Nunca aprendi a existir. Tudo o que quero consigo,
logo que seja dentro de mim.
Sem mim, o sol nasce e se apaga; sem mim a chuva cia
e o vento geme.
Estátua interior sem contornos, sonho exterior sem
ser sonhado.
…esse episódio de imaginação a que chamamos
realidade.
Ah, quem me salvará de existir? Não é a morte que
quero, nem a vida: é aquela outra coisa que brilha no fundo da ânsia como um
diamante possível numa cova a que se não pode descer.
Quando julgo que recordo, é outra coisa que penso,
que vejo, ignoro, e quando me distraio, nitidamente vejo.
Ler é sonhar pela mão de outrem. A superficialidade
na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.
Há dois tipos de artista: o que exprime o que não
tem e o que exprime o que sobrou do que teve.
Não quero ter alma e não quero abdicar dela. Desejo
o que não desejo e abdico do que não tenho. Não posso ser nada nem tudo: sou a
ponte da passagem entre o que não tenho e o que não quero.
Podemos morrer se apenas amámos.
Amarem-no cansava-o.
Sobre as emoções tenho curiosidade. Sobre os factos,
quaisquer que venham a ser, não tenho curiosidade alguma.
Nenhum prémio certo tem virtude, nenhum castigo
certo o pecado.
A vida é a busca do impossível através do inútil.
A alma humana é um manicómio de caricaturas. Se uma
lama pudesse revelar-se com verdade, nem houvesse um pudor mais profundo que
todas as vergonhas conhecidas e definidas, seria, como dizem da verdade, um
poço, mas um poço sinistro cheio de ecos vagos, habitado por vidas ignóbeis,
viscosidades sem vida, lesmas sem ser, ranho da subjectividade.
Perco-me se me encontro, duvido se acho, não tenho
se obtive.
A sede de ser completo deixou-me neste estado de
mágoa inútil.
Todos somos iguais na capacidade para o erro e para
o sofrimento.
E, assim, alheios à solenidade de todos os mundos,
indiferentes ao divino e desprezadores do humano, entregamo-nos futilmente à
sensação sem propósito, cultivada num epicurismo subtilizado, como convém aos
nossos nervos cerebrais.
Ser pessimista é tomar qualquer coisa como trágico,
e essa atitude é um exagero e um incómodo.
Não posso ler, porque a minha crítica híper-acesa
não descortina senão defeitos, imperfeições, possibilidades de melhor. Não
posso sonhar, porque sinto o sonho tão vivamente que o comparo com a realidade,
de modo que sinto logo que ele não é real, e assim o seu valor desaparece.
A existência do mal não pode ser negada, mas a
maldade da existência do mal pode não ser aceite.
Ninguém se amaria a si mesmo se deveras se
conhecesse, e assim não havendo a vaidade, que é o sangue da vida espiritual,
morreríamos na alma de anemia.
A vida que se vive é um desentendimento fluido, uma
média alegre entre a grandeza que não há e a felicidade que não pode haver.
O pensamento pode ter levação sem ter inteligência,
e, na proporção em que não tiver elegância, perderá a acção sobre os outros.
A força sem a destreza é uma simples massa.
A arte mente porque é social. E há só duas grandes
formas de arte – uma que se dirige à nossa alma profunda, a outra que se dirige
à nossa lama atenta. A primeira é a poesia, o romance a segunda. A primeira
começa a mentir na própria estrutura; e a segunda começa a mentir na própria
intenção. Uma pretende dár-nos a verdade por meio linhas variadamente regradas,
que mentem à inércia da fala; outra pretende dár-nos a verdade por uma
realidade que todos sabemos bem que nunca houve.
Sou os arredores de uma vila que não há, o
comentário prolixo a um livro que se não escreveu.
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