És nobre, o
teu porte anuncia-o, quem quer que sejas, ó mulher. Assim, a maior parte das
vezes, pela simples aparência se mede a qualidade da estirpe.
Muitas são
as desgraças que, sob várias formas, atacam os mortais. É muito difícil
encontrar a felicidade na existência humana.
Como poderá,
pois, admitir-se que vós, deuses, que prescreveis as leis para os mortais,
sejais culpados de iniquidade? E tal não pode acontecer, mas ponhamos esta
hipótese: se um dia prestásseis contas aos homens dos vossos amores violentos,
Apolo, Poseidon e Zeus, senhor do céu, esvaziaríeis os vossos templos, para
pagar a pena das vossas faltas. Cometeis injustiça, procurando com afã o prazer
sem refletir nas consequências. Não mais será justo censurar os homens por
imitarem o que os deuses aprovam. Censurem-me, sim, os que ensinam estas
coisas.
É base
inabalável de excelsa felicidade para os mortais, que brilhe no lar paterno e
vigor juvenil e fecundo dos filhos, herdeiros duma riqueza que passará a nova
geração. Eles são, na adversidade, a nossa força, na prosperidade a nossa
alegria e com a lança na mão dão à terra pátria a proteção salvadora.
(…) possua
eu apenas modesta fortuna, mas alegrada por uma descendência feliz.
O aspecto
das coisas não parece o mesmo, quando as examinamos à distância ou de perto.
Alegra-me, sem dúvida, a circunstância de ter encontrado em ti um pai; mas
atende às seguintes reflexões. Dizem que o povo autóctone e glorioso de Atenas
está isento de sangue estrangeiro. Em Atenas cairei, sofrendo do duplo mal de
ser filho de um estrangeiro e, ainda por cima, bastardo. Alvo desta censura, se
me faltar o poder, serei alcunhado de ninguém, filho de ninguém. Se, pelo contrário, procurar ser alguém,
esforçando-me por alcançar a primeira posição da cidade, serei odiado pelos
incapazes, porque a superioridade é sempre penosa. Quanto aos que, sendo
honestos e capazes de sabedoria, calam-se e evitam lançar-se na vida pública,
para estes farei figura de riso e de loucura, por não me manter tranquilo na
cidade cheia de receio. E aqueles que forem hábeis na política, se me virem ascender
a qualquer dignidade, hão de usar os seus votos contra mim, por que é assim,
meu pai, que são as coisas: os que detêm
o poder e as honras são maiores adversários para os seus rivais. E indo
para casa de outrem, como intruso, para o pé de uma mulher sem filhos, que
partilhava contigo a sorte de outrora, e agora, desiludida, suportará com
amargura o seu próprio destino, como não serei com razão odiado por ela quando
estiver ao teu lado e a tua mulher estéril olhar amargamente o teu filho?
Depois, ou tu me trais para gradar a tua esposa, ou arruínas a paz da tua casa
para me honrar. Quantos assassínios e mortes por venenos fatais têm as mulheres
forjado a seus maridos! Além disso, eu tenho compaixão da tua esposa, meu pai,
que envelhece sem filhos e que, nascida de nobres antepassados, não é digna de
ser estéril. Doce no aspecto exterior, a
soberania, em vão louvada, é amarga por dentro. Quem poderá, pois, dizer-se
feliz, quem afortunado, se levar a vida entre temores e suspeitas? Eu antes quero viver feliz como simples
cidadão do que como tirano, que se compraz em ter por amigos os perversos e
odeia os bons com medo de morrer. Tu dirás que o ouro compensa tudo e que ser
rico é agradável. Eu não gosto, para conservar nas mãos uma fortuna, de
estar atento a rumores, nem de viver entre preocupações. Uma vida modesta
basta-me, desde que eu não me inquiete. Quanto aos bens que eu aqui tinha, meu
pai, escuta-me: primeiro o descanso, tão caro ao homem, e a pouca perturbação.
Nenhum perverso me fazia sair do caminho: ora,
é intolerável ceder a passagem aos maus. Nas preces aos deuses ou no
diálogo com os mortais sempre os meus serviços foram motivo de regozijo, nunca
de lamentação. Enquanto acompanhava à saída uns visitantes, outros chegavam, de
modo que era sempre com agrado que as caras novas se deparava uma cara nova. E
em mim se cumpria o que se deve desejar aos homens, mesmo contra a sua vontade:
a lei e a natureza faziam de mim um justo servidor do deus. Pensando nisto,
julgo que as coisas aqui são melhores dos que as de lá, meu pai. Deixa-me viver
neste lugares; com efeito, não tem maior
encanto exultar com a grandeza que contentar-se com pouco.
Com amigos é
agradável partilhar a felicidade. Mas se – oxalá que tal não aconteça! –
sobrevier alguma desgraça, é doce olhar o rosto de um bom amigo.
Lento é o
meu pé, mas o espírito ainda é rápido.
Ai! Como
sempre odiei os homens perversos, que tramam o mal e o ornam em seguida de
amáveis expedientes. Antes quero ter por amigo um ignorante honesto do que um
mau mais instruído.
Apenas uma
coisa aos servos traz desonra: o nome; em tudo o mais, nenhum escravo é pior
que os homens livres, desde que tenha nobres sentimentos.
Em tempo
próspero, é belo honrar a piedade; mas, se alguém quer a seus inimigos causar
mal, não há lei que o possa impedir.
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