sexta-feira, 17 de maio de 2013

Ésquilo- Oresteia. Agamémnon


Zeus  foi quem levou os homens
 pelos caminhos da sabedoria
 e decretou a regra para sempre certa:
"o sofrimento é a melhor lição".


Agora os soldados Aqueus dominam Tróia.
Na praça capturada certamente ouve-se
o burburinho de mil vozes bem distintas.
Derrame-se vinagre e azeite num só vaso;
os dois não se misturarão de modo algum,
como se fossem inimigos acirrados.
Da mesma forma, os brados dos vitoriosos
e os dos vencidos são de todo inconfundíveis;
separa-os diferença enorme de fortunas.


O dom supremo é ter comedimento;
queiramos só os bens inofensivos,
suficientes quando há bom senso,
pois a prosperidade nunca serve
aos que se sobrepõem à justiça.
 Transtorna-os a sinistra Tentação,
insidiosa filha do Delírio:
o mal, então, se torna irremediável;
não se disfarça mais, todos o vêem
 - sinistra, inocultável evidência.


Prosperidade que não cause inveja,
eis meu desejo; não me move a ideia
 de conquistar e destruir cidades,
nem quero ver um dia minha vida
nas mãos de impiedosos vencedores.


É próprio das mulheres acolher
 com avidez rumores agradáveis
 sem guardar a prova da verdade;
se rápida a certeza se insinua
na mente das mulheres, mais depressa
desfaz-se a feminina convicção.


Preferiríamos notícias agradáveis
mas que exprimissem simultaneamente os fatos;
 as falsas alegrias logo se desfazem.



Repetem os mortais há muito tempo
velhíssimo provérbio: “da fortuna
 imensa de um mortal germinam logo males
inda maiores para os seus”.
É diferente o meu entendimento:
ações iníquas geram fatalmente iniquidades
umas sobre as outras, idênticas em tudo à sua origem;
porém nas casas onde houver justiça
jamais filhos perfeitos faltarão.
Uma arrogância mais antiga gera
nova arrogância em meio a gente má
e ao se formar, a vida perpetua
a audácia ímpia como a sua estirpe,
destino negro de mil gerações.
Nos lares mais discretos, todavia,
pode a justiça cintilar constante
enaltecendo a existência simples;
dos palácios dourados onde existem mãos impuras
ela se retira rápida,
olhando para onde houver pureza,
indiferente à força da riqueza
e às suas glórias feitas de ilusões.
E guia tudo para o termo certo.



Salve meu rei, filho de Atreu, herói de Tróia!
Nas homenagens justas que te rendo
procuro resistir à tentação de excessos
mas não desejo aparentar frieza.
Alguns mortais apenas cuidam de aparências
e não se cingem à conveniência.
Dirigem quase todos os infortunados
olhares de piedade simulada,
mas o aguilhão do verdadeiro sentimento
não chega ao coração;
porém se a hora é de compartilhar honestas alegrias
fingem sentir um júbilo real
impondo ao rosto indiferente falso riso.
Ao homem mais vivido, todavia,
conhecedor de sua grei, de seus amigos,
jamais iludirão as aparências;
verá nos corações forçadamente alegres
a hipocrisia da afeição fictícia.


(…)não nego que me pareceste um insensato
e tíbio no timão de tua mente (…)



(…)em gesto unânime os deuses depositaram
seu veredicto na urna sanguinolenta:
"pereça Ílion, seja destruída Ílion"!
A urna do perdão permaneceu vazia;
os votos da esperança não apareceram.
Até agora o negro fumo dos incêndios
é testemunha da destruição de Tróia;
ainda sopram as rajadas do castigo,
e sobe aos céus, das brasas meio consumidas,
o odor de uma opulência reduzida a cinzas.
Por esses fatos temos de testemunhar
contritamente nossa gratidão aos deuses.
Levamos à cidade as penas da vingança;
a luta por uma mulher lhe trouxe a ruína
vinda do monstro argivo, do cavalo enorme
em cujo bojo estavam os soldados prontos,
 irresistíveis no ataque final a Tróia
quando as brilhantes Plêiades já declinavam;
buscando carne humana em todos os redutos
 o régio leão saciou-se de sangue.




(…)há poucos homens
capazes de encarar com naturalidade
a boa sorte de um amigo, sem inveja,
pois o veneno da malevolência vence
e toma posse da alma e dobra as amarguras
dos torturados pelo sórdido despeito
diante da visão da ventura dos outros
em nítido contraste com a má sorte própria.
Sei distinguir uma amizade verdadeira da falsa,
e chamo de simulação de sombras
a hipocrisia dos amigos na aparência.


Se tudo corre bem devemos ter cuidado
a fim de que tenha sequência a boa sorte,
mas onde houver necessidade de remédio
livremo-nos das consequências da doença
cauterizando e extirpando o que vai mal.


(…)e a presumível rebeldia aqui do povo,
capaz de pôr abaixo um dia o fiel Conselho
que sustentava o teu prestígio, pois bem sabes
que os homens tripudiam sobre os derrotados.


Só é feliz de fato o homem cuja vida
transcorre até o fim serenamente próspera.
 Enquanto assim pensar.


Clitemnestra: Não deves, pois, temer que os homens te censurem.
Agamémnon: É muito forte o julgamento popular.
Clitemnestra: Só não existe inveja se não há valor.


Sabia eu que enquanto há seiva na raiz
renascem folhas abundantes,
que protegem a casa da canícula com sua sombra.


Saúde exuberante não perdura
indefinidamente; uma doença,
vizinha atenta, aguarda a sua hora.
Da mesma forma a fortuna dos homens
em sua marcha cega, inexorável,
choca-se um dia contra oculta rocha;
somente se em manobra sábia um pouco
da carga preciosa é posta fora
a nau é salva, salva-se uma parte (…)


Sobe de súbito ao meu coração
o sangue já sem cor, como se fora
de golpe por onde se esvai a vida
na hora de chegar a morte célere.


Ninguém se cansa da prosperidade.
Não lhe resistem nunca as criaturas
 nem se adiantam a fechar-lhe as portas
bradando, o dedo em riste: "Não penetres!"


A tirania é mal pior que a própria morte!



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