quarta-feira, 1 de maio de 2013

Eurípedes- Íon


És nobre, o teu porte anuncia-o, quem quer que sejas, ó mulher. Assim, a maior parte das vezes, pela simples aparência se mede a qualidade da estirpe.

Muitas são as desgraças que, sob várias formas, atacam os mortais. É muito difícil encontrar a felicidade na existência humana.

Como poderá, pois, admitir-se que vós, deuses, que prescreveis as leis para os mortais, sejais culpados de iniquidade? E tal não pode acontecer, mas ponhamos esta hipótese: se um dia prestásseis contas aos homens dos vossos amores violentos, Apolo, Poseidon e Zeus, senhor do céu, esvaziaríeis os vossos templos, para pagar a pena das vossas faltas. Cometeis injustiça, procurando com afã o prazer sem refletir nas consequências. Não mais será justo censurar os homens por imitarem o que os deuses aprovam. Censurem-me, sim, os que ensinam estas coisas.

É base inabalável de excelsa felicidade para os mortais, que brilhe no lar paterno e vigor juvenil e fecundo dos filhos, herdeiros duma riqueza que passará a nova geração. Eles são, na adversidade, a nossa força, na prosperidade a nossa alegria e com a lança na mão dão à terra pátria a proteção salvadora.

(…) possua eu apenas modesta fortuna, mas alegrada por uma descendência feliz.

O aspecto das coisas não parece o mesmo, quando as examinamos à distância ou de perto. Alegra-me, sem dúvida, a circunstância de ter encontrado em ti um pai; mas atende às seguintes reflexões. Dizem que o povo autóctone e glorioso de Atenas está isento de sangue estrangeiro. Em Atenas cairei, sofrendo do duplo mal de ser filho de um estrangeiro e, ainda por cima, bastardo. Alvo desta censura, se me faltar o poder, serei alcunhado de ninguém, filho de ninguém. Se, pelo contrário, procurar ser alguém, esforçando-me por alcançar a primeira posição da cidade, serei odiado pelos incapazes, porque a superioridade é sempre penosa. Quanto aos que, sendo honestos e capazes de sabedoria, calam-se e evitam lançar-se na vida pública, para estes farei figura de riso e de loucura, por não me manter tranquilo na cidade cheia de receio. E aqueles que forem hábeis na política, se me virem ascender a qualquer dignidade, hão de usar os seus votos contra mim, por que é assim, meu pai, que são as coisas: os que detêm o poder e as honras são maiores adversários para os seus rivais. E indo para casa de outrem, como intruso, para o pé de uma mulher sem filhos, que partilhava contigo a sorte de outrora, e agora, desiludida, suportará com amargura o seu próprio destino, como não serei com razão odiado por ela quando estiver ao teu lado e a tua mulher estéril olhar amargamente o teu filho? Depois, ou tu me trais para gradar a tua esposa, ou arruínas a paz da tua casa para me honrar. Quantos assassínios e mortes por venenos fatais têm as mulheres forjado a seus maridos! Além disso, eu tenho compaixão da tua esposa, meu pai, que envelhece sem filhos e que, nascida de nobres antepassados, não é digna de ser estéril. Doce no aspecto exterior, a soberania, em vão louvada, é amarga por dentro. Quem poderá, pois, dizer-se feliz, quem afortunado, se levar a vida entre temores e suspeitas? Eu antes quero viver feliz como simples cidadão do que como tirano, que se compraz em ter por amigos os perversos e odeia os bons com medo de morrer. Tu dirás que o ouro compensa tudo e que ser rico é agradável. Eu não gosto, para conservar nas mãos uma fortuna, de estar atento a rumores, nem de viver entre preocupações. Uma vida modesta basta-me, desde que eu não me inquiete. Quanto aos bens que eu aqui tinha, meu pai, escuta-me: primeiro o descanso, tão caro ao homem, e a pouca perturbação. Nenhum perverso me fazia sair do caminho: ora, é intolerável ceder a passagem aos maus. Nas preces aos deuses ou no diálogo com os mortais sempre os meus serviços foram motivo de regozijo, nunca de lamentação. Enquanto acompanhava à saída uns visitantes, outros chegavam, de modo que era sempre com agrado que as caras novas se deparava uma cara nova. E em mim se cumpria o que se deve desejar aos homens, mesmo contra a sua vontade: a lei e a natureza faziam de mim um justo servidor do deus. Pensando nisto, julgo que as coisas aqui são melhores dos que as de lá, meu pai. Deixa-me viver neste lugares; com efeito, não tem maior encanto exultar com a grandeza que contentar-se com pouco.

Com amigos é agradável partilhar a felicidade. Mas se – oxalá que tal não aconteça! – sobrevier alguma desgraça, é doce olhar o rosto de um bom amigo.

Lento é o meu pé, mas o espírito ainda é rápido.

Ai! Como sempre odiei os homens perversos, que tramam o mal e o ornam em seguida de amáveis expedientes. Antes quero ter por amigo um ignorante honesto do que um mau mais instruído.

Apenas uma coisa aos servos traz desonra: o nome; em tudo o mais, nenhum escravo é pior que os homens livres, desde que tenha nobres sentimentos.

Em tempo próspero, é belo honrar a piedade; mas, se alguém quer a seus inimigos causar mal, não há lei que o possa impedir.






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