Pertenço, porém àquela espécie de homens que estão
sempre na margem daquilo a que pertencem, nem veem só a multidão de que são,
senão também os grandes espaços em que há ao lado.
O espírito humano tende a criticar porque sente e
não porque pensa.
A decadência é a perda total da inconsciência;
porque a inconsciência é o fundamento da vida.
Alheios à solenidade de todos os mundos,
indiferentes ao divino e desprezados do humano, entregamo-nos futilmente à
sensação sem propósito, cultivada num epicurismo subtilizado, como convém aos
nossos nervos cerebrais.
Sabemos bem que toda a obra tem de ser imperfeita, e
que a menos segura das nossas contemplações estéticas será a daquilo que
escrevemos.
Considero a vida uma estalagem onde tenho que me
demorar até que chegue a diligência do abismo.
Tenho que escolher o que detesto – ou o sonho, que a
minha inteligência odeia, ou a ação que a minha sensibilidade repugna; ou a ação,
para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.
Há um destino igual, porque é abstrato, para os
homens e para as coisas – uma designação igualmente indiferente na álgebra do
mistério.
A glória nocturna de ser grande não sendo nada!
Pedi tão puco à vida e esse mesmo pouco a vida me
negou.
…não me pesar muito o conhecimento que existo, e não
exigir nada dos outros nem exigirem eles nada de mim.
Vivo mais porque vivo maior.
Tenho amor a isto, talvez porque não tenho mais nada
para amar – ou talvez, também, porque nada valha o amor de uma alma, e se temos
por sentimento que o dar, tanto vale dá-lo ao pequeno aspeto do meu tinteiro
como à grande indiferença das estrelas.
A arte que mora na mesma rua que a vida, porém num
lugar diferente, a arte que alivia da vida sem aliviar de viver, que é tão monótona
como a mesma vida, mas só num lugar diferente.
Nós nunca nos realizamos. Somos dois abismos – um
poço fitando o céu.
Um tédio que inclui a antecipação só de mais tédio;
a pena, já, de manhã ter pena de ter tido pena de hoje – grandes emaranhamentos
sem utilidade nem verdade, grandes emaranhamentos.
O único modo de estarmos de acordo com a vida é
estarmos em desacordo com nós próprios.
Dar a cada emoção uma personalidade, a cada estado
de alma uma alma.
Creio que dizer uma coisa é conservar-lhe a virtude
e tirar-lhe o terror.
Tudo é o que somos, e tudo será, para os que nos
seguirem na diversidade do tempo, conforme nós intensamente o houvermos
imaginado, isto é, o houvermos, com a imaginação metida no corpo,
verdadeiramente sido.
Um hálito de música ou sonho, qualquer coisa que
faça quase sentir, qualquer coisa que faça não pensar.
Tinha-me levantado cedo e tardava em preparar-me
para existir.
Tardava-me, talvez, a sensação de estar vivo. E
quando me debrucei na janela altíssima, sobre a rua para onde olhei sem vê-la,
senti-me de repente um daqueles trapos húmidos de limpar coisas sujas, que se
levam para a janela para secar, mas se esquecem enrodilhados, no parapeito que
mancham lentamente.
Nem sei pensar, do sono que tenho; nem sei sentir, do
sono que não consigo ter.
Cessar, dormir, substituir esta consciência
intervalada por melhores coisas melancólicas ditas em segredo ao que me
desconhece!
O absurdo, a confusão, o apagamento – tudo que não
fosse a vida…
Oiço cair o tempo. Gota a gota, e nenhuma gota que
cai se ouve cair.
Tudo é tanto, tudo é tão fundo, tudo é tão negro e
tão frio.
A renúncia é a libertação. Não querer é
poder.
"Vivo mais porque vivo maior." Viver intensamente à beira do abismo, numa luta incansável de busca de grandiosidade.
ResponderEliminar"GRANDIOSIDADE" na acepção nobre da palavra e que o chão não fuja do pé.
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