos gregos, ide, salvai nossa pátria, vossas mulheres e filhos, os tempos de vossos deuses e os túmulos de vossos ancestrais; é por todos eles que hoje deveis combater”. Surpreendidos, os persas responderam num murmúrio. Impossível evitar o combate. Já as proas de bronze se chocavam; um navio grego, iniciando a abordagem, despedaça o equipamento de um barco fenício; a seguir, a confusão. Nossa frota aguenta o primeiro encontro; porém, os navios, numerosos demais, compridos no estreito, manobram dificilmente, sem poder socorrer-se; entrechocando-se os esporões de ferro; partem-se os remos. Os gregos, peritos na manobra, atacam-nos por todos os lados, afundando-os; o mar desaparece sob os destroços e os mortos; as praias e os rochedos cobrem-se de cadáveres. Em breve, toda a frota dos persas põe-se, desordenadamente, em fuga. Nossos infelizes marinheiros, como atuns dispersos do cardume, ou peixes despejados da rede, são abatidos a golpes de remos e bancos. Gritos e gemidos ecoam na praia. Finalmente, a noite, nos furta o olhar do vencedor. Não, dez dias inteiros não bastariam a pormenorizar tal perda. Sabe apenas que jamais tantos homens pereceram num dia….A nata dos persas, toda aquela juventude tão distinta pelo nascimento, a coragem e a dedicação do rei, pereceu miseravelmente, sem glória… Há, em frente de Salamina, uma pequena ilha, perigosa para os navios, e frequentada por Pã, o deus amigo das danças. Para lá enviou Xerxes seus jovens guerreiros, a fim de dar morte aos gregos, que, após a derrota ali se refugiassem, e socorrer os persas que o mar, porventura, aí lançasse. Lia mal o futuro; pois, assim que os céus, na batalha naval, deram vitória aos gregos, estes, armados de bronze, desembarcaram na ilha, cercando-a de modo a não permitir a fuga de nenhum dos nossos; a princípio, assaltaram-nos com uma saraivada de pedras e dardos; depois sobre eles caindo, num furioso corpo a corpo, despedaçaram-nos à espada, degolando-os até o último. Xerxes instalado num outeiro, de onde descortinava todo o exército, testemunha dessa hedionda carnificina, dilacera as vestes, lançando pungentes gritos e, dando sinal de retirada às tropas de terra, fugiu precipitadamente. Eis a desgraça que ainda tendes a chorar…
Os capitães dos navios restantes fugiram em desordem à mercê dos ventos. Das tropas de terra, uma parte, devorada pela sede, pereceu na Beócia; os outros, fugindo sem tomar fôlego, atravessaram a Fócida, a Dórida e os países vizinhos do golfo Melíaco, as regiões regadas pelas salutares águas de Sperchius. De lá, desprovidos de víveres, atravessamos primeiro a Acaia e a Tessália, onde a maior parte morreu de fome e sede – pois ambos igualmente nos perseguiam. A seguir, a Magnésia, a Macedónia, onde passamos o Áxio, os pântanos de Bobes, o monte Pangeu e a Hedónia. Aí, permitiram os céus que uma geada extraordinária gelasse, à noite, as águas límpidas do Estrimom. A tão inesperada ventura, até os mais incrédulos, forçados a reconhecer a intervenção dos deuses, se prostrarem diante do céu e da terra. Após longa e fervorosa prece, o exército avançou pelo gelo. As tropas que conseguiram passar antes do amanhecer, foram salvas; mas quando o luminoso e flamejante disco derreteu o gelo, os soldados precipitaram-se no rio. Felizes os que logo se afogaram. Os poucos que conseguiram escapar ao perigo, após percorrerem com grande dificuldade a Trácia, regressaram, em fuga, aos lares paternos. Assim, gemente, a Pérsia, por muito tempo, lamentará a flor de seu império. Essa é a verdade, embora em meu relato haja omitido várias das circunstâncias da catástrofe com que nos trucidaram os deuses.

Ah, céus! Xerxes os perdeu! Ah, deuses! O imprudente Xerxes tudo confiou a frágeis navios!

Desvaneceu-se a força de nossos reis. Não há mais freio para conter os murmúrios, pois a língua dos povos desencadeia-se assim que se parte o jugo que os domava.

Amigos. A experiência nos ensina que o homem bafejado pela sorte, crê que o vento da fortuna soprará eternamente; porém, assaltado pelo vendaval do infortúnio, com tudo se alarma.

O infortúnio é a partilha do homem; enquanto dura a vida, sobre a terra e no mar o experimentamos.

E, embora em meio a desgraças, alegrai-vos na fruição do mundo, pois entre os mortos os bens terrestres nada significam.








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