quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Fernando Pessoa- Livro Do Desassossego ( VII )


Isto de nada me serve, pois nada me serve de nada.

A vida é um novelo que alguém emaranhou.

Julgo, às vezes, que tudo é falso, e que o tempo não é mais do que uma moldura para enquadrar o que lhe é estranho.

Penso que se o homem que me dita devagar dentro de um carro que segue depressa está indo depressa ou devagar.

Ver é ter visto.

Tudo está em tudo.

Na verdade, nada altera nada, e o que dizemos ou fazemos roça só os cimos dos montes, em cujos vales dormem as coisas.

Tudo é natural, tudo artificial, tudo igual.

A memória afinal, é a sensação do passado…E toda a sensação é uma ilusão.

Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?

O verdadeiro amor, o imortal e inútil, pertence àquelas figuras em que a mudança não entra, por sua natureza de estáticas.

Nunca se deve devassar os sentimentos que os outros fingim que têm. São sempre demasiadamente íntimos…

O que somos de mais doloroso é o que não somos realmente, e as nossas maiores tragédias passam-se na nossa ideia de nós.

A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final.
Sou todo eu uma vaga saudade, nem do passado, nem do futuro! Sou uma saudade do presente, anónima, prolixa e incompreendida.

O tédio é, sim, o aborrecimento do mundo, o mal-estar de estar vivendo, o cansaço de se ter vivido; o tédio é deveras, a sensação carnal da vacuidade prolixa das coisas.

…a vacuidade da própria alma que sente o vácuo, que se sente vácuo, e que nele de si se enoja e repudia.

…e tudo é uma doença incurável.

Nenhum de nós queria saber do outro, porém nenhum de nós sem ele prosseguia. A companhia que nos fazíamos era uma espécie de sono que cada um de nós tinha.

Existir é renegar. Que sou hoje, vivendo hoje, senão a renegação do que fui ontem, de quem fui ontem? 

Já vi tudo, ainda o que não vi, nem o que não verei.

Tive desejos, mas foi-me negada a razão de tê-los. O que achei, mais valeria tê-lo realmente achado.

Nunca soube se era de mais a minha sensibilidade para a minha inteligência, ou a minha inteligência para a aminha sensibilidade.

Resume-se tudo enfim em procurar sentir o tédio de modo que ele não doa.

A vida seria insuportável se tomássemos consciência dela.

Para ser feliz é preciso saber-se que se é feliz. A felicidade está fora da felicidade. Não há felicidade senão com conhecimento.

Que bom estar só largamente! Poder falar alto connosco, passear sem estorvo de vistas, repousar para trás nem devaneio sem chamamento!

O orgulho é a certeza emotiva da grandeza própria. A vaidade é a certeza emotiva de que os outros veem em nós, os nos atribuem tal grandeza.

Mas em sofro em coisas tão reles, ferem-me coisas tão banais que não ouso insultar com essa hipótese a hipótese de que eu possa ter génio.

Considerar a nossa maior angústia como um incidente sem importância, não só na vida do universo, mas na da nossa mesma alma, é o princípio da sabedoria.

Tudo é nada, e a nossa dor nele.

Ser puro, não para ser nobre, ou para ser forte, mas para ser si próprio.

Basta eu querer uma coisa para ela morrer.

Perdi para sempre a segura certeza da lucidez da minha lucidez.

Ninguém supos que ao pé de mim estivesse sempre outro, que afinal era eu.

Vivemos todos longínquos e anónimos; disfarçados sofremos desconhecidos.

Dormir, ser longínquo sem o saber, estar distante, esquecer como próprio corpo; ter a liberdade de ser inconsciente…

Vou ser julgado em cada hoje que há. E o condenado perene que há em mim agarra-se ao leito como à mãe que perdeu, e acaricia o travesseiro como se a ama o defendesse de gentes.

Oiço chinelos num corredor absurdo que conduz até ao meu coração.

Dizer a verdade, encontrar o que se espera, negar a ilusão de tudo…
Tudo o que existe, existe talvez porque outra coisa existe. Nada é tudo, tudo coexiste…

Naufraguei sem tormenta num mar onde se pode estar de pé.

Tudo se me tornou insuportável, exceto a vida.

O tédio pesa mais quando não tem a desculpa da inércia. O tédio dos grandes esforçados é o pior de todos.

A vida, (…) é a busca do impossível através do inútil.

O amor agita e cansa, a ação dispersa e falha, ninguém sabe saber e pensar embacia tudo.

Viajar? Para viajar basta existir.

Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.

Lembrar é um repouso, porque não é agir.

Quanto mais alta a sensibilidade, e mais subtil a capacidade de sentir, tanto mais absurdamente vibra e estremece com as pequenas coisas.

Eu odeio a vida por amor a ela.

O grande sonho requer certas circunstâncias sociais.

O criador do espelho envenenou a alma humana.

Se penso, é porque divago, se sonho, é porque estou desperto. Tudo em mim se embrulha comigo, e não têm forma de saber de ser.

Falar e ter demasiada consideração pelos outros.

A nossa frivolidade de ontem é hoje é hoje uma saudade constante que me rói a vida.

A bondade é a delicadeza das almas grosseiras.

Toda a inapetência para a ação inevitavelmente feminiza.

O prémio natural do meu afastamento da vida foi a incapacidade que criei nos outros, de sentirem comigo. Em torno a mim há uma aureola de frieza, uma halo de gelo que repele os outros.

Sofri a humilhação de me conhecer.

Os homens são fáceis de afastar: basta não nos aproximarmos.

Sou uma ponte entre dois mistérios, sem saber como me construíram.

1 comentário:

  1. "Dormir, ser longínquo sem o saber, estar distante, esquecer como próprio corpo; ter a liberdade de ser inconsciente…" A angústia de querer saber sempre mais, contrapõe-se à felicidade da ignorância do homem vulgar.

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