quinta-feira, 27 de junho de 2013

Aristófanes- A Paz

(…)Mais! Mais! Peça a um pederasta! O escaravelho disse que gosta do bolo bem espremido.

Digam-me, quem souber, onde eu posso comprar um nariz sem buracos. Não conheço trabalho mais horroroso que este de espremer comida para um escaravelho. Um porco ou um cachorro engolem sem luxinhos os nossos excrementos mas esse bicho aí se faz de delambido e não quer comer a não ser que eu tenha passado o dia todo a amassar os bocados, como se fosse uma mulherzinha muito delicada!

Coma! Empanturre-se de comida até estourar! Com que gana esse bicho maldito devora a comida! Ele mexe o queixo sem parar, como um lutador mexe com os braços. Mexe as cabeças e as patas como um fabricante de cordas para barcos. Bicho feio, fedorento e guloso! A que deus ele é consagrado? Não tenho certeza, mas penso que não há de ser a Afrodite nem às Graças.

“…Para quê esse escaravelho?” E um vizinho dele responde: “Se não me engano, aquele político sujo anda metido nisso; dizem que ele comia imundície”… E eu vou explicar o caso às crianças, aos homenzinhos, aos homens feitos, aos homens desfeitos, aos que já viveram demais.



Trigeu
Onde está a Paz?
Hermes
A Guerra trancafiou a infeliz numa caverna profunda.
Trigeu
Em que caverna?
Hermes
Naquela ali em baixo. Você está a ver quanta pedra ela amontoou na entrada para impedir vocês de reconquistá-la?
Trigeu
E você sabe o que a Guerra vai fazer conosco?
Hermes
Só sei uma coisa: ontem de noite ela pôs lá dentro uma enormidade de pilão.
Trigeu
E o que é que ela vai fazer com esse pilão?
Hermes
Ela pretende reduzir as cidades a pó.


Marchem todos por aqui fogosamente, diretos à liberdade! Ajudemo-nos uns aos outros, gregos de toda a parte, agora ou nunca! Chega de campos de batalha! Chega de uniformes militares! Acaba de raiar o dia luminoso de que traficantes de guerra não vão gostar!


Hermes
Libação! Libação! Concentrem-se! Concentrem-se! Fazendo esta libação, vamos rezar para que este dia seja para todos os gregos o início de um bocado de coisas boas e para os que pegarem nestas cordas com o coração cheio de boa vontade nunca mais tornem a pegar em armas!
Trigeu (bebendo)
E que se possa levar a vida no seio da paz, com uma boa amiga, remexendo brasas...
Hermes (bebendo)
Quanto aos que preferirem a guerra, que nunca parem...
Trigeu (bebendo) ... de arrancar pontas de flechas dos cotovelos.
Hermes (bebendo)
E se alguém, com vontade de comandar batalhões, se opuser a que você volte a reinar entre os homens, soberana Paz, que nas batalhas...
Trigeu (bebendo)
 ... tenha de lançar as armas fora para fugir mais depressa.
Hermes (bebendo)
E se um fabricante de lanças ou um vendedor de escudos desejar que haja guerra para ganhar mais dinheiro...
Trigeu (bebendo) ... que seja assaltado por bandidos e só fique com umas migalhas para comer!
Hermes (bebendo) E se alguém, com vontade de ser general, não quiser nos ajudar, ou desertar como um escravo...
Trigeu (bebendo) ... que seja amarrado numa roda e esfolado a chicotadas!
Hermes (bebendo)
E a nós que só aconteçam coisas boas! Hipe, urra! Hipe, urra!
Trigeu (bebendo) Tire esse “urra”, que faz pensar em surra, e diga só “hipe”.
Hermes (bebendo) Então, hipe! Hipe! (Ouviu? Eu disse só hipe.)
Trigeu (bebendo) A Hermes, às Graças, à Abundância, à deusa do amor, ao Desejo!
Hermes (já meio embriagado) Mas ao deus da guerra, não!
Trigeu (bebendo) Não!
Hermes (bebendo)
Nem aos deus da carnificina!
Trigeu (bebendo) Não!



(… solta a Paz)
Hermes
(…)E aqueles ali, os espectadores? Olha a cara deles e veja se descobre a profissão de cada um!
Trigeu
Que tristeza!
Hermes
Aquele ali, por exemplo, o fabricante de penachos para capacetes: você está a ver como ele arranca os cabelos?
Trigeu
Sim, mas o fabricante de enxadas soltou o maior peido no nariz do fabricante de espadas, aquele ali atrás.
Hermes
E você está vendo como o fabricante de foices de colheita de cereais está alegre?
Trigeu
E como ela dá milho ao fabricante de lanças?
Hermes
Agora comunique aos lavradores que eles devem voltar.
Trigeu
Ouçam todos: que os lavradores voltem com suas ferramentas e se dirijam sem demora para o campo, sem lança, nem espada, nem dardo, pois a boa Paz de antigamente está de novo aqui conosco! Vamos! Volte cada um a trabalhar no campo após cantar uma canção alegre!
Corifeu
O dia tão esperado pelos homens de bem e pelos lavradores! Feliz haver-te visto, quero saudar minhas parreiras e figueiras, que plantei na mocidade. Há muito tempo suspiro por abraçá-las!


Viva! Viva! Como estamos alegres com a sua vinda, Paz muito querida! Eu estava tarado de desejos por você; um impulso sobre-humano me impelia a voltar para o campo. Você era a causa da abundância para todos nós que vivíamos da terra, Paz muito desejada! Só você nos ajudava. Que doces prazeres tínhamos antes, graças a você, gratuitos e bem gozados! Você era para a gente do campo o doce mais saboroso e a salvação. As parreiras e as figueiras novas e todas as outras plantas também receberão você com um sorriso alegre.


Vocês lá de cima pareciam tão insignificantes! Olhando lá do céu vocês pareciam ruins mesmo, mas próximo eu vejo que vocês são ainda piores.

Vão ficar com muita inveja de você, velhinho, quando você aparecer todo perfumado, como um broto.

(A Alegria despe-se; quando fica nua, Trigeu a conduz até a entrada do compartimento reservado aos senadores.)
Trigeu
Senado! Senadores! Contemplem a Alegria! Vejam quanta coisa boa eu trago para vocês! De saída, vocês podem levantar as pernas dela e iniciar o “sacrifício”. Olhem que “forno”!
Criado
Como ela é bonita! Agora eu compreendo porque é que ela tem aquela mancha preta! É a fumaça do forno! Antes da guerra os senadores fritavam bolinhos ali!

Trigeu
Agora que ela é de vocês, podem organizar a partir de amanhã uma sessão deliciosa, com uma luta vale-tudo; podem virá-la de costas, botá-la de joelhos, aplicar uns golpes bem lubrificados, trabalhar com as mãos e com os paus. No dia seguinte, depois de tudo isso, vocês podem fazer uma competição hípica, montando e desmontando, caindo e trepando. Quem não aguentar a virada vai ficar todo esfolado! Vamos, senadores! Recebam a Alegria!
(Vejam com que “eficiência” aquele senador recebe a Alegria! Você não agiria com essa rapidez se fosse preciso apresentar algum projeto sem compensação; você entraria em recesso...)


Se algum músico desses que levam a vida na flauta vir vocês aí, vai-se aproximar e vai querer tocar sem ser convidado; e se vocês virem a cara de sofrimento que ele faz quando toca, vão deixar que ele tome parte na festa.

Venerada Paz recebe nosso sacrifício, deusa digníssima, e não faças como as mulheres que negoceiam com os amantes; elas entreabrem a porta e se debruçam; se algum homem fica de olho elas cruzam as pernas; se vai embora, elas se debruçam de novo. Não faças nada disso conosco!

(…)Tinha que ser! Você não podia deixar de ser filho de um desses gaiatos que fazem tudo para haver guerra e que depois são os primeiros a gemer por causa dela…






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