(…)Mais!
Mais! Peça a um pederasta! O escaravelho disse que gosta do bolo bem espremido.
Digam-me,
quem souber, onde eu posso comprar um nariz sem buracos. Não conheço trabalho
mais horroroso que este de espremer comida para um escaravelho. Um porco ou um
cachorro engolem sem luxinhos os nossos excrementos mas esse bicho aí se faz de
delambido e não quer comer a não ser que eu tenha passado o dia todo a amassar
os bocados, como se fosse uma mulherzinha muito delicada!
Coma!
Empanturre-se de comida até estourar! Com que gana esse bicho maldito devora a
comida! Ele mexe o queixo sem parar, como um lutador mexe com os braços. Mexe
as cabeças e as patas como um fabricante de cordas para barcos. Bicho feio,
fedorento e guloso! A que deus ele é consagrado? Não tenho certeza, mas penso
que não há de ser a Afrodite nem às Graças.
“…Para quê
esse escaravelho?” E um vizinho dele responde: “Se não me engano, aquele
político sujo anda metido nisso; dizem que ele comia imundície”… E eu vou explicar o caso às crianças,
aos homenzinhos, aos homens feitos, aos homens desfeitos, aos que já viveram
demais.
Trigeu
Onde está a
Paz?
Hermes
A Guerra
trancafiou a infeliz numa caverna profunda.
Trigeu
Em que
caverna?
Hermes
Naquela ali
em baixo. Você está a ver quanta pedra ela amontoou na entrada para impedir
vocês de reconquistá-la?
Trigeu
E você sabe
o que a Guerra vai fazer conosco?
Hermes
Só sei uma
coisa: ontem de noite ela pôs lá dentro uma enormidade de pilão.
Trigeu
E o que é
que ela vai fazer com esse pilão?
Hermes
Ela pretende
reduzir as cidades a pó.
Marchem
todos por aqui fogosamente, diretos à liberdade! Ajudemo-nos uns aos outros,
gregos de toda a parte, agora ou nunca! Chega de campos de batalha! Chega de
uniformes militares! Acaba de raiar o dia luminoso de que traficantes de guerra
não vão gostar!
Hermes
Libação!
Libação! Concentrem-se! Concentrem-se! Fazendo esta libação, vamos rezar para
que este dia seja para todos os gregos o início de um bocado de coisas boas e
para os que pegarem nestas cordas com o coração cheio de boa vontade nunca mais
tornem a pegar em armas!
Trigeu
(bebendo)
E que se
possa levar a vida no seio da paz, com uma boa amiga, remexendo brasas...
Hermes
(bebendo)
Quanto aos
que preferirem a guerra, que nunca parem...
Trigeu
(bebendo) ... de arrancar pontas de flechas dos cotovelos.
Hermes
(bebendo)
E se alguém,
com vontade de comandar batalhões, se opuser a que você volte a reinar entre os
homens, soberana Paz, que nas batalhas...
Trigeu
(bebendo)
... tenha de lançar as armas fora para fugir
mais depressa.
Hermes
(bebendo)
E se um
fabricante de lanças ou um vendedor de escudos desejar que haja guerra para
ganhar mais dinheiro...
Trigeu
(bebendo) ... que seja assaltado por bandidos e só fique com umas migalhas para
comer!
Hermes (bebendo) E se alguém, com
vontade de ser general, não quiser nos ajudar, ou desertar como um escravo...
Trigeu (bebendo) ... que seja
amarrado numa roda e esfolado a chicotadas!
Hermes
(bebendo)
E a nós que
só aconteçam coisas boas! Hipe, urra! Hipe, urra!
Trigeu
(bebendo) Tire esse “urra”, que faz pensar em surra, e diga só “hipe”.
Hermes
(bebendo) Então, hipe! Hipe! (Ouviu? Eu disse só hipe.)
Trigeu
(bebendo) A Hermes, às Graças, à Abundância, à deusa do amor, ao Desejo!
Hermes (já meio embriagado) Mas ao
deus da guerra, não!
Trigeu (bebendo) Não!
Hermes (bebendo)
Nem aos deus da carnificina!
Trigeu (bebendo) Não!
(… solta a
Paz)
Hermes
(…)E aqueles
ali, os espectadores? Olha a cara deles e veja se descobre a profissão de cada
um!
Trigeu
Que
tristeza!
Hermes
Aquele ali,
por exemplo, o fabricante de penachos para capacetes: você está a ver como ele
arranca os cabelos?
Trigeu
Sim, mas o
fabricante de enxadas soltou o maior peido no nariz do fabricante de espadas,
aquele ali atrás.
Hermes
E você está
vendo como o fabricante de foices de colheita de cereais está alegre?
Trigeu
E como ela
dá milho ao fabricante de lanças?
Hermes
Agora
comunique aos lavradores que eles devem voltar.
Trigeu
Ouçam todos:
que os lavradores voltem com suas ferramentas e se dirijam sem demora para o
campo, sem lança, nem espada, nem dardo, pois a boa Paz de antigamente está de
novo aqui conosco! Vamos! Volte cada um a trabalhar no campo após cantar uma
canção alegre!
Corifeu
O dia tão
esperado pelos homens de bem e pelos lavradores! Feliz haver-te visto, quero
saudar minhas parreiras e figueiras, que plantei na mocidade. Há muito tempo
suspiro por abraçá-las!
Viva! Viva!
Como estamos alegres com a sua vinda, Paz muito querida! Eu estava tarado de
desejos por você; um impulso sobre-humano me impelia a voltar para o campo.
Você era a causa da abundância para todos nós que vivíamos da terra, Paz muito
desejada! Só você nos ajudava. Que doces prazeres tínhamos antes, graças a
você, gratuitos e bem gozados! Você era para a gente do campo o doce mais
saboroso e a salvação. As parreiras e as figueiras novas e todas as outras
plantas também receberão você com um sorriso alegre.
Vocês lá de
cima pareciam tão insignificantes! Olhando lá do céu vocês pareciam ruins
mesmo, mas próximo eu vejo que vocês são ainda piores.
Vão ficar
com muita inveja de você, velhinho, quando você aparecer todo perfumado, como
um broto.
(A Alegria
despe-se; quando fica nua, Trigeu a conduz até a entrada do compartimento reservado
aos senadores.)
Trigeu
Senado!
Senadores! Contemplem a Alegria! Vejam quanta coisa boa eu trago para vocês! De
saída, vocês podem levantar as pernas dela e iniciar o “sacrifício”. Olhem que
“forno”!
Criado
Como ela é
bonita! Agora eu compreendo porque é que ela tem aquela mancha preta! É a
fumaça do forno! Antes da guerra os senadores fritavam bolinhos ali!
Trigeu
Agora que
ela é de vocês, podem organizar a partir de amanhã uma sessão deliciosa, com
uma luta vale-tudo; podem virá-la de costas, botá-la de joelhos, aplicar uns
golpes bem lubrificados, trabalhar com as mãos e com os paus. No dia seguinte,
depois de tudo isso, vocês podem fazer uma competição hípica, montando e
desmontando, caindo e trepando. Quem não aguentar a virada vai ficar todo
esfolado! Vamos, senadores! Recebam a Alegria!
(Vejam com
que “eficiência” aquele senador recebe a Alegria! Você não agiria com essa
rapidez se fosse preciso apresentar algum projeto sem compensação; você
entraria em recesso...)
Se algum
músico desses que levam a vida na flauta vir vocês aí, vai-se aproximar e vai
querer tocar sem ser convidado; e se vocês virem a cara de sofrimento que ele
faz quando toca, vão deixar que ele tome parte na festa.
Venerada Paz
recebe nosso sacrifício, deusa digníssima, e não faças como as mulheres que
negoceiam com os amantes; elas entreabrem a porta e se debruçam; se algum homem
fica de olho elas cruzam as pernas; se vai embora, elas se debruçam de novo.
Não faças nada disso conosco!
(…)Tinha que
ser! Você não podia deixar de ser filho de um desses gaiatos que fazem tudo
para haver guerra e que depois são os primeiros a gemer por causa dela…
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