Zeus foi quem levou os homens
pelos caminhos da sabedoria
e decretou a regra para sempre certa:
"o
sofrimento é a melhor lição".
Agora os
soldados Aqueus dominam Tróia.
Na praça
capturada certamente ouve-se
o burburinho
de mil vozes bem distintas.
Derrame-se
vinagre e azeite num só vaso;
os dois não
se misturarão de modo algum,
como se
fossem inimigos acirrados.
Da mesma
forma, os brados dos vitoriosos
e os dos
vencidos são de todo inconfundíveis;
separa-os
diferença enorme de fortunas.
O dom
supremo é ter comedimento;
queiramos só
os bens inofensivos,
suficientes
quando há bom senso,
pois a
prosperidade nunca serve
aos que se
sobrepõem à justiça.
Transtorna-os a sinistra Tentação,
insidiosa
filha do Delírio:
o mal,
então, se torna irremediável;
não se
disfarça mais, todos o vêem
- sinistra, inocultável evidência.
Prosperidade
que não cause inveja,
eis meu
desejo; não me move a ideia
de conquistar e destruir cidades,
nem quero
ver um dia minha vida
nas mãos de
impiedosos vencedores.
É próprio
das mulheres acolher
com avidez rumores agradáveis
sem guardar a prova da verdade;
se rápida a
certeza se insinua
na mente das
mulheres, mais depressa
desfaz-se a
feminina convicção.
Preferiríamos
notícias agradáveis
mas que
exprimissem simultaneamente os fatos;
as falsas alegrias logo se desfazem.
Repetem os
mortais há muito tempo
velhíssimo
provérbio: “da fortuna
imensa de um mortal germinam logo males
inda maiores
para os seus”.
É diferente
o meu entendimento:
ações iníquas
geram fatalmente iniquidades
umas sobre
as outras, idênticas em tudo à sua origem;
porém nas
casas onde houver justiça
jamais
filhos perfeitos faltarão.
Uma
arrogância mais antiga gera
nova
arrogância em meio a gente má
e ao se
formar, a vida perpetua
a audácia
ímpia como a sua estirpe,
destino
negro de mil gerações.
Nos lares
mais discretos, todavia,
pode a
justiça cintilar constante
enaltecendo
a existência simples;
dos palácios
dourados onde existem mãos impuras
ela se
retira rápida,
olhando para
onde houver pureza,
indiferente
à força da riqueza
e às suas
glórias feitas de ilusões.
E guia tudo
para o termo certo.
Salve meu
rei, filho de Atreu, herói de Tróia!
Nas
homenagens justas que te rendo
procuro
resistir à tentação de excessos
mas não
desejo aparentar frieza.
Alguns
mortais apenas cuidam de aparências
e não se
cingem à conveniência.
Dirigem
quase todos os infortunados
olhares de
piedade simulada,
mas o
aguilhão do verdadeiro sentimento
não chega ao
coração;
porém se a
hora é de compartilhar honestas alegrias
fingem
sentir um júbilo real
impondo ao
rosto indiferente falso riso.
Ao homem
mais vivido, todavia,
conhecedor
de sua grei, de seus amigos,
jamais
iludirão as aparências;
verá nos
corações forçadamente alegres
a hipocrisia
da afeição fictícia.
(…)não nego
que me pareceste um insensato
e tíbio no
timão de tua mente (…)
(…)em gesto
unânime os deuses depositaram
seu
veredicto na urna sanguinolenta:
"pereça
Ílion, seja destruída Ílion"!
A urna do
perdão permaneceu vazia;
os votos da
esperança não apareceram.
Até agora o
negro fumo dos incêndios
é testemunha
da destruição de Tróia;
ainda sopram
as rajadas do castigo,
e sobe aos
céus, das brasas meio consumidas,
o odor de
uma opulência reduzida a cinzas.
Por esses
fatos temos de testemunhar
contritamente
nossa gratidão aos deuses.
Levamos à
cidade as penas da vingança;
a luta por
uma mulher lhe trouxe a ruína
vinda do
monstro argivo, do cavalo enorme
em cujo bojo
estavam os soldados prontos,
irresistíveis no ataque final a Tróia
quando as
brilhantes Plêiades já declinavam;
buscando
carne humana em todos os redutos
o régio leão saciou-se de sangue.
(…)há poucos
homens
capazes de
encarar com naturalidade
a boa sorte
de um amigo, sem inveja,
pois o
veneno da malevolência vence
e toma posse
da alma e dobra as amarguras
dos
torturados pelo sórdido despeito
diante da
visão da ventura dos outros
em nítido
contraste com a má sorte própria.
Sei
distinguir uma amizade verdadeira da falsa,
e chamo de
simulação de sombras
a hipocrisia
dos amigos na aparência.
Se tudo
corre bem devemos ter cuidado
a fim de que
tenha sequência a boa sorte,
mas onde
houver necessidade de remédio
livremo-nos
das consequências da doença
cauterizando
e extirpando o que vai mal.
(…)e a
presumível rebeldia aqui do povo,
capaz de pôr
abaixo um dia o fiel Conselho
que
sustentava o teu prestígio, pois bem sabes
que os
homens tripudiam sobre os derrotados.
Só é feliz
de fato o homem cuja vida
transcorre
até o fim serenamente próspera.
Enquanto assim pensar.
Clitemnestra:
Não deves, pois, temer que os homens te censurem.
Agamémnon: É
muito forte o julgamento popular.
Clitemnestra:
Só não existe inveja se não há valor.
Sabia eu que
enquanto há seiva na raiz
renascem
folhas abundantes,
que protegem
a casa da canícula com sua sombra.
Saúde
exuberante não perdura
indefinidamente;
uma doença,
vizinha
atenta, aguarda a sua hora.
Da mesma
forma a fortuna dos homens
em sua
marcha cega, inexorável,
choca-se um
dia contra oculta rocha;
somente se
em manobra sábia um pouco
da carga
preciosa é posta fora
a nau é
salva, salva-se uma parte (…)
Sobe de
súbito ao meu coração
o sangue já
sem cor, como se fora
de golpe por
onde se esvai a vida
na hora de
chegar a morte célere.
Ninguém se
cansa da prosperidade.
Não lhe
resistem nunca as criaturas
nem se adiantam a fechar-lhe as portas
bradando, o
dedo em riste: "Não penetres!"
A tirania é
mal pior que a própria morte!
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